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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Letra
passa o passe pelo torniquete
espera que o portão abra assim que a hora chegue
para que o barco saia
ainda é de madrugada
o ar frio corta-lhe a cara
e no cais os sons metálicos são a banda sonora
um grito de gaivota
um puto chora de com sono
enquanto a mãe tenta calá-lo
com um biberão de leite morno
e ela lembra-se dos filhos
que ficaram sós em casa
e dos filhos da patroa
pra cuidar na outra margem
já se vê Lisboa ao fundo
que amanhece sonolenta
e o motor do barco reza numa lenga lenga lenta
come bolacha Maria
ali sentada entre as mulheres
e na revista Maria fica a par dos fadi vers
mão gretada da lixivia
pele negra cabelo curto
saudade de Cabo Verde
vontade de um mundo justo
porque é sempre mais difícil
pra ela que tem ... escolher a solidão
entre um bebado e um adulto
entre o pó e a sanita
vai limpar também as lágrimas
e vai rezar também a Fátima
prá filha não estar grávida.
avé Maria cheia de graça
o senhor é convosco
bendita sois vós entre as mulheres
este balanço do barco
lembra o mar de Santiago
e ao largo do Barreiro
quase vê a ilha de Maio
quase sente o mesmo cheiro
e vai crescendo o seu desejo
de seguir no cacilheiro
é ir até Pedra Badejo
até que vê a ponte Salazar ali ao lado esquerdo
ou 25 de Abril como agora é bom dizer
e percebe que mesmo que façam pontes sobre o rio
ele é demasiado grande para que possam unir-nos
e ali no meio do Tejo
debaixo do céu azul
deu conta que até Cristo
virou as costas ao Sul
Ali no meio das mulheres
do barco da madrugada
sente a fadiga da lida
da faxina e da faina pesada
sofre da dupla jornada
pra por comida na mesa
com a força de matriarca
que arca com a despesa
e entre toda aquela gente
ela é só mais uma preta
só mais uma emigrante
empregada da limpeza
só mais uma que de longe vê a imponência imperial
do tal Terreiro do paço da Lisboa capital
mais uma que À chegada vai dispersar da manada
enquanto a cidade acorda
já elas estão na batalha à muito tempo
por que o metro, comboio, o autocarro
podem-nos faltar à gente
mas não a gente ao trabalho
são os outros cacilheiros
outras pontes do povo
porque a grande sobre o rio
mesmo se o estado é novo
tem nome de um grande herói da história colonial
e ela mais uma heroína que não interessa a Portugal
em comum só este barco o mesmo rio o mesmo mar
e a mesma fé que esta vida foi feita pra navegar
em comum só este barco o mesmo rio o mesmo mar
e a mesma fé que esta vida foi feita pra navegar
navegar é preciso viver não é preciso
navegar é preciso viver não é preciso
navegar é preciso viver não é preciso
O barco
meu coração não aguenta
tanta tormenta