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Conto - Depoimento de uma mulher que apanha

por Jorge Soares, em 31.10.15

violencia.JPG

 

 
De tudo o que nos incrimina, o que nos condena é a mudez.
(cinthia kriemler)
 
Eu fico olhando ele dormir toda noite. Ele não faz um ruído, sabia? É uma coisa assustadora. Não ronca, não respira alto. Parece alguém em coma; um semimorto. Como é possível? Isso não é justo. Não está certo ele dormir assim enquanto eu passo a noite cuidando do meu corpo cheio de dor. Cada tapa, cada soco, cada pontapé me deixa toda marcada, está vendo? A minha pele está toda roxa. Tem uns lugares em que os hematomas nem saem mais. Está vendo a minha coxa? É o lugar que ele mais chuta. Acho que é porque essa parte do corpo está sempre coberta e ninguém vê as marcas. Eu nunca mais vesti um short. Nunca mais fui à praia, acredita? Mas as coxas não me preocupam. Na hora em que ele começa a bater eu só me lembro de usar as mãos e os braços para proteger a cabeça. Faço uma espécie de redoma, de escudo. Assim, está vendo? Mas tem hora que ele me pega desprevenida. Eu morro de medo que ele machuque os meus olhos. Ou a minha cabeça. Fico imaginando como seria ficar em cima de uma cama. Dependendo dos outros; dependendo dele. Imagina o que mais ele faria comigo. 
 
Eu ainda choro. Por que será que eu ainda choro? Não é mais choro de revolta nem de medo, sabe? É uma coisa boa. Que me dá alívio. Andei pensando sobre isso. Eu acho que eu choro porque talvez seja a única coisa em mim que ele não pode tocar: as lágrimas. Ele não pode puxar, apertar, sacudir, espancar as minhas lágrimas. Como faz com o meu corpo. Também não pode manipular, nem controlar, nem abusar delas. Como faz com a minha cabeça. Com a minha vida.
 
Não, isso não é vida. Eu sei. Eu já estive aqui antes. Já conversei com a psicóloga. Foi bom. Ela me fez pensar. E eu já tinha parado de pensar fazia um tempo. Mas pensar não adianta muito, sabe? A gente se sente pra baixo de novo. Pensando em tudo o que não consegue fazer. E sofre outra vez.
 
Eu nem sei por que é que eu apanho tanto. Só sei que a coisa vem, e quando vem nunca é pouca. Primeiro ele me olha. É um jeito de olhar que fala. Eu não sei explicar direito. Mas é como se ele estivesse sempre me culpando por alguma coisa que eu não fiz. Como se estivesse procurando uma desculpa para me arrebentar toda. Qualquer coisa serve. Qualquer coisa mesmo. O cabelo solto, a saia curta, a calça comprida justa, o riso, a unha grande, o decote, o jeito de pendurar a roupa no varal, a máquina ligada muito cedo, a camisa passada do jeito errado, o banheiro ocupado. 
 
A psicóloga me disse que ele é um abusador. Que ele faz eu me sentir culpada de propósito. Porque é isso que um abusador faz. É verdade. Toda vez que ele me bate fica repetindo que a culpa é minha, que eu mereço apanhar. Não mereço, não. Já tem tempo que eu sei que não mereço castigo. 
 
Eu casei muito cedo. E ele não me deixou trabalhar nem estudar. Tinha ciúme até da minha mãe. No começo, eu achei graça. Não vou negar que eu gostei daquela vida de não trabalhar. Só depois de um tempo é que eu percebi que era tudo uma armadilha. Eu não tinha diploma, não tinha emprego, não tinha mais amigos e me afastei da minha família. Eles nunca entenderam o porquê. Nunca aceitaram eu ter parado de falar com eles: minha mãe, meu pai, meus irmãos. A minha irmã mais nova me disse que é benfeito tudo o que me acontece. Porque eu sou burra, covarde, fraca. Eu entendo. Entendo, sim.
 
