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Quem não gosta de um bom piropo?

por Jorge Soares, em 28.12.15

Piropo

Imagem de aqui

 

Vai haver quem me vá matar pelo que vou dizer, mas a sério que com a situação actual do país, com tantas coisas para se discutir e debater, há mesmo quem faça uma lei para os piropos? ...  não, mas parece que a maioria da comunicação social acha que sim. Por proposta do PSD foi alterada redacção do artigo 170 do Código Penal.. na verdade não fala do piropo em lado nenhum, mas nem os jornalistas nem quem escreve nas redes sociais se deu ao trabalho de ler o artigo em questão.

 

Tentar proibir os piropos deve ser algo assim como tentar proibir as anedotas sobre alentejanos, ou os cartoons políticos... deve estar ao mesmo nível daquela ideia de legislar a utilização do isqueiro.

 

De resto, como é que alguém consegue decidir onde acaba o elogio e começa o piropo insultuoso? Dizer a alguém, "estás muito bonita com essa roupa" será um elogio ou um piropo? Dizer a alguém "os teus olhos são muito bonitos" será simplesmente um elogio, uma forma de flirtear ou um piropo? Há coisas que ditas num determinado contexto podem ser um elogio e noutro uma provocação, como é que se mede tal coisa?

 

Lembro-me que há muito tempo atrás, nos primórdios da internet, numa mailing list em que participei, o piropo foi assunto de discussão, foram escritas muitas páginas de  texto e discutiram-se muitas formas de olhar para o assunto, mas no fim todos estávamos de acordo que um bom piropo, dito na altura certa e com a graça certa, nunca estava de mais...e não havia mulher que não gostasse de os ouvir.

 

Também é verdade que que os participantes eram principalmente estudantes e profissionais venezuelanos espalhados pelo mundo, a maioria era de esquerda e sem muitos complexos... mas não há duvida que olhavam para o mundo de outra forma.

 

De resto, a Venezuela é um país com uma população muito jovem e onde a beleza e forma de estar femininas  se destacam, culturalmente cultiva-se um certo cavalheirismo que por cá há muito já não se usa... por lá  o piropo é uma espécie de arte, senão vejamos estes exemplos que encontrei na net:

 

Del cielo bajo un pintor para pintar tu figura pero no encontro color para tanta hermosura 

me gustaria que fueras la rosa que decora mi jardin

Eres la carne mechada que rellena la arepa de mi corazón.
Pareces un queso de dieta, estas ricota!
¡Tanta curva y yo sin frenos!
¿Tu mamá es pastelera? Porque hizo tremendo bombón.
¿Crees en el amor a primera vista o tengo que pasar otra vez?
Dios debe estar distraído porque los ángeles se están cayendo.
¿De qué juguetería te escapaste muñeca?
Si la belleza fuera castigo, tú tendrías cadena perpetua.
Cómo me gustaría ser audífono para decirte cosas al oído.
Eres como el guayoyo: dulce y me aceleras!

NO eres la virgen maria pero estas llena de gracia -

*Si la belleza fuera pecado , tu no tendrias perdón de Dios.

*Si tu cuerpo fuera carcel y tus brazos las cadenas Dime a quien tengo que matar pa tirarme esa condena"

 

Podia tentar traduzir, mas em português não tinham metade da piada.

 

Jorge Soares

publicado às 21:07

Se Jesus nascesse hoje!

por Jorge Soares, em 23.12.15

natalderefugiados.jpg

 

 

Imagem de aqui

 

Mudam-se os tempos, como seria o mundo se Maria e José tivessem sido barrados a meio caminho de Belém por algum muro ou barreira  de arame farpado?

 

Bom natal para todos os que por aqui passam e que 2016 seja um ano com menos gente a precisar de fugir de sua casa e do seu país, com menos barreiras, menos muros e muito mais bom senso e mentes abertas ao mundo.

