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Conto - A primeira vez

por Jorge Soares, em 28.11.15

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Há tempos ele não se sentia tão bem. Saltou da cama feito um felino e se arrastou preguiçoso até a cozinha. A mãe cantarolava Alcione enquanto amanteigava torradas dormidas e vigiava o café sobre a única boca que ainda acendia.

 

Sentou-se à mesa meio acordado e esfregou a cara. Sorriu com seus novos dentes de domingo e perguntou se ainda havia Nescau.

 

Satisfeita do próprio talento em realizar pequenos desejos, a mulher retirou o achocolatado de um esconderijo sob a pia e misturou-o a leite em um copo grande e largo.

 

         ― Toma ― disse ela, deslizando a bebida sobre a mesa.

 

         ― Tu é a melhor, dona coisinha!

 

         ― Gosto de te ver assim, faceiro como quem acabou de chegar do circo ― alegrou-se beijando a testa do filho que nunca sorria, sempre sisudo e arredio, distante. Pensou em perguntar a razão do contentamento, mas preferiu preservar a intimidade do garoto.

 

         Enquanto comia, encarava o vazio como se admirasse o rosto de uma pessoa amada. Havia paixão em seu semblante, algo maravilhoso de se ver refletido no rosto de um filho, mesmo que a razão da euforia seja um mistério.

 

         Finalmente se tornaria homem. Todos os detalhes já estavam arranjados desde sábado à noite quando, sorrateiro, aproveitara a ausência dos pais ― que haviam ido a um baile no clube dos sargentos ― e invadira o quarto do casal.

 

         ― Isso aqui vai servir pra eu não fazer feio. Ela vai adorar ― comemorou, após revirar a gaveta do pai. Aquele domingo seria inesquecível, relembraria dele por muitos anos.

 

         Não queria parecer ridículo. A oportunidade faria cair por terra os dias de constrangimento. Imaginava como seria cada instante, a sensação mágica de alegria, o prazer elevado ao mesmo patamar que o experimentado pelos deuses. Vacilar não era uma opção, pois chance mais perfeita não aconteceria.

 

         ― Os pais dela viajaram e só voltam na segunda. Ela tá sozinha! Será demais! ― comemorou contente, lambendo o bigode de Nescau que havia se formado sobre o buço.

 

         Após o café da manhã, tomou um banho demorado. Cantou todas as músicas que conhecia e brincou de fazer penteados de espuma. Antes de desligar o chuveiro, foi ninja, agente secreto, mago, super-herói. Escovou os dentes e penteou irritado os cabelos sem jeito. Precisava estar apresentável, impecável. A ocasião solicitava esmero, preparação. Vestiu a melhor roupa que tinha e mirou seu reflexo como quem se despede da infância.

 

         ― Hoje, eu não sou estranho. Hoje, eu não sou feio. Hoje, eu sou o cara ― repetia o mantra enquanto, desengonçado, imitava poses de fisiculturistas. Antes de deixar o quarto fez uma rápida oração, recolheu da cama a mochila e ganhou a rua.

 

         Um repentino frenesi tomou conta de seu corpo: primeiro sentiu como se levitasse, depois as pernas pareceram-lhe tal qual chumbo. Dois quarteirões antes de chegar à casa da menina que lhe umedecia os sonhos, recostou-se a um poste e fumou pensativo. Quis desistir, mas a vontade de provar que não era nenhum pobre coitado fora mais forte. Com a ponta do tênis esmagou a guimba ainda em brasa e seguiu caminho.

 

         ― A partir de hoje minha vida será diferente. As garotas do colégio me respeitarão. Vou ser o cara. O cara! ― com esse pensamento afastou os receios e criou novo ânimo.

 

         A rua estava vazia. Apenas dois ou três carros estacionados rente às calçadas e alguns cães que perseguiam uma cadela no cio. Festejou contido. Seria melhor que ninguém o visse entrar na casa. Forçou o portão, que estava trancado, e resolveu pular o muro.

 

         ― Vou pegar ela de surpresa! Quero ver só a cara que vai fazer... ― riu para si mesmo, excitado, enquanto escalava o poste e saltava para dentro do jardim. Em pouco tempo chegou à sala. Na televisão, um comercial sobre um shake milagroso exibia mulheres extremamente magras distraídas à borda de uma piscina.

 

         ― Como você entrou aqui, seu retardado?! ― perguntou ela com surpresa e desprezo antes de receber um tiro certeiro no peito.