Eu não tenho filhos. Não pude ter. Fiquei triste por muito tempo. Porque eu imaginava que se eu tivesse filhos ele não ia mais me bater. Mas depois eu andei lendo sobre uns casos parecidos com o meu e vi a sorte que eu dei. Eu e essas crianças que nunca nasceram. Só que, por causa disso, ele passou a me bater mais ainda. Batia e me xingava. Sua inútil! Sua vaca! Não presta nem pra me dar um filho! 
 
Foi nessa época que eu pensei em cair fora pela primeira vez. Sem filhos, ele não tinha como me ameaçar. Sem filhos, eu não me importava de não ter estudo nem emprego. E aí eu vim aqui e prestei queixa. Conversei com a psicóloga e ela me disse para eu parar de pensar no que tinha a perder, e começar a pensar em tudo o que eu tinha a ganhar. Foi uma conversa boa. Imaginei tanta coisa. Cheguei a procurar a minha mãe e perguntar se ela me aceitava de volta em casa. Imagina que ridículo! Mulher feita voltando para a casa da mamãe. Mas ela aceitou feliz. Os meus planos é que duraram pouco. Um dia depois ele foi trazido aqui, nesta delegacia, prestou depoimento e foi mandado de volta para casa. Em 2005, ainda não existia a Lei Maria da Penha. Foi aprovada só no ano seguinte. Tarde demais. Na noite em que ele foi liberado pela polícia, me fez uma ameaça. Que se eu viesse aqui de novo ele matava meus pais e meus irmãos. E logo em seguida me deu uma surra tão grande que me quebrou um dente. Esses nove anos foram um inferno.
 
Mas as coisas mudam. Por isso eu resolvi prestar queixa de novo. Dessa vez, sem volta. Meu pai morreu tem quatro anos. Mas ainda tinha a minha mãe para o desgraçado ameaçar. Agora, ela também morreu. Faz um mês e meio. Antes, eu dei um jeito de ir até o hospital e ficar um pouco com ela. Pedi perdão. Sabe o que ela me disse? Que eu precisava pedir perdão era a mim mesma. Aquilo doeu. E doeu mais ainda quando eu fiquei sabendo que ela deixou a casa para mim de herança. E que os meus irmãos abriram mão da parte deles por mim. Para que eu pudesse ter para onde ir se eu decidisse me separar. Aí eu pensei: é agora ou nunca; não tem mais pai nem mãe pra esse filho da puta ameaçar. Eu conversei com os meus irmãos. Contei tudo para eles. E eles me disseram para não me preocupar que eles se garantem. Acho que a única covarde sou eu mesma.
 
Hoje, quando eu estava saindo de casa, ele veio atrás de mim. Adivinhou o que eu ia fazer. E me ameaçou, revólver na mão. Eu continuei caminhando, sem me virar. Pensando que o tiro não podia me matar mais do que eu já estou morta. Mas não era para ser. Não, não era para eu terminar em silêncio. 
 
Cinthia Kriemler
 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

Um parlamento com mobilidade muito reduzida

por Jorge Soares, em 29.10.15

parlamentoportugal.jpg

 

Imagem do Facebook

 

O senhor da fotografia chama-se Jorge Falcato e foi eleito deputado pelo bloco de esquerda,  o que a imagem mostra é que o edifício onde mora o parlamento português, tal como o resto do país, não está preparado para ele ou para qualquer cidadão com dificuldades de mobilidade.

 

A lei que regula estas coisas existe há 18 anos e terá sido votada pelos deputados da altura dentro deste mesmo edifício, mas por incrível que pareça em São Bento nunca foi aplicada. E não adianta dizer que nunca tinha sido preciso porque nunca antes tinha havido deputados que se deslocassem em cadeira de rodas. Para além do plenário, no edifício acontecem muitas outras coisas e todos os anos entram e saem muitos milhares de pessoas e de certeza sempre houve e haverá pessoas com dificuldades de mobilidade.