 

Jorge Soares

 

publicado às 15:03

Conto - Em memória

por Jorge Soares, em 19.12.15

Inundação-Foto-Sidnei-Costa.jpg

 

 

Três metros e quarenta centímetros foi o que tu mediste. Palmo a palmo, que tu sabias que eram vinte centímetros certinhos, desde o início do pulso até ao finalzinho do teu dedo médio. Tinhas medido no Natal passado, num brincar com os teus sobrinhos.

 

Trezentos e quarenta centímetros sem luz e sem mais espaço transversal do que o ocupado pelo teu corpo e, ainda assim, tu arrastando-te. Lenta, esforçada, a tentar desenterrar-te, sair dali, perceber o que teria acontecido.

 

O sedoso do teu vestido deslizando-te o corpo ensopado.

 

Que tentasses sair daquele odor a humidade; que te livrasses da terra enlameada a empapar-te o cabelo e o ventre, e sob os pés onde as sandálias deixariam um sulco.

 

Tu deslizando, a cada vez, muito menos do que os vinte centímetros do teu palmo, e ao fundo nem foi luz que visses. Ao fundo, foi o teu braço dependurado sobre um ruido intenso de água em tumulto.

 

Água escarlate que àquela hora todo o mundo via e se espantava e lamentava, cada um no conforto da sua casa, sua rua, sua cidade, sua aldeia; ou a dançar num arraial semelhante àquele para onde te dirigias.

 

Água da cor da terra. Um castanho avermelhado tão da cor do sangue que doía ver assim esmagada a terra e a vida de tantos homens. O horror a entrar pelas casas de todos e lá, abandonado, o teu braço palpando um apoio, o teu braço dependurado de dentro da conduta que te abrigara, solta sabe-se lá de onde, num daqueles acasos perversos que se dão nos destinos das pessoas.

 

Água que tu nunca irias saber de onde e nem como.

 

Tu a tentar rolar-te sobre o ventre, rodar o teu corpo apenas coberto com o vestido branco estampado com ramos verdes; o vestido que tinhas escolhido para ires ao arraial. E tanto que tinhas querido que fosse bem escolhido. O vestido e o lenço que ataste sobre os caracóis, e a pulseira que entretanto perdeste – deixaste de lhe sentir o toque, ias ainda na estrada estreita que vinha lá da encosta, tu conduzindo em segunda que a descida era um nadinha íngreme. Era mesmo muito inclinado esse troço da estrada. E cruzou-se contigo um carro. Ia ao volante um homem jovem, reparaste. E foi logo de seguida. Tão de seguida que tudo se deu.

 

Tinha estado uma tarde límpida, e assim aquela chuva era coisa estranha.

 

E o carro rolando, primeiro em linha recta, e depois aos tombos, e tu jogada sobre o assento a segurar-te, a tentar manter-te fixa, a espantares-te daquela água toda até ser o embate.

 

Nunca irás saber como e nem de onde.

 

Tu a tentar sair do túnel ou o que é que te rodeia e comprime como se fosse tumba. Tu rastejando três metros e quarenta centímetros e a tua mão a tatear apenas espaço vazio.

 

Um dia sairei daqui, dizes-te assim, e não choras, que a ti ensinaram-te que os deuses são justos. Justos e misericordiosos.

 

Eles hão-de salvar-te.

 

Mantém vigília, não soçobres, aconselhas-te, que tu ainda agora não percebes se foi grande chuva, ou se foste tu que fizeste, como fazias tantas vezes, e passaste o paredão a encurtar caminho. Mas não. Hoje, tu tinhas ido pela estrada. Hoje, não foras pelo dique. Não, não tinhas caído lá de cima. Foi outro o modo de ter ficado assim tanta água. E a sorte de estares agora em terra firme, se bem que nem saibas onde e nem te possas sequer voltar sobre a barriga a tentar ver que final é esse que apenas o teu braço detecta.

 

E paras, não te mexes.