 

Emerson Braga

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

Pedro Arroja e a fábrica de pénis

por Jorge Soares, em 27.11.15

 

 - As mulheres não sabem fazer pénis, e muito menos os homens. Estes são desajeitados! Obviamente que haverá uma espécie de fábrica que os fará e essa fábrica é ... Deus.

 

- Se existisse uma sociedade só de homens esta acabava em violência e em seitas. Numa sociedade só de mulheres não aconteceria nada, porque elas não fazem nada e passam o tempo a falar.

 

- É o homem que indica o caminho às mulheres. Em geral uma mulher não define caminho nenhum. Não consegue. Quanto muito organiza o homem e acalma-o!!

 

Está à  vista que no caso dele o controlo de qualidade da fábrica de deus falhou, esqueceram-se de uma parte importante do cérebro e depois deu nisto.... De certeza que a mãe do senhor, mesmo tendo nascido noutra época, teria um enorme orgulho num filho que vem para a televisão dizer que as mulheres só conseguem  ser alguém se forem guiadas por um homem...

 

O mais estranho é que toda esta conversa sem sentido nenhum era para  introduzir o tema da adopção por casais homossexuais.

 

Segundo o senhor há muitos casais heterossexuais dispostos a adoptar e por isso nada disto era necessário, alguém devia explicar a Pedro Arroja que também há perto de 500 crianças que estão há anos para ser adoptadas e se calhar porque há muita gente que pensa como ele, não há quem as adopte.

 

Definitivamente este senhor vive noutra era, alguém lhe devia  explicar que vivemos no século XXI, há muito que as mulheres votam, vão à universidade, conduzem, vivem as suas vidas por elas e conseguem traçar os seus caminhos e os seus destinos sem precisar de iluminados como ele, aliás, em alguns casos como o dele, só o conseguem fazer se não se cruzarem com eles, porque são definitivamente um atraso de vida.

 

Não sei como se chama  a senhora conduz o programa no Porto Canal, mas há duas coisas que me admiram imenso: Primeiro, como é que com aquele pensamento da era das cavernas ele aceita ser questionado por uma mulher. Segundo, como é que ela consegue ouvir aquilo tudo sem desatar às gargalhadas e sem o por no devido lugar?

 

Vejam o vídeo, são 9 minutos de humor... ou será de terror?

 

 

Jorge Soares

publicado às 22:05

A cega e o cigano... o jornalismo de sarjeta.

por Jorge Soares, em 26.11.15

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A imagem veio via Facebook, mas a noticia também está online, aqui

 

Cabe dizer que a "cega" chama-se Ana Sofia Antunes e vai ser nomeada Secretaria de Estado para a Inclusão de Pessoas com Deficiência, para além de jurista é presidente da Associação dos Cegos e Amblíopes (ACAPO), o "cigano" é Carlos Miguel, que vai ser Secretário de Estado para as Autarquias Locais

 

Não percebo porquê mas deixaram de fora do mais que deplorável titulo da notícia, a nova ministra da justiça Francisca Van Dunem, que como já todos sabemos, para além Procuradora do estado, é negra.

 

É dificil perceber que alguém escreva uma noticia com um título como este, mesmo para o Correio da manhã isto é ir baixo demais no indice de lixo jornalistico... Mas não é de estranhar, não é dificil ler nos comentários online dos jornais portugueses quem se refira ao novo primeiro ministro como o "monhé" .... depois há quem diga que os portugueses não são xenófobos e discriminatórios, se não o fossem este jornal não existia porque não havia quem o comprasse.

 

Todos devemos congratular-nos pela chamada a governar destas pessoas, que para além da sua competência para os lugares para os que foram nomeados, de certeza que vão levar ao governo a sua especial sensibilidade em áreas em que como está à vista até na forma como o assunto foi tratado na maioria da comunicação social, esta sensibilidade é mais que necessária, a sociedade portuguesa está longe de ser inclusiva.

 

Deixo aqui as palavras do deputado do Bloco de esquerda Jorge Falcato com as que não podia estar mais de acordo:

Para todos aqueles e aquelas que dizem que não é importante ter uma secretária de estado cega e que isso não devia ser notícia, porque numa sociedade inclusiva somos todos iguais, lembro uma coisa: ESTA SOCIEDADE NÃO É INCLUSIVA.
Só quem não sente na pele a discriminação pode dizer semelhante alarvidade.

