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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Retirada de Meninos do mundo
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Fernando Pessoa
A ideia da Missão criança nasceu algures numa madrugada de Novembro no centro comercial Colombo, quando preparávamos as coisas para a campanha de recolha de assinaturas para a petição para o dia nacional da adopção que o PS fez com que fosse chumbada.
No dia da audição, achei por bem inscrever-me para o debate aberto, colocando o nome da associação, como as coisas estavam bastante atrasadas e eu já tinha dado o meu testemunho, não tive oportunidade de falar, da parte da tarde desforrei-me e fartei-me de bater naquela gente toda. O nome da associação chamou a atenção da moderadora do debate da manhã, Paula Nobre Deus, que evidentemente eu não conhecia de lado nenhum...
Antes do inicio da sessão da tarde, ela veio ter comigo, tinha ficado curiosa sobre a associação de que nunca tinha ouvido falar.
Infelizmente a conversa foi cortada a meio, porque a sessão da tarde ia dar inicio. Na altura eu não sabia que a senhora é deputada do PS, nunca a tinha visto e o nome não me dizia nada. Depois de lhe ter explicado quais são os objectivos da associação, ela virou-se para mim e disse:
-Mas não vale a pena.
-Não vale a pena o quê?
-Não vale a pena o trabalho, eu também tenho uma associação, não vale a pena!
-Não?, então mas ...
-Nós até temos um centro de acolhimento em Évora, mas não vale a pena, os centros de acolhimento não deixam que a gente faça nada, não nos abrem as portas, e não conseguimos fazer nada.....
-Bom, mas nós decidimos criar a associação precisamente porque achamos que ninguém faz nada.
-Pois, já há muitas associações, e a verdade é que não vale a pena ......
Aqui a conversa foi interrompida porque estávamos a impedir o inicio dos trabalhos.... Só mais tarde vim a descobrir que a senhora é deputada do PS, e que inclusivamente tinha estado na discussão que chumbou o dia nacional da adopção.
A conversa vale o que vale, não é a opinião dela que nos vai fazer desistir de lutar pelas crianças e de seguirmos em frente, mas deixou-me a pensar, ela é deputada do partido do governo, como é que pode dizer que não vale a pena? É caso para dizer, se ela não consegue, como é que nós simples mortais vamos conseguir?
Como disse antes, não conheço a senhora de lado nenhum, não é lá muito justo estar a fazer juízos de valor, mas será esta a atitude que queremos dos deputados do nosso país?
Jorge Soares
PS:Gostaram da imagem?..passem pelo site da Meninos do Mundo, há umas tshirts bem giras com aquele desnho...e contribuem para uma muito boa causa.
A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade!
Ainda me falta pelo menos mais um post sobre a audição na assembleia da República, muito mais haveria a dizer, até porque o tema da adopção e da protecção das crianças institucionalizadas nunca termina.... mas também não vos quero fartar, vamos lá mudar um bocadinho de assunto.
Entretanto e mais a nível pessoal tenho recebido alguns comentários, a maioria das pessoas acha-me uma pessoa valente, consigo ir à assembleia da república e dizer o que penso, e não contente com isso digo o que penso aqui no blog e chamo aos bois pelos nomes... salvo seja, que os bois não tem culpa nenhuma.
Vou aqui confessar uma coisa, até aos 20, 21 anos eu era uma pessoa extremamente tímida, falar em publico era um verdadeiro terror, a forma como cresci, a relação com o meu pai, a vida, fizeram de mim um adolescente sem a mínima confiança e amor próprio, como a maioria dos tímidos tinha imensa imaginação, era capaz de pensar numa situação mil vezes, mas na hora da verdade....
Não sei muito bem quando mudaram as coisas, algures quando estava na universidade dei por mim a acreditar nas minhas capacidades e a tentar enfrentar a vida olhos nos olhos.... nunca se deixa de ser tímido, mas chega uma altura na vida em que valores mais altos se levantam...e que valores podem ser mais alto que a felicidade e o bem estar das crianças?
Hoje havia uma noticia no Publico que começava assim:
"Pobres, desmobilizados, mas, apesar disso, felizes. Somos assim, os portugueses?"