 

Se soubesses rezavas, mas tu desaprendeste. Ainda assim, tentas, nem que seja para te manteres desperta: deuses do firmamento acudi-me, suplicas, e o calor da lágrima que se solta, à revelia, aconchega o teu corpo, ali, naquele final dos trezentos e quarenta centimetros bem medidos.

 

Maria de Fátima Santos

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

Para que servem os rankings de escolas?

por Jorge Soares, em 15.12.15

aprovar.jpg

 

A noticia do fim de semana  foi a saída dos rankings das escolas, ranking que como é costume e normal, é dominado pelos mais finos e mais caros colégios de Lisboa e Porto, sendo que é necessário descer até ao lugar 23 para encontrar a primeira escola pública.

 

Tenho 3 filhos, já todos andaram na escola pública e na privada, apesar de algumas coisas que já aqui fui contando, ver a tag educação, tenho a melhor das impressões da escola pública  e uma não tão boa opinião de alguns colégios que fui conhecendo.

 

Dito isto, em primeiro lugar não percebo para que servem os rankings, não sei qual o seu objectivo nem qual a finalidade para que foram criados.

 

Não percebo como pode existir um ranking que junta na mesma lista colégios privados das zonas finas das grandes cidades em que os alunos chegam de chofer,  com escolas publicas que ficam em concelhos rurais onde por vezes os alunos para estarem a horas nas aulas saem de casa antes do sol nascer e chegam depois do sol posto

 

Como é que se pode ter no mesmo ranking e avaliar da mesma forma, os alunos dos melhores e mais caros colégios do país com escolas inseridas em bairros sociais?

 

Não é segredo nenhum que para chegar ao topo dos rankings os colégios escolhem a dedo os seus alunos, há colégios onde se fazem exames de admissão  e outros onde quem não tem o aproveitamento e a atitude "certas" é  de uma forma ou outra "convidado" a mudar de ares. 

 

Os exames nacionais tornaram-se  num excelente negocio para as editoras, os colégios, os ATL's , centros de explicações e  milhares de explicadores. Em nome dos rankings todo o mundo lucra... bom, todos menos os alunos e os pais. Os primeiros porque em ano de exame nacional deixam de ter vida para terem treino intensivo para o exame, em ano de exame é certo e sabido que o tempo livre passa a ser para explicações e preparação  para o mesmo... tudo isto evidentemente pago à parte, mesmo que seja dentro do colégio e no fim contribua para o ranking e correspondente boa publicidade de quem fica no topo da lista,

 

Tudo somado os rankings não passam de uma enorme mentira que avaliam não os verdadeiros conhecimentos mas a capacidade de ensinar a resolver exames e comparam realidades que dificilmente são comparáveis. A verdade é que apesar de estarem inseridos no mesmo sistema de educação, as escolas, os alunos e os pais não tem acesso às mesmas ferramentas portanto dificilmente podem ter os mesmos resultados.

 

Jorge Soares

publicado às 23:16

E quando o racismo nos calha a nós?

por Jorge Soares, em 14.12.15

morteaosportugueses.jpg

 

Imagem da RR

 

A sede do Clube Português de Brie-Comte-Robert, a sudeste de Paris, foi vandalizada. Foram escritas na fachada do edifício frases como "morte aos portugueses"

 

Há uns dias, numa resposta a um comentário num dos posts sobre os refugiados, eu perguntava o que sentiríamos se num dos muitos países para onde vão os nossos emigrantes, alguém os tratasse como alguns portugueses querem tratar os refugiados da Síria e do médio oriente... bom, não foi preciso esperar muito, a fotografia é da semana passada e acho que não precisa de tradução ou explicação.

 

É verdade que por cá ainda não se foi tão longe, mas isso é só porque como era de esperar, os refugiados não querem vir para Portugal e dos cinco mil que eram esperados, nem uma centena cá chegou. Mas não tenho dúvidas que há por aí muita gente que os trataria da mesma forma que alguns (espera-se que poucos) franceses querem tratar os portugueses.