 

Jorge Soares

publicado às 13:12

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Imagem do Facebook

 

Bom dia eu sou vitima de violência domestica e eu acho que a luta deveria ser contra o sistema judicial pois já que se trata de um crime publico a justiça e lenta na minha situação apresentei a primeira queixa em Julho já depois disso já me tentaram matar 2 vezes ele esta com uma medida de coação hilariante e esta a violar as medidas de coação já participei rodas estas situações e a justiça ainda não fez nada que me proteja e uma vergonha tenho vergonha de ser portuguesa tenho 4 filhos menores e só quando me matarem e que se vão ou não lembrar de fazer alguma coisa obrigada por me deixarem dar este grito de revolta não só por mim mas também por centenas de mulheres que não se sentem protegidas pela justiça e acabam mortas forca mulheres eu estou com vocês não desistam da vossa dignidade.

 

Marques Marlene

25-11-2013

 

 

comigo acontece o mesmo . em Fevereiro não morri ás mãos do meu marido graças a rápida intervenção da GNR, foi afastado de casa pelo tribunal, proibido de se aproximar de mim, de frequentar locais onde eu estiver pondo fim a 30 anos de violência. Mas aí a violência continua em forma de medo,de insegurança, é viver com medo de tudo o que mexe, medo da própria sombra. ele não cumpre as medidas que lhe foram impostas pelo tribunal e ninguém faz nada. o tribunal diz que as medidas são suficientes ( SE CUMPRIDAS ) mas ele não cumpre, antes pelo contrário, mesmo estando já divorciados, vivendo numa pequena vila, ele segue todos os meus passos ,e eu nada posso fazer . Na teoria é tudo bonito, pedem para denunciar, dizem para não ter medo, prometem ajuda, mas; na pratica; deixam-nos a mercê da sorte, do medo, da angustia,de andar na rua sempre a olhar para todo o lado. É terrível a sensação de insegurança em que vivo, eu e quem passa pelo mesmo, porque quem exerce violência não conhece nem respeita regras, venham de onde vier. É triste mas é realidade, temos que primeiro morrer, para depois alguém tomar medidas sérias.

 

Fé Carvalho.

25-11-2013

 

Escolhi estes dois textos, podia ter escolhido outros, infelizmente há muitas mais por aí, historias em primeira pessoa do que é o dia a dia de muita gente, são testemunhos do dia a dia de mulheres portuguesas que são vitimas de quem as deveria proteger, vitimas em primeiro lugar de quem lhes é próximo e muitas vezes vitimas da indiferença de quem está à sua volta, da família, dos vizinhos, da comunidade, das forças policiais, da justiça.

 

Segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, no que vai de ano registaram-se  27 homicídios consumados e mais de 30 tentados. Quase três mulheres assassinadas por mês, e isto é de certeza só a ponta do iceberg, muitas situações de violência doméstica não são nunca denunciadas.

 

Hoje é o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, Já disse aqui várias vezes que sou contra os dias, não faz sentido nenhum escolhermos um dia para nos lembrarmos de algo que depois esquecemos o resto do ano, se isso faz sentido para o resto dos dias, faz muito mais sentido para um dia como este.., porque as mulheres, todas as vitimas de violência, sofrem os abusos todos os dias e devem ser lembradas e protegidas todos os dias... 

 

Desde 25 de Novembro do ano passado, quando também aqui falei do assunto, morreu quase uma mulher por semana e muitas outras dezenas foram humilhadas, violentadas, maltratadas, vitimas da violência e muitas vezes da indiferença de todos nós... a eliminação da violência, de todos os tipos de violência, deve ser um objectivo de cada um de nós para todos os dias, até que não haja no mundo mais nenhuma Marlene e mais nenhuma Fé a ter que lutar pela sua vida ante a indiferença de quem a devia proteger.

 

Jorge Soares

publicado às 21:31

Agora vamos empatar mais um bocadinho

por Jorge Soares, em 23.11.15

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Imagem de aqui

 

Antes das eleições o senhor já tinha tudo previsto e até já sabia perfeitamente o que ia fazer a seguir, lembram-se? Até achamos que o homem tinha ido à bruxa?. Pelos vistos a bruxa não era lá grande espingarda, porque passados quase dois meses o país ainda está à espera de saber quem vai governar a seguir.... 