É mais um daqueles artigos que fala de estudos sociais, conclui-se que cada vez nos preocupamos mais com as necessidades imediatas, o emprego, os baixos salários, mas fala também da nossa incapacidade de nos organizarmos e de lutarmos por melhorar as coisas.
É verdade, nós somos assim, todos temos opinião, todos sabemos e gostamos de falar, principalmente entre amigos, mas na hora da verdade, na hora de reclamar pelos nossos direitos, na altura de dizer na hora certa e no sitio certo aquilo que deve ser dito.... ficamos calados que nem cordeirinhos.... de onde o estudo conclui o seguinte:
"..... que traduzem a incapacidade de criar o sentimento de pertença a uma comunidade de cidadãos colectivamente responsáveis"
Ou seja, Pobres, conformados, calados, desmobilizados...... Acho que as conclusões do estudo esqueceram o mais importante...
Lixados... com F grande
Mas a culpa é nossa..... eu cresci, mudei..será que o resto do país o pode fazer?
Jorge
PS:Imagem minha, retirada do momentos e olhares
" se a Espanha adoptou
internacionalmente 50.000 crianças, dessas 35.000 era da Guatemala. O que
significa que a Guatemala perdeu 35.000 habitantes de sua nacionalidade..."
Edmundo Martinho, Presidente do instituto da segurança Social
Isto foi dito na sala do Senado da Assembleia da republica em resposta a um comentário de alguém que dizia que Portugal deveria seguir o exemplo da Espanha e incentivar a adopção internacional.
Ontem a casa da Maria João parecia um arco íris de cor, crianças, muitas crianças, a maior parte delas veio de Cabo Verde, durante a tarde e parte da noite eu fui ouvindo as histórias de algumas daquelas crianças, historias feitas de fome, de doença, de abandono, crianças que viviam em situação tal que em alguns casos saiam directo do avião para os hospitais de Lisboa, crianças que foram entregues pelos tribunais de Cabo Verde em processos de adopção internacional, processos legais e normais.
A madrugada ia alta e dei por mim a pensar na frase que transcrevo acima e neste senhor... se fossemos pelas ideias dele, quantas destas crianças ainda estariam vivas, quantas teriam sobrevivido ao abandono?, às doenças?, aos perigos da rua?
Nacionalidade?, será que este senhor sabe do que fala?, será que ele olha mais além dos seus números que ficam bem na comunicação social? será que ele sabe das vidas destas crianças? Será que ele já ouviu falar do que passa no nosso mundo? duvido.
Alguém que acha que é mais importante a nacionalidade que o bem estar das crianças é alguém que não sabe olhar para o mundo. Há muita gente neste mundo que é incapaz de olhar um pouco mais além de aquilo que conhece, há vida para além do umbigo de cada um de nós, e há sítios do mundo onde há vidas muito tristes, vidas com as que nem sonhamos, eu sei, ouvi algumas dessas historias ontem.... e fiquei ainda com mais vontade de adoptar, porque fiquei com a certeza que o meu egoísmo traduzido no desejo de ser pai, se vai converter em esperança de vida para uma criança que dificilmente a teria de outra forma.
Será que o Sr. Edmundo Martinho, todos os Srs. Edmundo Martinho deste mundo, são capazes de olhar para além do seu umbigo? duvido, afinal, ele é mais um dos que dizem que a adopção em Portugal é um caso de sucesso.
Olhando para os comentários deste senhor, recordando tudo o que ele disse no passado dia 23 de Junho, até para a sua falta de educação para quem apresentou problemas e factos reais, este senhor está a mais no seu cargo...falta muito para as eleições legislativas?
Jorge Soares
PS:Imagem retirada da internet
- Meu rico filho! Dava-o agora assim de mão beijada! Não que ele custou-me a parir e a criar!...
Julho, era por toda a parte a mesma verdura a ondular e a mesma esperança a sorrir. A terra bebia o sol e a humidade, espremia-se depois quanto podia, e atulhava o mundo de folhas, de flores e de frutos.
Mariana, com o filho ao colo de cabeça a reluzir, ia andando e monologando.
- Não me faltava mais nada! Tenham-nos. Façam por eles, ora o canudo!
No Caleirão, mesmo à beira do caminho, o Júlio Pessanha regava.