 

A seguir aos atentados de Paris eu ouvi num dos canais de televisão uma senhora portuguesa imigrante em França há pouco tempo, que dizia que o país nunca deveria ter permitido a entrada de imigrantes, pelos vistos ela ou não se considerava imigrante ou se achava melhor pessoa que quem chegou a França vindo do Magrebe e do médio oriente e que, tal como ela, chegaram ao país à procura de uma vida melhor.

 

Alguém devia ir tentar encontrar essa senhora e perguntar-lhe se ela gostou de ser tratada desta forma e se agora percebe o que sentem os refugiados quando lhes queremos fechar as portas da Europa.

 

Jorge Soares

publicado às 21:25

Conto - O menino no sapatinho

por Jorge Soares, em 12.12.15

o menino no sapatinho, Mia Couto3.jpg

 

Imagem de aqui 

 

Era uma vez o menino pequenito, tão minimozito que todos seus dedos eram mindinhos. Dito assim, "fino modo", ele quando nasceu nem foi dado à luz mas a uma simples fresta de claridade.De tão miserenta, a mãe se alegrou com o destamanho do rebento - assim pediria apenas os menores alimentos. A mulher, em si, deu graças: que é bom a criança nascer assim desprovida de peso que é para não chamar os maus espíritos. E suspirava, enquanto contemplava a diminuta criatura. Olhar de mãe, quem mais pode apagar as feiuras e defeitos nos viventes? Ao menino nem se lhe ouvia o choro. Sabia-se de sua tristeza pelas lágrimas. Mas estas, de tão leves, nem lhe desciam pelo rosto. As lagriminhas subiam pelo ar e vogavam suspensas. Depois, se fixavam no tecto e ali se grutavam, missangas tremeluzentes.Ela pegava no menino com uma só mão. E falava, mansinho, para essa concha. Na realidade, não falava: assobiava, feita uma ave. Dizia que o filho não tinha entendimento para palavra. Só língua de pássaro lhe tocaria o reduzido coração. Quem podia entender? Ele há dessas coisas tão subtis, incapazes mesmo de existir. Como essas estrelas que chegam até nós mesmo depois de terem morrido. A senhora não se importava com os dizquedizeres. Ela mesmo tinha aprendido a ser de outra dimensão, florindo como o capim: sem cor nem cheiro. A língua dela, à míngua. A mãe só tinha fala na igreja. No resto, ela pouco falava. O marido, descrente de tudo, nem tinha tempo para ser desempregado. O homem era um nada, despacha-gargalos, entorna-fundos. Do bar para o quarto, de casa para a cervejaria. Pois, aconteceu o seguinte: dadas as dimensões de sua vida e não havendo berço à medida, a mãe colocou o menininho num sapato. E cujo era o do pé esquerdo do único par, o do marido. De então em diante, o homem passou a calçar de um só pé. Só na ida isso o incomodava. Pois, na volta, ele nem se apercebia ter pés, dois na mesma direcção. Em casa, na quentura da palmilha, o miúdo aprendia já o lugar do pobre: nos embaixos do mundo. Junto ao chão, tão rés e rasteiro que, em morrendo, dispensaria quase o ser enterrado. Uma peúga desirmandada lhe fazia de cobertor. O frio estreitasse e a mulher se levantava de noite para repuxar a trança dos atacadores. Assim lhe calçava um aconchego. Todas as manhãs, de prevenção, a mulher avisava os demais e demasiados:- Cuidado, já dentrei o menino no sapato.Que ninguém, por descuido, o calçasse. Muito - muito, o marido quando voltava bêbado e queria sair uma vez mais, desnoitado, sem distinguir o mais esquerdo do menos esquerdo. A mulher não deixava que o berço fugisse da vislembrança dela. Porque o marido já se outorgava, cheio de queixa:- Então, ando para aqui improvisar um coxinho? - É seu filho, pois não?