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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Vou voltar às minhas memórias dos tempos em que vivi na Rua do Poço dos Negros, e hoje vou falar dos mortos...
Um dia cheguei ao prédio e deparei-me com a porta do apartamento do primeiro andar com umas traves de madeira pregadas de lado a lado... já ali morava há uns dois anos e nunca tinha visto alguém entrar ou sair, nem sabia se vivia lá alguém ... Por norma, o corrupio de gente era mesmo no segundo e terceiro andares com as visitas ao mercado de substancias ilícitas e às "meninas" respectivamente. Lá me informaram que a senhora que morava no primeiro andar tinha falecido, vivia sozinha há muitos anos...e agora o senhorio tinha selado a casa, não fosse a pensão do segundo andar alastrar.
Passados um ou dois meses, já perto da meia noite, o pessoal do segundo andar resolveu fazer mais um daqueles escândalos mesmo a sério, como já estava habituado, nem liguei, mais prato ou menos prato a voar, mais grito ou menos grito.. a malta habitua-se... e no dia a seguir era dia de aulas.. como todos os dias.
Por volta das sete da manhã, toca-me a Dona Maria à porta do quarto.
-Jorge, ó Jorge! ...está acordado?
.. não estava... bom, agora já estava!
- Diga dona Maria!
- Vinha-lhe dizer que o melhor é não sair cedo.
-Então porquê dona Maria?
-É que está um homem enforcado nas escadas!
-Como?
-Está um homem morto, pendurado com uma corda pelo pescoço, nas escadas... já chamaram a policia, mas o melhor é não sair.
Ora... lá se foi a aula das 8, virei-me para o outro lado... e dormi! Está visto que a mim os mortos não me impressionam nada.
Acordei por volta das 9:30, arranjei-me e saí.... o Homem já não estava pendurado nas escadas, estava deitado no chão da entrada do prédio, sozinho, morto .... e algemado. Ainda hoje estou para perceber para que raio algemaram o homem, se ele já estava morto.. estavam com medo que ressuscitasse e atacasse alguém?. Saí para a rua, cá fora estavam dois policias a conversar dentro de um carro patrulha, olharam para mim, eu fui para as aulas e eles continuaram a conversar.
Passada uma semana, a judiciária esvaziou a pensão do segundo andar....e o senhorio selou mais um apartamento.... passada mais uma semana.. foi o incêndio.... mas disso falarei outro dia...
No quarto em frente ao meu, dormia uma das irmãs da dona da casa, uma senhora baixinha e muito simpática. Um dia cheguei a casa depois de jantar e estranhamente não havia vivalma.. fui para o meu quarto e passados uns minutos tocou o telefone. Dada a minha condição momentânea de dono da casa, decidi atender o velho aparelho de outros tempos.
-Estou?
-Quem fala?
-O Jorge.
-Olá Jorge, sou a sobrinha da Dona Maria, ela não está?
-Não, não está ninguém em casa.
.... - silêncio do outro lado.
-Quer deixar algum recado?
-Não, eu volto a ligar.
Desliguei e voltei ao meu livro... passado um ou dois minutos volta a tocar o telefone.... e lá fui eu outra vez.
-Estou!
-Jorge, você não sabe?
-Não sei o quê?
-Não sabe o que aconteceu?
-Não, eu saí cedo e cheguei há bocado.. e estranhei não que está ninguém em casa.
-É que a minha tia, a irmã da dona Maria, faleceu durante a noite!
Vocês não estão bem a ver a minha cara de parvo a olhar para o telefone.....é que já são mortos a mais para um só prédio!
Mas este não foi o ultimo.... mas disso falo outro dia.
Jorge
PS:Imagem minha, escadinhas em São Bento, retirada do Momentos e Olhares