- Deus o ajude! - Vem com Deus... A enxada nas mãos do trabalhador deu o golpe, e a terra fofa, como uma mulher sôfrega de amor, bebeu de um trago a levada que a beijou. - Aonde é a ida? perguntou o Júlio, da leira, enquanto a nascente ia acalmando a embelga.
- Justes - respondeu Mariana, sem convicção. - Justes ou Gache, conforme.
Parara e olhava enlevada o rego de água a correr. Esteve assim algum tempo, enquanto o Júlio a olhava a ela por sua vez, abrasado de calor.
- São horas...
- Tens tempo, mulher!... Espera um migalho, que te acompanho até aí acima...
- O que você quer bem sei eu...
- E então... Mariana riu-se, meteu o bico do peito na boca do filho e esperou.
- São só mais três talhadoiros - prometeu o Júlio, apressado no desejo.
- Ande lá... Calma, sentou-se então numa anteira, com a mão direita a alisar docemente a penugem da criança. Depois, quando o Júlio acabou, ergueu-se e foi caminhando a seu lado, na paz simples de quem ia por bom caminho. Nas minas, pôs a criança à sombra de um carvalho, sobre o chaile, e deitou-se um pouco adiante entre as giestas, onde o Júlio a esperava já...
- Adeus - disse no fim, sem olhar o homem. - Então adeus...
Pelo caminho fora, na tarde quente, o seu corpo tinha agora uma frescura de terra molhada.
O filho, farto, dormia-lhe no colo. E Mariana, feliz, continuou o monólogo interrompido.
- Há cada uma! Dar-lhe o menino! Não faltava mais nada! Umas a tê-los e outras a gozá-los... A gente vê coisas!...
Na veiga de Justes, com olmos à beira do caminho, o corpo e as palavras que dizia perderam-se na sombra da ramagem espessa. E só três anos decorridos é que passou novamente por ali, agora acompanhada de duas crianças, uma menina de peito, e um pequeno, descalço e ruço, que ia levando pela mão.
- Deus o ajude! - Vem com Deus... Era o Joaquim Fortunato, no lameiro, a arralar milhão. Nos braços rijos do cavador, o molho de verdura túmida era como um corpo de mulher a tentá-lo.
- Até onde é a ida? - Pedralva - respondeu Mariana ao calhar. - Ou Jurjais. É conforme...
A pequenita, a babar-se, dormia. O rapazinho, extenuado, aninhou-se na relva do caminho.
- Tu sentas-te? - ralhou Mariana, carinhosamente.
- Tou canchado... - Deixa descansar o rapaz - disse de lá o Joaquim Fortunado. - Ele merendou?
O pequeno acenou com a cabeça a dizer que não, e o mondador pousou a braçada de relva e foi-lhe buscar pão e queijo.
- Também queres? - perguntou depois a Mariana.
- Se faz favor...
- Mas hás-de então vir cá... Tinha o farnel ao fundo da leira, à sombra de um freixo que cobria a poça, com a cabaça de vinho metida na água a refrescar. Mariana deitou a filha adormecida no chaile, ao pé do irmão, e saltou a parede.
- Volto já. Não me demoro. Foi, comeu, e em seguida o mesmo calor que já duas vezes a inundara apareceu-lhe no sangue a uma palavra do Joaquim.
- Com esta não contava eu... - começou ele, a olhá-la e a passar a mão pelo cachaço.
Ela riu-se. E pouco tardou que não sentisse extinto o lume que principiava a queimá-la também.
- Vamos lá embora, meus filhos. A pequenita olhou-a com os olhos azuis do Júlio Pessanha, sem ver nada. O rapaz é que reparou que a mãe tinha terra nas costas.
- Adeus.
- Até qualquer dia...
O Joaquim Fortunato, ficou com o gosto na boca daquele momento inesperado e saboroso. Por isso despediu-se reticente e, sempre que podia, vinha até à veiga na esperança dever outra vez passar o corpo aberto e generoso de Mariana.
Mas o milho amadureceu, chegou o inverno, a terra cobriu-se novamente de verdura, e nada de a mulher aparecer.