- O diabo que te descarregue!E apontava o filhote: o individuozito interrompia o seu calçado? Pois que, sendo aqueles seus exclusivos e únicos sapatos, ele se despromoveria para um chinelado? - Sim, respondeu a mulher. Eu já lhe dei os meus chinelos.Mas não dava jeito naqueles areais do bairro. Você sabe como é, mulher: a gente pisa o chão e não sabemos se há mais areia em baixo que em cima do pé. Além disso, eu é que paguei os tais sapatos. Palavras. Porque a mãe respondia com sentimentos: - Veja o seu filho, parece o Jesuzinho empalhado, todo embrulhadinho nos bichos de cabedal. Ainda o filho estava melhor que Cristo - ao menos um sapato já não é bicho em bruto. Era o argumento dela mas ele, nem querendo saber, subia de tom:- Cá se fazem, cá se apagam!O marido azedava e começou a ameaçar: se era para lhe desalojar o definitivo pé, então, o melhor fosse desafazerem-se do vindouro. A mãe estremecia, estarrecida, fosse o fim de todos os mundos.- Vai o quê fazer?- Vou é desfazer.Ela prometia-lhe um tempo, na espera que o bebé graudasse. Mas o assunto azedava e até degenerou em soco, punhos ciscando o escuro. Os olhos dela, amendoídos ainda, continuaram espreitando o improvisado berço. Ela sabia que os anjos da guarda estão a preços que os pobres nem ousam. Até que se o ano findou, esgotada a última folha do calendário. Vinda da Igreja, a mãe descobriu-se do véu e anunciou que iria compor a árvore de Natal. Sem despesa, nem sobrepeso. Tirou à lenha um tosco arbusto. Os enfeites eram tampinhas de cerveja, sobras da bebedeira do homem. Junto à árvore ela rezou com devoção de Eva antes de haver a macieira. Pediu a Deus que fosse dado ao seu menino o tamanho que lhe era devido. Só isso, mais nada. Talvez, depois, um adequado berço. Ou, quem sabe, um calçar novo para seu homem. Que aquele sapato já espreitava pelo umbigo, o buraco na frente autorizando o frio. Na sagrada antenoite, a mulher fez como aprendera dos brancos: deixou o sapatinho na árvore para uma qualquer improbabilíssima oferta que lhe milagrasse o lar. No escuro dessa noite, a mãe não dormiu, seus ouvidos não esmoreceram. Despontavam as primeiras horas quando lhe pareceu escutar passos na sala. E depois, o silêncio. Tão espesso que tudo se afundou e a mãe foi engolida pelo cansaço.Acordou mais cedo que a manhã e foi directa ao arbusto de Natal. Dentro do sapato, porém: estava só o vago vazio, a redonda concavidade do nada. O filho desaparecera? Não para os olhos da mãe. Que ele tinha sido levado por Jesus, rumo aos céus, onde há um mundo apto para crianças. Descida em seus joelhos, agradeceu a bondade divina. De relance, ainda notou que lá no tecto já não brilhavam as lágrimas do seu menino. Mas ela desviou o olhar que essa é a competência de mãe: o não enxergar nunca a curva onde o escuro faz extinguir as sementes.

 

Mia Couto

Retirado de aqui

publicado às 21:02

Deus não existe, ponto final!

por Jorge Soares, em 10.12.15

solidao.jpg

Imagem retirada da internet

 

O post de ontem deu muito que falar, pelos vistos um ateu é capaz de chatear muita gente (tanta intolerância) e gerar muitas  opiniões, já que estamos numa de recordações, o texto seguinte é de 11 de Dezembro de 2008 (aqui).

 

A propósito do post sobre o natal que escrevi há dois dias, recebi o seguinte comentário por email:

 

 "Espertinho o menino!...  "como é o vosso natal, falem-me do vosso natal..." ;-)) Ora nega lá que o que esperas mesmo é ver aí a malta  a dissertar sobre o primeiro parágrafo..."

