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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Depois de O Quebra cabeças de arame, de O perfume daquela rosa, de A carta, de O Caminho dos Medronhos e de O menino Valente agora foi a vez de A bola de Berlim
Recebi o seguinte email da Antena 1:
Caro Jorge Soares:
No Domingo, dia 21 de Junho, vamos ler a história que nos enviou, «A Bola de Berlim», numa emissão que tem como convidado o actor e encenador Tiago Rodrigues.
Pode ouvi-la na Antena 1, a partir das 13h.
Para se manter actualizado em relação ao programa, consulte o nosso blogue: ahistoriadevida.blogs.sapo.pt
Cumprimentos, e boas histórias,
Inês Fonseca Santos.
Acho que se me acabaram as histórias...... vamos ver, entretanto, este é o texto que vai ser lido no próximo Domingo:
A Bola de Berlim
No outro dia em Oliveira de Azeméis numa das muitas pastelarias que por lá há, observávamos a quantidade e variedade de bolos que enchiam as montras e em jeito de provocação eu insistia com a R. para que escolhesse um. A minha filha não gosta de bolos, coisas doces e/ou com creme não são com ela. Na montra havia um tabuleiro cheio de bolas de Berlim, enormes, frescas e com aspecto delicioso, com montes de creme. É claro que ela não quis.... mas a conversa fez-me avivar as minhas memórias, e retroceder até ao dia em que vi pela primeira vez uma bola de Berlim.
Tinha eu 9 anos quando fui para o ciclo, naquela altura o ciclo estava dividido por dois locais, o segundo ano era no edifício da escola e o primeiro era num velho casarão, as salas estavam divididas pelos diversos andares do velho edifício e por um anexo pré-fabricado que ficava no antigo quintal da mansão. Eu tinha aulas numa das salas do pré-fabricado e lembro-me de um dia em que a chuva e a saraiva eram tantas, que não nos conseguíamos ouvir dentro da sala.
O bar da escola era num pequeno vão de escada no 3º andar do casarão, quem tinha aulas nos anexos raramente entrava no edifício, o recreio era já ali. Demorei muito tempo a descobrir que havia um sitio onde comprar coisas, a primeira vez que lá fui foi a acompanhar alguém que ia comprar um pacote de batatas fritas para o lanche. Em quanto o meu colega comprava as batatas fritas, fiquei a olhar para umas enormes bolas castanhas cobertas com açúcar branco. Lembro-me de perguntar o que era aquilo, e de alguém dizer:
-É uma bola!
-Uma bola?
-Sim, uma bola, é doce e tem creme!
-E quanto custa?
-5 escudos, queres uma?
-Não!
5 Escudos era muito dinheiro, para mim que não tinha nenhum era muitíssimo dinheiro, e estava fora de questão eu os obter para comprar um doce. Um dia, já os meus pais tinham emigrado e eu fora viver em casa da minha tia, descobri que não era preciso ter dinheiro. Além de bolos e batatas fritas, vendiam-se outras coisas, lápis, folhas, material escolar, coisas que de vez em quando eram necessárias, a senhora que geria o bar tinha um caderno onde anotava as coisas que cada um levava e no fim do mês enviava a conta. Descobri isso quando precisei de umas folhas para um teste e evidentemente não tinha dinheiro, alguém me explicou como funcionava, e lá se abriu a folha com o meu nome.
Não me lembro bem se foi no primeiro dia ou no dia a seguir, mas é evidente que a coisa seguinte que ficou anotada no livro foi:
-Bola - 5 escudos.
Ainda hoje consigo recordar o sabor daquela bola com creme. Os tempos mudam, tinha eu 9 anos quando vi pela primeira vez uma bola de Berlim, de certeza que se eu perguntar, nenhum dos meus filhos se lembra da primeira vez que as viu, no imaginário deles elas sempre existiram, junto com muitas outras coisas a que eu só tive acesso muito mais tarde.
A R. nem gosta de doces, eu também não gostava... porque nem sabia que eles existiam.
Jorge Soares
PS:Imagens retiradas da internet