Andava longe, por termos de Vessadios, e foi em plena serra dos Corvos que uma manhã o Lopo deu por ela a atravessar o rebanho.
- Deus o ajudei - Vem com Deus... Trazia agora três filhos, um casal a pé, e nos braços um terroso cachopinho, a cara do Joaquim Fortunato por uma pena.
Era Março e fazia ainda frio. No monte orvalhado, que o pálido sol da manhã ia enxugando devagar., brilhavam teias de aranha,, estendidas, a corar sobre os tojos. O pastor acendera uma fogueira. E o fumo das carquejas molhadas subia ao céu lentamente., lasso e voluptuoso.
- Aqueçam-se. Chegaram-se todos às lambras.
- Ensarilhadas na lã, plácidas, as ovelhas pastavam. O laboreiro, deitado ao pé do borralho, dormitava. Uma contida paz cobria tudo.
- Não te fazia agora por estes sítios - começou o Lopo, a enrolar um cigarro forte.
Mariana sentiu outra vez o sangue a ferver-lhe pelas veias fora. A fogueira precisava de lenha.
- E se nós fôssemos a uma meda de rama, que há ali adiante, buscar um braçado dela?
Mariana calou-se. O lume, por dentro, continuava a queimá-la.
- Põe aí o pequeno - ordenou ele. Ela obedeceu. E, logo adiante, num valado, sobre gabelas secas de mato, o seu corpo serenou.
- Vamos, meus filhos - disse pouco depois, antes mesmo de deixar cair sobre os tições apagados a caruma que trazia. - Vamos, meus filhos.
Os dois maiores ergueram-se, e o pequenino ficou a olhá-la do chão, inquieto, sôfrego de colo e de peito.
- O rapaz já podia começar a servir... Eu, com a idade dele, guardava cabras... Queres tu deixá-lo comigo? - propôs o Lopo.
- Deixá-lo?! Pelo caminho fora a palavra soava-lhe como um zumbido atroz nos ouvidos escandalizados.
- Deixá-lo! Há cada uma! Ia agora deixar-lhe o menino!
Nas matas do Vale-Fundeiro o protesto tinha o tamanho e o vigor dos castanheiros sem idade que ali cresciam. E só ao chegarem à veiga de Constantim é que aquela revolta se atenuou, desvanecida pouco a pouco pela verdura sedativa dos lameiros.
- Isto é que é terra! - não se conteve o pequeno mais velho, com o instinto campónio do Custódio, o pai, a brilhar-lhe nos olhos.
- É como as outras, que mais tem? - respondeu Mariana, sem atingir a fundura do grito.
- Olhe lá que não seja! Mariana não podia entender a voz ancestral que irrompia da natureza virginal do filho. A terra parecia-lhe una, indivisível, nivelada na mesma serenidade e no mesmo destino de criar. Aqui, ali, acolá., cerros ou descampados, várzeas ou costeiras, eram sítios iguais, que calcorreava sem distinguir a qualidade do barro que se lhe agarrava aos pés. Compreendia tudo, menos o afeiçoamento da perdiz ao monte nativo. Todos os horizontes lhe acenavam da mesma maneira. Em qualquer mata miúda paria naturalmente e atrás de qualquer parede recebia a seiva de uma nova vida. Não. Nem entendia o rapaz a gabar os lameiros de Constantim, nem a sensualidade do Jeremias Manso a querer fazer dela um simples instrumento de prazer.
- Outra vez... - pedia ele, ao vê-la erguer-se, honesta e pura como uma leiva semeada.
Nem sequer respondeu. Saiu do centeio, pôs-se a frente da ninhada, e retomou o caminho da sua aventura.
Só em Ordonho, abrandou a marcha.
- Quantos são ao todo? - perguntou o Paul, que já não via bem, quando o rancho lhe passou à porta.
- Sete - respondeu o cunhado. - Valha-nos Deus! Que desgraça! As raparigas estão mulheres feitas e a mãe a dar-lhes um exemplo daqueles...
Mas já Mariana ia longe, alheia ao zelo do velho sátiro. Pedia: se davam, davam; se não davam, deixava os filhos matar a fome nos soutos, nos pomares ou nas vinhas, e a quem tentava, de uma maneira ou doutra, dividir a perfeita unidade que formava com a prole, respondia a rugir como uma leoa ferida.