 

O primeiro parágrafo falava sobre o facto de eu ser ateu e de "deus não existe, ponto final". A minha amiga Linda achou que o resto do post era para encher e que o verdadeiro motivo era este... pois não, a minha ideia era tentar perceber os sentimentos das pessoas sobre o natal... aquele parágrafo era só para explicar o contexto do meu sentimento sobre o natal.

 

Mas ela dizia mais, dizia o seguinte:

 

"Sabes que eu acho um nadinha pretensioso esse teu jeito de afirmar; "sou ateu, Deus não existe e ponto final"

Na minha modesta opinião, alguém que como tu, perentóriamente, se afirme assim, tem de provar que Deus não existe."

 

Qualquer tentativa de demonstração da existência ou não de deus é tempo perdido, porque algures vai esbarrar no "É uma questão de fé"... e isso é algo que não tem discussão. Sou sincero, eu não consigo perceber qualquer argumento que comece ou termine em, "é uma questão de fé", e portanto resta-me um só caminho, deus não existe, ponto final.

 

Fui batizado e educado na religião católica, catequese e comunhão solene incluida. Um dia dei por mim a pensar que aquilo não fazia sentido, primeiro deixou de fazer sentido tudo o que dizia respeito à igreja, a católica ou qualquer outra, aquele deus capaz de perdoar e de castigar, Jesus, a virgem, os santos, a criação, o pecado, nada fazia sentido. Com o tempo o próprio conceito de deus deixou de fazer sentido.

 

Dei por mim a pensar que as pessoas precisam de um deus porque se sentem sós, porque não conseguem encontrar carinho e apoio em quem os rodeia. O conceito de deus existe porque falhamos como seres humanos, porque não somos capazes de ajudar e apoiar as pessoas que estão à nossa volta. Muita gente se escuda na fé, vão à igreja, rezam, acreditam, mas não são capazes de dar um bocadinho de si para tornar mais leve e mais feliz a vida de quem os rodeia. Deus é tantas vezes a ultima esperança, porque já batemos a muitas portas e elas não se abriram, porque já apelamos a muitos sentimentos e só recebemos o vazio como resposta, ou porque já batemos tantas vezes com a cabeça na parede e não fomos capazes de aceitar a ajuda que se nos oferecia, que já não há quem seja capaz de nos ajudar.... nessa altura, deus é a resposta. Quando todas as pessoas à nossa volta nos falharam ou quando nós próprios falhamos, resta-nos a fé.

 

Devemos ter fé sim, mas é em nós, nas nossas capacidades e nas das pessoas de quem gostamos e devemos ter a humildade de suficiente para aceitar que somos simplesmente humanos e que por vezes precisamos de ajuda. A vida é dar e receber, mas é dar e receber de seres humanos como nós, não de um qualquer deus. Os primeiros humanos chamavam deus a tudo o que não conseguiam explicar, com o tempo tudo se foi explicando, agora, chamamos deus à nossa solidão.

 

Pronto, e agora podem dissertar à vontade.... sobre, deus não existe, ponto final!

 

           NATAL
"Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e ser menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos."
 
Miguel Torga 
(Obrigado Linda)

 

Jorge Soares

 

publicado às 22:32

O que festejam os ateus no natal?

por Jorge Soares, em 08.12.15

Natal Ateu

 

Há por aí quem não consiga entender o verdadeiro significado do natal, não, não tem nada a ver com meninos, reis magos, estrelas e manjedouras... pelo menos para mim não tem.

 

Escrevi o texto abaixo em Dezembro de 2009,,,, já choveu alguma coisa desde  essa altura, mas nada mudou...