 

O que acontece na assembleia da república é o que acontece um pouco por todo o país há uma lei que serve para fazer ver, porque não há quem a faça cumprir, é por isso que os passeios das cidades estão sempre ocupados com carros e mobiliário urbano, que os lugares de estacionamento para deficientes quando existem não são respeitados e por todo o país se  continua a construir e a fazer obras sem que se façam aplicar as normas.

 

É claro que não se alteram as acessibilidades  num edifício como o do parlamento de um dia para o outro e eu entendo que as soluções encontradas não sejam as melhores, mas porque é que passaram 18 anos sem que se tenha feito nada?

 

Jorge Soares

publicado às 21:25

comidaorganica.jpg

 

Imagem de aqui

 

O assunto está na ordem do dia, cada vez mais desconfiamos dos alimentos manufacturados e há gente a virar-se para o natural e orgânico, o biológico mais que um estilo de alimentação é uma forma de vida, mas será que os alimentos são assim tão diferentes?

 

Há quem jure a pés juntos que sim, e que consegue distinguir a diferença dos sabores e a qualidade do que vem dos supermercados ou directamente da horta biológica ... será? 

 

Na Holanda dois jovens jornalistas compraram alguma comida no McDonald's, fizeram algumas alterações na apresentação e deram-na a provar numa feira de alimentação, vejam o que aconteceu:

 

 

Engraçado não é? Parece que a sugestão é muito mais importante que o verdadeiro sabor dos alimentos...

 

Jorge Soares

publicado às 22:01

Tudo o que é bom, engorda, é caro ou faz mal

por Jorge Soares, em 26.10.15

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Imagem de aqui

 

Salsichas, bacon e enchidos são cancerígenos, diz a OMS

 

Este era o titulo da noticia no Público, mais abaixo estava mais explicado, não são só os enchidos e a carne processada, supeita-se são todas as carnes vermelhas.

 

Já sabíamos que tudo o que é bom, engorda, é caro ou faz mal, sendo que a maioria das coisas que gostamos mesmo está em pelo menos duas das três categorias... mas também não era preciso virem com este alarmismo todo, afinal isto nem é propriamente novidade nenhuma , há muito que se sabe que o fumo faz mal à  saúde e o fumeiro só existe porque há fumo.

 

A realidade é que absolutamente tudo o que comemos pode de uma ou outra forma fazer-nos mal, há uns tempos ouvi um nutricionista dizer que por exemplo os alimentos à base de soja que se consomem no ocidente são extremamente nocivos para a saúde porque excedem em muito a quantidade diária recomendada da proteína da soja e que esta em excesso é nociva.

 

O que diz o estudo é que quem come mais de 50 gramas diárias de carne processada  tem uma maior probabilidade de ter cancro, 50 gramas é meio chouriço por dia e mais ou menos a quantidade de fiambre que se consome cá em casa por semana... nós somos 5.

 

Eu percebo que se queira prevenir, mas a forma como a noticia foi dada pela comunicação social foi assim um bocado para o exagerado.

 

Vai ser divertido ver aquelas pessoas que fumam que nem chaminés, negarem-se a partir de agora a comer fumeiro, porque causa cancro, mas nem pensar em deixar de fumar... porque vamos morrer na mesma.

 

Jorge Soares

publicado às 21:54

Alguém falou de mau perder?

por Jorge Soares, em 25.10.15

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Imagem do Expresso

 

"Líder parlamentar do PSD lamenta que a “tradição” tenha sido quebrada esta sexta-feira de tarde com a eleição de um presidente da Assembleia da República que não pertence ao partido mais votado nas legislativas."

 

"Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS, entende que a eleição de Ferro Rodrigues como presidente da Assembleia da República é “um facto negativo”"

 

Passamos os últimos dias a falar de assaltos ao poder, de não se respeitar a vontade dos portugueses, de golpes de estado, de que quem tem que governar é quem tem mais votos.