- Criada?! Ia-lhe agora dar a menina para criada! A gente vê cada uma! De lhe comprar um farrapo para se vestir, não se lembrou a senhora. Criada! Que conveniência!... A servir ponha as filhas, se não lhes tem amor... Agora as minhas, está bem livre!
Ia já nas matas do Bouço e a indignação continuava ainda.
- Criada! A palavra, dita por intenção da sua Zulmira, parecia-lhe um insulto sem perdão.
- Fala à gente!... Mariana nem o olhar se dignou concentrar no rosto desejoso do Lopo. O seu ventre estava já fecundado pelo Guilherme da Póvoa, e o Lopo, como os outros, passada a hora, não significava nada, nada, na sua lembrança. A pureza com que se entregava tocava-os de uma força criadora e irresponsável que os imaterializava como deuses distantes. A terra humilde era ela. Eles actuavam apenas como o vento, que traz a semente, e passa. Mas todos teimavam em permanecer ligados ao doce sabor de um minuto, e queriam-na segunda vez.
- Nos montes de Vessadios, não te lembras?
- Vossemecê está maluco! Eu conheço-o lá!
O Lopo não queria acreditar no que ouvia. E por orgulho ofendido, frouxo aceno do sangue e mágoa de solitário, teve um gesto:
- Conheças ou não conheças, já pariste de mim. Por isso, quero o pequeno.
- Que pequeno?! perguntou Mariana, assombrada.
- Aquele. O chegado à de vestido às riscas. - O meu Jorge?! O homem é doidinho! Os filhos são meus, muito meus! Atreva-se a pôr-lhes a mão, se quer ver...
O pastor tinha-se aproximado, num desejo irresoluto de tirar da touceira a vergôntea que lhe pertencia. Não o empurrava nenhum impulso profundo. Era uma reacção de momento, sem calor verdadeiro. E como Mariana parecia uma cabra das dele, pronta a marrar às cegas contra o cão que lhe farejasse a cria, deteve os passos que dera sem convicção.
- Bem, está bem... Mais perde... - disse então, a justificar a debilidade do seu apego ao andrajoso ser a que tinha ajudado a dar vida. - És parva...
Mariana sorriu. E seguida do rebanho inteiro, lá partiu para Valongueiras, à esmola de sábado em casa do Sr. Vitorino.
- Essa mulher continua na mesma vida? - perguntou na sala a Marília, que acabara de chegar do colégio com um selo branco na virgindade. _ Pois continua...
- Pouca vergonha maior!
- Que se lhe há-de fazer?
- Tirar-lhe as crianças e metê-las num asilo.
- Deixa-te de asilos! - reprovou o Sr. Vitorino, que tivera uma meninice aperreada.
- Então chamar à ordem os responsáveis!
- Vai-lhe lá falar nisso!...
- E é que vou mesmo! Ergueu-se cheia de zelo, e foi direita como uma heroína ao encontro do lodaçal.
Rodeada do bando, Mariana comia em Paz na cozinha o caldo caridoso.
- Estás boa?
- Muito agradecida. Cá vou andando...
- Olha lá, os pais dos pequenos não tomam conta deles ?
Mariana sorriu, cheia de uma inocência que a outra não entendia. E respondeu, na sua pureza:
- Saiba a menina que não têm pai... São só meus.
Miguel Torga, Novos Contos da Montanha
Retirado de Contos de aula
Não sou lá um grande fã, aliás, não sou grande fã de ninguém, mas cresci a ouvir o Michael Jackson a cantar, e gostemos mais ou menos, a verdade é que nunca mais ninguém venderá cinquenta milhões de discos de um unico álbum, e ele vendeu esta quantidade do Thriller e 30 milhões em dois dos outros. Os tempos são outros, as estrelas são mais efémeras, tudo é mais efémero... morreu o ultimo rei da pop.
Gosto especialmente deste Beat it.
Jorge
Como tinha dito no post da passada segunda feira, ontem, para além do meu aniversário, era dia de ir à assembleia da republica, participar no debate A criança e o direito à família- Histórias de Adopção.