 

Como a bruxa falhou completamente as previsões, e uma boa parte dos portugueses votamos ao lado do que seria desejável para o senhor e os seus interesses, ele decidiu ouvir meio país, mas mesmo assim não está contente e vai de aí resolveu fazer mais umas perguntas a António Costa.

 

Está visto que andamos numa de empatar, entretanto Passos Coelho vai fingindo que governa, os mercados sorriem e a Europa desespera porque quer lá o orçamento para poder dizer da sua justiça.

 

Podemos levar isto na brincadeira, mas a mim parece-me uma falta de respeito para com o país e os portugueses, Cavaco Silva pode estar amuado com o resultado das eleições e com o facto de não poder fazer a vontade ao PSD e manter Passos Coelho e Portas no governo, mas o presidente da república está lá para cumprir o seu papel, não para brincar aos governos e ao poder.

 

Se calhar dava mais jeito poder dissolver a assembleia e marcar eleições, pelos vistos há  quem ache que a seguir o PSD ganhava de caras, se calhar tinham uma surpresa, nunca vamos mesmo ter a certeza, a verdade é que não dá, e há uma maioria que mostrou condições para governar, o senhor tem é que aceitar e respeitar a vontade da assembleia da república.

 

Hoje decidiu fazer mais perguntas a quem mostrou condições para governar, só gostava de lhe poder perguntar porque é que não as fez a quem, como se viu, não as tinha?

 

Pode-se dar posse a um governo do PSD sem maioria no parlamento, mas tem que se fazer perguntas a um do PS que apresentou provas de que as tem... está visto que temos um senhor muito democrático....mesmo

 

Jorge Soares

publicado às 21:33

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A orientação sexual não pode ser critério para a exclusão e para vedar direitos.

Não existe nenhuma razão válida que justifique que os casais

do mesmo sexo continuem a ser proibidos de adotar.

Deputada Sandra Cunha

 

Foram precisas 5 votações e esperar que existisse uma maioria de esquerda no parlamento, para tornar legal algo que desde 1975 está escrito na constituição, "Todos os cidadãos tem a mesma dignidade social e são iguais perante a  lei", como diz a Sandra e muito bem, ninguém pode ser excluído ou discriminado devido à sua orientação ou gostos sexuais.

 

As leis hoje aprovadas não só são da mais elementar justiça, como tornam legal algo que todos sabemos que há anos é um facto, há em Portugal muitos casais homossexuais com filhos adoptados. Até agora tinham que o fazer de forma individual, muitas vezes escondendo a sua condição de homossexuais e em condições  em que não eram garantidos aos pais e às crianças todos os direitos garantidos ao resto dos casais e crianças portuguesas.

 

A partir de agora, não só não tem que esconder a sua condição de casal para poderem adoptar, como com a aprovação da lei da co-adopção, ambos os membros do casal poderão ter os mesmos direitos sobre os seus filhos.

 

Quase tão importante como as várias propostas que foram hoje aprovadas na assembleia da república é o facto de hoje ter ficado claro o que significa a existência de uma maioria de esquerda, na sua grande maioria as propostas agora aprovadas tinham sido chumbadas pela antiga maioria, ou no caso da lei do aborto, aprovadas em contra dos direitos dos portugueses. Hoje essas estas propostas foram aprovadas porque há no parlamento, pelo menos por uma maioria dos deputados, uma real vontade de fazer diferente do que tinha sido feito na última legislatura.

 

Havia muita gente com esperança de que alguns deputados do PS fossem contra a disciplina de voto do partido, parece-me que ficou claro que isso não vai acontecer, senhores do PSD e  CDS, querem mesmo formar um governo contra este parlamento?

 

Vídeo do discurso da Deputada do Bloco de esquerda Sandra Cunha em defesa de quem adopta e das crianças institucionalizadas.

 

 

Jorge Soares

publicado às 22:41

Conto - Bonecas

por Jorge Soares, em 21.11.15

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Sentada na beira da cama, inexpressiva, ela deixa que ele a vista com o vestido azul brilhante.  O batom vermelho e os cabelos arrumados como os de uma boneca importada são detalhes que ele ajeita com meticulosidade assustadora. Com as mãos trêmulas, ele prossegue, tirando do bolso da camisa um par de brincos pingentes. São caros e já foram usados. Ela não é a primeira. Longe disso. É de meninas como ela que ele sobrevive faz tempo. Muito tempo. Meninas compradas por algum dinheiro, meninas que ninguém quer. Ele quer. Com a obscenidade dos monstros. 
 