 

Há uns anos... bem, há muitos anos, quando a internet dava os primeiros passos, a Atarraya era uma mailing list de estudantes venezuelanos no estrangeiro, um sitio onde discutíamos tudo e mais alguma coisa. Já nem sei como fui lá parar, no natal sugeri que trocássemos postais de natal, o Brito era o intelectual da lista, vivia no Japão e nunca me vou esquecer a resposta dele:

 

- Jorge, eu sou ateu e não festejo o natal, mas terei todo o gosto em enviar-te um postal para o dia dos inocentes.

 

O dia dos inocentes é o equivalente latino-americano do dia das mentiras, festeja-se a 28 de Dezembro.

 

Acho que todos sabem que sou ateu, não acredito em deus e muito menos num Jesus Cristo nascido numa manjedoura que mais tarde ressuscitou de entre os mortos. Na semana passada e em jeito de provocação, a Stilleto a propósito do meu post sobre o nosso natal, dizia que não entendia o que festejam os ateus nesta altura.

 

Não sou tão radical como o Brito, eu festejo o natal, não o natal religioso, esforço-me por não festejar o natal actual, o do consumismo, mas festejo o meu natal, o da festa da família e porque não?... O das tradições. Até porque muito antes da existência do cristianismo já por esta altura se festejava o solstício do Inverno, o renascimento da natureza que resultará de os dias começarem a ser maiores. Com o tempo a tradição foi mudando e a igreja, como em muitas outras das suas celebrações,  apropriou-se destas datas para a sua festa de natal.

 

O que festejo eu?...para mim o natal é uma festa familiar, a altura de reunir as famílias, de partilhar afectos e presentes. Para mim ser ateu não significa renegar tradições, a ceia de natal, o bacalhau com batatas, bilharacos, rabanadas, pan de jamon, bolo-rei. Troca de presentes à lareira, árvore de natal e presépio, haverá quem diga que algumas destas coisas são tradições católicas, todas estas coisas ou já existiam há 2000 anos ou tem menos de 200 anos.... tirando talvez o presépio, tudo o resto tem a ver com a família e connosco e nada que ver com a igreja.

 

Cá  em casa, e por agora,  o único ateu sou eu .. e faz parte da minha forma de estar no mundo, o respeito das crenças das pessoas que estão à minha volta... natal incluído e se há coisa que não festejo é o dia dos inocentes... nem o das mentiras.

 

Jorge Soares

 

PS: Cá em casa já não sou o único ateu.. e só não somos mais porque há quem apesar da sua inteligência e perspicácia, se recuse a falar ou sequer a pensar no assunto.

publicado às 22:34

O que será o verdadeiro espírito de natal?

por Jorge Soares, em 06.12.15

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Um destes dias falamos aqui do espírito de natal a propósito de uma suposta carta de um senhorio, hoje vou voltar ao tema, de uma outra forma.

 

A noticia já é de 2013 e vem do Algarve, mais propriamente de Lagoa, diz o seguinte:

 

A Câmara de Lagoa prepara-se para trocar este ano os gastos nas iluminações de Natal pelo apoio às famílias em dificuldades.

 

Não sabemos de quanto dinheiro estamos a falar mas diz que «a Câmara poupará várias dezenas de milhares de euros, que podem ser canalizados para objetivos de apoio às famílias em dificuldades».

 

O acender da iluminação de natal nas ruas do Porto foi noticia de televisão e ficamos a saber que na invicta se vai gastar só em iluminação das ruas mais de 180 mil Euros, em Lisboa ... o orçamento para as iluminações de Natal é de 320 mil euros, o mesmo valor dos últimos dois anos, e os quatro dias de festa do final do ano representam um custo de 500 mil euros. (de aqui)

 

Ou seja, o espírito iluminado do natal de alfacinhas e portuenses vai custar mais coisa menos coisa, um Milhão de Euros (como se nota que a Troika já não anda por cá)Aposto que a soma dos orçamentos anuais de todas as associações de apoio aos sem abrigo e à pobreza de Lisboa e Porto não anda nem perto de um milhão de Euros. Quanta gente se ajudaria com o dinheiro das luzinhas?

