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Capicua - A mulher do cacilheiro

por Jorge Soares, em 09.06.14

 

Letra

 

passa o passe pelo torniquete

espera que o portão abra assim que a hora chegue

para que o barco saia

ainda é de madrugada

o ar frio corta-lhe a cara

e no cais os sons metálicos são a banda sonora

 um grito de gaivota

um puto chora de com sono

enquanto a mãe tenta calá-lo

com um biberão de leite morno

e ela lembra-se dos filhos

que ficaram sós em casa

e dos filhos da patroa

pra cuidar na outra margem

já se vê Lisboa ao fundo

que amanhece sonolenta

e o motor do barco reza numa lenga lenga lenta

 

come bolacha Maria

ali sentada entre as mulheres

e na revista Maria fica a par dos fadi vers

mão gretada da lixivia

pele negra cabelo curto

saudade de Cabo Verde 

vontade de um mundo justo

porque é sempre mais difícil

pra ela que tem ... escolher a solidão

entre um bebado e um adulto

entre o pó e a sanita

vai limpar também as lágrimas 

e vai rezar também a Fátima

prá filha não estar grávida.

 

avé Maria cheia de graça

o senhor é convosco

bendita sois vós entre as mulheres

 

este balanço do barco

lembra o mar de Santiago

e ao largo do Barreiro

quase vê a ilha de Maio

quase sente o mesmo cheiro

e vai crescendo o seu desejo

de seguir no cacilheiro

é ir até Pedra Badejo

até que vê a ponte Salazar ali ao lado esquerdo

ou 25 de Abril como agora é bom dizer

e percebe que mesmo que façam pontes sobre o rio

ele é demasiado grande para que possam unir-nos

e ali no meio do Tejo

debaixo do céu azul

deu conta que até Cristo

virou as costas ao Sul

 

Ali no meio das mulheres

do barco da madrugada

sente a fadiga da lida

da faxina e da faina pesada

sofre da dupla jornada

pra por comida na mesa

com a força de matriarca

que arca com a despesa

e entre toda aquela gente

ela é só mais uma preta

só mais uma emigrante

empregada da limpeza

só mais uma que de longe vê a imponência imperial

do tal Terreiro do paço da Lisboa capital

mais uma que À chegada vai dispersar da manada

enquanto a cidade acorda

já elas estão na batalha à muito tempo

por que o metro, comboio, o autocarro

podem-nos faltar à gente

mas não a gente ao trabalho

são os outros cacilheiros

outras pontes do povo

porque a grande sobre o rio

mesmo se o estado é novo

tem nome de um grande herói da história colonial

e ela  mais uma heroína que não interessa a Portugal

em comum só este barco o mesmo rio o mesmo mar

e a mesma fé que esta vida foi feita pra navegar

em comum só este barco o mesmo rio o mesmo mar

e a mesma fé que esta vida foi feita pra navegar

 

navegar é preciso viver não é preciso

navegar é preciso viver não é preciso

navegar é preciso viver não é preciso

 

O barco

meu coração não aguenta

tanta tormenta

publicado às 22:13



Ó pra mim!

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