 

Hoje em votação secreta Ferro Rodrigues foi eleito presidente da assembleia da república com 120 votos, Fernando Negrão teve 108 ...está visto que os deputados decidiram desde já seguir os conselhos do presidente da República e votar em consciência.

 

Parece que há uma regra qualquer não escrita que diz que elege o presidente da assembleia quem ganhou as eleições... sendo assim, para que se obriga os deputados a ir depositar o voto naquela urna de barro? Só para fazer ver? 

 

Há sempre uma primeira vez para tudo, até para a verdadeira democracia funcionar na eleição do presidente da assembleia da república... quer dizer, há quatro anos já se tinha vislumbrado... mas era só um  aviso.

 

Não sei, mas a mim hoje pareceu-me que há muita gente na assembleia da república com muito mau perder.... e deve haver algures para os lados de Belém um senhor a engolir um discurso.

 

Jorge Soares

publicado às 18:55

Conto - Tentação

por Jorge Soares, em 24.10.15

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Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

 

Na rua vazia as pedras vibravam de calor – a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

 

 

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.

 

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

 

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

 

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

 

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

 

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

 

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos – lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú.

 

Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

 

Mas ambos eram comprometidos.

 

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.

 

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.

 

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás

 

Conto extraído de LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

 

Retirado de Conti Outra

publicado às 21:13

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Imagem do Facebook 

 

Hoje Cavaco foi igual a si próprio, primeiro ele, depois o partido dele, depois os políticos ao lado dele e no fim, se ainda for preciso, o país.

 

Acho que para além de uma ténue esperança de que a lucidez pudesse aparecer por milagre, ninguém tinha duvidas que Passos Coelho e o PSD seriam indigitados para o governo, é este o presidente da República que elegemos, logo, é este o que temos.

 

De resto tudo foi como era esperado, até o discurso no que não poderia faltar o apelo à tradição, ninguém explicou ao senhor que até em política a tradição já não é o que era e que ao contrário do que ele tentou mostrar, não é a tradição que faz com que os governos se aguentem sem uma maioria de deputados.

 

De resto o discurso dele não esteve longe do que ouvi estes dias a alguns conhecidos quando finalmente quem votou no PSD deixou a vergonha e se começou a assumir.

 

Parece que agora a esperança radica em que alguns deputados eleitos pelo PS irão ir em contra da disciplina de voto e votando em consciência, resta saber na consciência de quem, irão votar em contra do PS e a favor do programa de governo.

 

Ao contrário do que Cavaco tentou explicar no seu discurso, a decisão dele não é a favor da estabilidade, é precisamente o contrário, com esta decisão o mais certo é o país passar os próximos meses sem orçamento e com um governo de gestão, gostava de perceber onde está a estabilidade no meio de tudo isto e o que irão achar os mercados e a união europeia.

 

Num país normal após o chumbo do programa de governo Passos Coelho apresentava a demissão e Cavaco chamava Costa a formar governo.... mas depois do que ouvimos hoje, o mais certo é Passos Coelho demitir-se e a seguir Cavaco chamar Paulo Portas ou quem sabe quem,  a formar governo, nunca António Costa, não vá ele trazer consigo aqueles senhores que comem criancinhas ao pequeno almoço.

 

Só gostava de perceber para que raio é que o Presidente da República ouviu os partidos e o que estes lhe disseram, afinal ele é que dita as regras...

 

Jorge Soares

publicado às 21:48

Caros vizinhos ... (só neste país!)

por Jorge Soares, em 21.10.15

carosvizinhos.jpg

 

Imagem do Facebook de Catarina Figueiredo

 

"Caros vizinhos dedicamos este texto a quem se sentiu incomodado com o choro da nossa filha ao ponto de chamar a polícia ..."