Não sente culpa. São elas as culpadas. Os demônios que o fazem desejar e obter. São elas, e seus olhos ainda sem história, e seus corpos ainda sem forma, que o atraem para o pecado. Por isso ele as odeia. Criaturas malignas. Feitas para lançar no inferno homens como ele, que não resistem à pureza. 
 
É um vício caro. Porque ele não repete nenhuma delas. Uma vez tocadas, não servem mais. Mas de onde vem uma, vêm todas. Histórias e histórias que se repetem nas ruas e nas periferias miseráveis. Todos os dias. Meninas oferecidas por pais e parentes em troca de pouco dinheiro. Ou espalhadas por avenidas e portas de cinemas, de teatros, de igrejas, em bandos barulhentos. Ninguém sabe delas. Ninguém quer saber. Ele quer. 
 
Geralmente, o cafetão as entrega num quarto de motel. Mas acontece de ele mesmo ir buscá-las, quando os instintos se descontrolam em urgência. As roupas, no entanto, ele faz questão de escolher. Cada vestido, cada sapato, cada colar ou brinco. Os batons e a maquilagem dos olhos são baratos. Comprados sempre em lojas diferentes, mas com a mesma desculpa: presentes para a esposa. Como se a dele usasse batom barato, maquilagem barata. Como se a dele não fosse tratada a coisas caras. Como se a dele se prestasse às imundícies que ele comete nos motéis. A cadela de luxo que não quer lhe dar filhos. Ela jura que não pode, mas ele sabe que é mentira. Logo ele não é pai. Ele que quer tanto as suas próprias crianças para ninar e pôr para dormir. Para serem só suas.
 
Faltam apenas as sandálias. Mas ela continua sentada na beira da cama. Esperando. Indefesa como todos os impotentes. Pensando que nas ruas estaria dormindo no chão duro, sem ter o que comer. Que estaria fugindo do cafetão que bate em todas as meninas como ela. Que estaria com frio. Apenas por isso, e por tudo isso, ela acredita que tem sorte de ter sido escolhida. E olha a boneca bonita e sorridente que ele lhe deu. A boneca que é mais cara do que ela. Mais limpa. Mais feliz. 
 
Ele a toca. E ela pensa que talvez seja melhor dormir na rua, com fome, sobre o chão duro forrado com pedaços de papelão das caixas de supermercado, agarrando-se às outras meninas para não sentir frio. Mas também pensa em tudo o que mais quer: a boneca. Tão bonita, tão limpa, tão feliz. 
 
Então, ela se lembra do pequeno presente que as meninas mais velhas lhe deram. Confere, cuidadosamente, sob a língua desacostumada, o aço da gilete. Ele se ajoelha para lhe calçar as sandálias douradas, de salto alto. Assim, os dois na mesma altura, ele lhe parece apenas o que é: um bicho pronto a dar o bote. Um bicho que agora esguicha sangue no vestido azul.
 
Lentamente, ela começa a tirar aquela roupa suja, mas sempre olhando para ele. Para as mãos que pararam de tocá-la e que agora tentam estancar o sangue que jorra do pescoço. Para os olhos que se desesperam, esbugalhados. Para o corpo que se contorce grotescamente. E os sons da besta em agonia estranhamente a alegram.
 
Ela não chora. Não pode. A boneca bonita, toda suja de sangue, precisa dela. Coitadinha. 
 
Cinthia Kriemler
 
Retirado de Samizdat

 

 

publicado às 21:13

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Imagem de aqui

 

Não me lembro quando nos foi prometido que poderia haver uma devolução do IRS, mas lembro-me perfeitamente de nesse dia ter perguntado aos meus colegas se alguém queria apostar, eu apostava em que a seguir às eleições teríamos sorte se em lugar dos 3,5%  a sobretaxa não passasse  para 4 ou 5, mas que a devolução seria na melhor das hipóteses, 0!

 

Ninguém aceitou a aposta, vá lá a gente perceber por quê!

 

Algures em Julho calculava-se que poderiam devolver 19%, em Agosto eram 25 e em Setembro 35 %, parece que a coisa estava a correr bem na cobrança de impostos.... não percebo porquê mas a seguir às eleições, ou a malta deixou de pagar ou o estado deixou de saber cobrar impostos, os dados actuais apontam para as minhas previsões, 0% de devolução.