 

Agora, quantos de nós acharíamos bem que em nome do espírito de natal as câmaras das cidades em que vivemos seguissem o exemplo de 2013 da câmara de Lagoa e trocassem as iluminações e enfeites de natal por acção social?

 

O que será o verdadeiro espírito de natal? Será luzes e ruas enfeitadas ou apoio a quem precisa?

 

Jorge Soares

publicado às 22:39

Conto - Destinos

por Jorge Soares, em 05.12.15

destinos.jpg

 

Morar em bairro violento é assim: você tá chegando em casa vindo da escola e de repente um carro para ao teu lado, uma porta abre e um peso é jogado no chão, quase em cima de você: buf.

 

Você vê que é um corpo, seu coração para no peito por alguns segundos (enquanto você reza pra não ser ninguém conhecido, o carro voa cantando os pneus), e então volta a bater. Nesse momento, outras pessoas, seus vizinhos, já estão correndo em direção ao corpo, como se sentissem o cheiro da morte, e alguns são tão ousados que não se importam em virar o corpo com o pé, de modo que fique mais fácil identificá-lo.

 

Se for alguém conhecido, você pensa uma pena, fulano era um cara... ou algo do tipo.

 

Se não for conhecido, você simplesmente respira aliviado.

 

Nesse caso era conhecido, mas do tipo que inspira alívio, não lamentos. Seu nome ninguém sabia, mas todos o conheciam por Bugalu, um viciado metido a dono da rua que vivia puxando encrenca com todo mundo. Seu rosto estava inchado, os lábios cortados e o olho roxo, havia um furo de bala no lado esquerdo da testa.

 

Dei de ombros e fui pra casa, aliviado por saber que Bugalu não encheria mais o saco de ninguém. Ao chegar, tirei a roupa da escola e me deitei com os fones de meu walkman enfiados no ouvido e comecei a ler um gibi do Cebolinha, cuja história principal era uma paródia da peça do Edmond Rostand: Cebolô de Belgelac, onde Cebolinha fazia o papel de Cyrano, Cascão de Cristiano, e Mônica de Roxane. Eu adorava aquela história.

 

Era 1995, e eu tinha 10 anos. Muitos dos meus amigos que morreriam posteriormente por causa de algum envolvimento no tráfico de drogas local ainda estavam na idade escolar, como eu, e ocupavam o tempo livre jogando futebol na rua ou no terreno baldio mais próximo. Às vezes fugiam um pouco da rotina e substituíam o futebol por alguma outra coisa, mas no geral era futebol mesmo e eu bem que tentei acompanhá-los com minhas pernas de pau e meu fôlego curto, sem obter nada sequer próximo do sucesso. Assim, o que fiz foi me isolar cada vez mais com meus gibis e meus desenhos animados, além dos filmes dublados do Van Damme que eu alugava nos finais de semana.

 

O tempo foi passando e o bairro foi ficando cada vez mais violento, e com o bairro meus amigos também foram ficando mais violentos, e isso só fez com que eu me isolasse cada vez mais. Um dia aconteceu de meus amigos já não serem meus amigos, e de eu nutrir por meu bairro quase nenhuma afeição, além de uma vontade gritante de dar o fora na primeira oportunidade. E foi o que fiz. Sem olhar pra trás e com medo de virar estátua de sal se o fizesse.

 

 

Anos mais tarde voltei ao bairro, encontrei por acaso um velho amigo que jamais saíra de lá e nos mandamos pro bar mais próximo. Pouca coisa havia mudado lá, ele disse, mas a principal era que a galera das antigas ou morrera ou caíra fora ou estava comendo o pão que o diabo amassou. Então começou a discorrer sobre destinos trágicos e sonhos perdidos, e a noite terminou principalmente em tristeza.

 

Roberto Denser

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

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