 

É assim que começa o texto de Catarina Figueiredo dedicado aos seus vizinhos que após horas a ouvir o choro nocturno de uma criança de dois meses decidiram chamar a polícia, sim, é isso mesmo, alguém chamou a polícia porque  uma bebé de dois meses estava a chorar durante a noite. E sim, a policia bateu à  porta destes pais a meio da noite, imagino que terão ido ver a bebé para certificar que estava tudo bem e que esta chorava simplesmente porque é um bebé e é isso que os bebés fazem quando estão incomodados.

 

O Bernardo é o filho agora quase adulto da Anabela, uma das minhas colegas, era o que se pode chamar um bebé chorão, até ao ponto que o pai que era militar ansiava pelos fins de semana em que tinha que ficar de serviço para poder ficar a dormir no quartel. Lembro-me de a Anabela contar que em muitas noites os vizinhos gritavam-lhe:

 

-"Calem-me esse miúdo"

 

E eram muitas as madrugadas que ela ou o marido passavam às voltas de carro para ver se o Bernardo adormecia e pelo menos um deles e os vizinhos tinham descanso.... mas nunca ninguém chamou a polícia, porque por maior que seja o incomodo, qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que com um bebé a chorar há pouco que se possa fazer.

 

Tal como diz o Nuno Markl, "o que esperam pessoas que chamam a polícia numa situação destas? Que prendam o bebé? Os pais? Que disparem dardos tranquilizantes contra o garoto? Ou uma multa choruda numa de "toma que é para aprenderes a não procriar outra vez"?

 

É claro que há sempre a hipótese de terem chamado a polícia porque achavam que a criança estava a ser maltratada... 

 

E pensar que há tanta gente que escuta  e até presencia violência familiar e por aquilo de "entre marido e mulher..." nunca chama a polícia...

 

Jorge Soares

publicado às 22:00

Shame on you Angola

por Jorge Soares, em 20.10.15

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Imagem do Facebook  de Sofia Zambujo

 

Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade,

mas sim a verdade.

A liberdade não é um fim, mas uma consequência.

Leon Tolstoi

 

José Eduardo dos Santos, que está no Poder desde 1979 e as únicas eleições a que se submeteu, foram a origem de uma guerra civil que deixou milhares de mortos... não se sabe quando vão ser as eleições.....

 

Escrevi a frase acima algures em 2009 num post sobre o Hugo Chaves, já choveu bastante em Angola e na Venezuela desde então, entretanto  "el comandante" foi-se e deixou no seu lugar um senhor que recebe os seus recados através do canto dos passarinhos e para a desgraça ser completa, o petróleo passou dos 100 para os 50 dólares por barril.

 

Na Venezuela o que mudou foi para pior, Angola terá mudado muito neste período de tempo, os dólares do petróleo converteram Luanda na cidade mais cara do mundo e alguns angolanos nos melhores clientes das lojas de luxo de Lisboa. Infelizmente todo esse dinheiro e aparente prosperidade não chegaram a quem mais precisa e ao mesmo tempo que cresciam os edifícios na cidade, crescia também a miséria, a insegurança e as desigualdades.

 

Era contra essa miséria e desigualdades que  erguiam as suas vozes Luaty Beirão e outros 14 jovens activistas  que foram detidos durante uma acção de formação de intervenção cívica e política, com base no livro “Da Ditadura à Democracia”, de Gene Sharp.

 

Luaty e os outros 14 jovens estão presos à quase quatro meses  acusados de um crime político, segundo o governo angolano, os jovens estariam a preparar uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, mesmo que isto fosse verdade, este é  crime que admite liberdade condicional até ao julgamento, liberdade que tem sido negada aos jovens.

 

Luaty está em greve de fome há 29 dias em protesto por não ter sido libertado após o prazo máximo de prisão preventiva.

 

Tal como a Venezuela, Angola é um país com enormes recursos naturais, tal como na Venezuela toda essa riqueza parece que se desvanece em fumo por entre as mãos dos seus dirigentes e pouco ou nada chega a quem verdadeiramente precisa, o seu povo.

 

Luaty e os outras 14 jovens são a voz desse povo, não deixemos que os políticos calem essas vozes.