 

Como são previsíveis os políticos portugueses... e a julgar pelos resultados eleitorais, como é fácil enganar o zé povinho, ou alguém acredita mesmo que a cobrança de impostos varia assim de um mês  para o outro?

 

Jorge Soares

 

PS:Senhor presidente da República, falta muito para termos um governo sério?

publicado às 23:54

Porque morreram mais de cem pessoas em Paris?

por Jorge Soares, em 16.11.15

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Era inevitável, mal começaram as noticias sobre os atentados em Paris apareceram os comentários nas redes sociais sobre os refugiados e a Europa, quando o mais lógico é pensarmos que é precisamente de pessoas como estas que fogem os refugiados, não falta quem aproveite qualquer ocasião para mostrar o seu racismo e xenofobia.

 

Numa resposta ao um comentário no post de sexta (aqui), eu dizia que devíamos esperar dois ou três dias pelas investigações, mas que era capaz de apostar que os culpados seriam franceses. Só foi preciso esperar um dia, o primeiro terrorista identificado era francês, tal como o eram outros e os cúmplices já identificados e detidos. Hoje até ficamos a saber que um dos terroristas não só é francês, como tem mãe portuguesa.... Bem me parecia que essa gente não era de fiar!

 

Por mais irónico que possa parecer, no Sábado na SIC noticias uma senhora portuguesa imigrante em França, criticava a França por  permitir a imigração... irónico mesmo seria que ela até conhecesse a mãe do terrorista luso-descendente.

 

Mas afinal porque morreram mais de cem pessoas em Paris?

 

Porque o ocidente está à muito tempo a ver o que se passa no médio oriente e a olhar para o lado. Na Síria há uma guerra civil onde morrem diariamente centenas de pessoas, há limpezas étnicas, perseguições religiosas,...  mas para a Europa e os europeus isso só passou a ser um problema quando os refugiados começaram a deixar os países limítrofes da Síria e começaram a chegar aos milhares às nossas fronteiras.

 

Há muita gente, a começar por alguns políticos franceses e de outros países europeus, que acham que a solução é fechar as fronteiras, virar as costas ao mundo e deixar a Europa para os Europeus, em que é que isso iria resolver o problema quando os terroristas que atacam em Paris são nascidos, criados e educados em França ? 

 

Foi na sexta que ficamos a saber que foi morto o principal assassino de reféns do estado islâmico, nascido, criado e educado na Inglaterra. Na Síria e no Iraque há dezenas de combatentes Portugueses, Espanhóis, italianos, o que prova que ao contrário do que muita gente acha, os terroristas não vem com os refugiados, vão da Europa para lá.....

 

A verdade é que o problema está em nós,na forma como estamos a criar e a educar os nossos filhos, é antes de mais um problema cultural e de educação, para além de combater os terroristas no médio Oriente, é necessário dar educação e oportunidades aos nossos filhos, sem isso atentados como estes irão acontecer muitas mais vezes.

 

Jorge Soares

publicado às 22:54

Conto - Sem retorno

por Jorge Soares, em 14.11.15

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Como em todas as noites, de todos os dias que me conheço como gente, aquela situação se repete. Já perdi tempo demais pensando que, pelo simples fato de ter nascido e não ser desejada, aquele era um castigo justo pelos danos que causei e viria a causar por ter me intrometido naquela família. Tentei, por inúmeras vezes, mudar meu comportamento a fim de agradar aquelas pessoas que me puseram no mundo. Me humilhei, me arrastei aos seus pés enquanto esperava aprovação, ou ao menos um pequeno gesto de carinho; sem sucesso.
 
Para o meu bem, e para a raiva deles, eu cresci e comecei a conhecer a vida. O ser autômato, que se subordinava mecanicamente às vontades dos seus senhores, também desenvolveu pensamentos próprios, e eles não eram mais o centro do meu universo. Apenas uma parte pequena e obscura, mas, ainda assim, um grande sofrimento. Eles tentaram, de todos os modos, me tolher de tudo que a vida me oferecia – de bom ou ruim, não importava. Passei a entender que, para eles, eu era uma boneca, manipulável. Mas acho que nunca irei compreender o porque de tal comportamento, os motivos que os levaram a me tratar daquele jeito.
 
 
 
 
Rodrigo Zafra Toffolo


Conto integrante do e-book Um dia na vida. Baixe-o gratuitamente clicando aqui.

Foto: The Road Goes On Forever, de Bob Jagendorf. Original aqui.
 
Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

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