 

Jorge Soares

 

publicado às 21:59

Conto - Fomes

por Jorge Soares, em 17.10.15

fomes.JPG

 
A fome não é exigente: basta contentá-la, 
como, não importa. 
(Sêneca)
 
No primeiro tombo, ralou os joelhos no assoalho duro. Ganhou consolo, colo, chupeta. Viu o piso inanimado de madeira ser chamado de bobo e feio pela mãe, e receber do pai tapas insanos. Não achou graça. E chorou aos gritos, nariz escorrendo, punhos tão cerrados que arrebentou a pulseira de ouro de chapinha na qual o nome dela estava gravado em letra bordada. Esperneou, corcoveou, puxou os próprios cabelos e os da mãe, que a sujigava nos braços para que ela não caísse. Então, o pirulito. Grande, multicolorido. Entregue pelo pai como um troféu melado. E não houve mais choro ou ranger de dentes. Que gracinha! Menina linda da mamãe! Amorzinho do papai! Que belezinha!
 
Passou a infância entre doces, sorvetes, choros e elogios. Chocolates pretos, brancos, crocantes, recheados. Recebidos em momentos de dor, de aflição, de insegurança, de carência. Na adolescência, descobriu os sanduíches de dois andares, os refrigerantes, os achocolatados misturados com granulados, as casquinhas de biscoito que enfeitavam os milk-shakes e que depois passaram a ser comidas sem os milk-shakes. E como a ansiedade não passava, e como os meninos já eram ridiculamente fiéis às formas esquálidas, e como as dela eram redondas e macias como as almofadas do sofá, deixou que toda aquela fome, constante e imensa, fosse aplacada por novos sabores. Incluiu na dieta um baseado por noite e cinco dias de álcool por semana. Vodca. Retirada sem aviso do estoque do pai. A Stolichnaya era tomada em copo de plástico branco. Em casa. No quarto. Caso alguém entrasse sem bater, não daria muita atenção a um copinho descartável. Na rua, fazia vaquinha com os amigos; compravam gelo.
 
Mas a fome não passou. Não passava nunca. Além do apetite causado pela larica e pela ressaca, havia mais. E ela queria esse mais. Da primeira vez que fez sexo, sentiu-se saciada, relaxada. O banco de trás do carro era apertado para o seu corpo gordo, mas aquele aperto todo tinha excitado o parceiro. Mais atrito, mais encaixe, mais penetração, ele explicou assim que a trepada terminou. Naquela noite, ela se esqueceu do baseado e do copo de vodca, que dormiu metade cheio embaixo da cama.
 
Viciou-se naquele alívio que a fez esquecer os doces, os refrigerantes, as pizzas, o álcool. E descobriu que o que lhe dava mais prazer no sexo era enfiar na boca o membro ainda mole e senti-lo crescer ao comando da sua língua nervosa. Em pouco tempo, ganhou fama de ser a melhor na prática do sexo oral. Ela diria pênis e boquete, mas ainda não estava pronta para essas palavras tão íntimas.
 
Namorados, amantes, ficantes. Ela escolhia. Marcava e desmarcava dia e hora. E decidia quanto tempo duravam. Desejava, implicava, atraía, rejeitava. Passou a trocar o almoço por transa. O jantar, os lanches de fim de semana. Trocou de idade várias vezes, virou mulher. Gostosa, safada, experiente, esperta. Magra na medida certa. Cheia nos lugares certos. Até que cismou que precisava entender aquela fome maior do que ela. Procurou psicólogo, padre, benzedeira, astrólogo. Comprou livros que falavam de obsessão, de compulsão, de possessão, de fugas, de vícios, de complexos, de negação, de distúrbios. Nada. 
 
Então, leu sobre o controle e sobre a dominação. E teve fome de algemas, chicotes, correntes. Fome de poder. Esse pirulito grande, multicolorido.
 

Cinthia Kriemler

Retirado de Samizdat

publicado às 21:31

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