A sessão que durou o dia todo, poderia dar para vários posts, a participação (para mim surreal) do Dr. Guilherme Oliveira, o testemunhos e as restantes participações, as conversas à hora do almoço, a participação de juízes e magistrados, e claro, o debate da tarde...cada um destes pontos daria um post.... Aliás, vários.... vou tentar focar os pontos principais.
Como não poderia deixar de ser, o início que deveria ter sido às 10, foi mais de meia hora depois, afinal estamos em Portugal. Depois das apresentações, a entrada no tema, foi feita por Guilherme de Oliveira, presidente do Observatório para a adopção. Eu nunca percebi muito bem qual o papel deste observatório, não sei o que faz ou o que observa, e agora sai mais baralhado. Para grande espanto meu e dos restantes pais e candidatos, este senhor, para além de declarações no mínimo polémicas sobre o biológico e o afectivo, pintou a situação de uma forma tal, que eu me questionei se estaríamos a falar do mesmo país.
Para ele, como podem ouvir aqui, a adopção é um caso de sucesso, em 3 anos passou-se de 400 para 800 adopções no país, é claro que o facto de continuarem a existir mais de 11000 crianças institucionalizadas, não interessa nada, o facto de os candidatos continuarem a ser maltratados nos serviços, não interessa nada, o facto de existirem enormes assimetrias e diferenças de funcionamento entre os vários distritos, não interessa nada, o que interessa são os números. Ou seja, ele deve estar a olhar para o lado errado da coisa, porque aquilo que nós, as pessoas que estamos deste lado, as pessoas que me escrevem mails, as pessoas que me deixam comentários no blog, a percepção que temos, é que de sucesso, nada.
Seguiram-se duas excelentes participações das Dras, Maria Gomes Bernardo Perquilhas- Juíza do Tribunal de Família e Menores de Lisboa e Lucília Maria das Neves Franco Morgadinho Gago- Procuradora-Geral Adjunta, que falaram dos processos em tribunal e das leis.
Depois seguiram-se os testemunhos, nós tínhamos sido convidados através da Associação Bem Me queres, não sei se estavam à espera ou não, mas dos 3 testemunhos, dois foram de pessoas que apresentavam uma realidade bem diferente da mostrada pelo observatório. Deve ter sido um pequeno choque para a maioria dos presentes, afinal, do caso de sucesso, muito pouco, bem pelo contrário, problemas, dificuldades, falta de comunicação entre as diversas seguranças sociais, etc, etc.
Certo, é que hoje, toda a comunicação social, contrapunha as palavras do caso de sucesso, com as criticas dos candidatos, as nossas criticas.
Seguiu-se o almoço, e uma conversa deveras interessante com a Dr.ª Alexandra Lima- Directora do Serviço de Adopção da Santa Casa de Lisboa, onde entre outras coisas, ela me confirmou que em Lisboa também não utilizam as famosas listas nacionais, porque a informação que lá está não está estruturada, não tem lógica e portanto não serve para nada... não foram estas as palavras exactas, mas foi este o sentido..... Isto é muito interessante, porque a Dra. Idália Moniz, ao fim do dia encerrou a sessão dizendo que o que eu tinha dito no debate era mentira, e que sim senhor que as listas estão a ser utilizadas a nível nacional...será que Lisboa não faz parte do "nacional"
Do resto falo amanhã... que eu não gosto de posts longos.
Podem ver as notícias na imprensa aqui:
Jorge Soares
PS:Imagem retirada de aqui ... também tive uma conversa interessante com a dona deste blog... que depois de saber que é deputada.. a tornou no mínimo, surreal.. mas já falarei disso.
Falas de civilização...
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Alberto Caeiro
Acho que vou precisar de um tempo para digerir e pensar..... entretanto, fala Pessoa... de civilização
Jorge
Amanhã, na Comissão de ética, sociedade e cultura, na assembleia da república vai haver uma sessão publica onde se vai debater a adopção e o direito à família, eu e a P fomos convidados para dar o nosso testemunho. Mais que dar o meu testemunho, eu espero poder participar no debate e chamar a atenção para tantas coisas que estão mal e das que ao longo dos ultimos dois anos tenho falado aqui no blog.
A sessão é na sala do senado e aberta ao publico... não querem aparecer?
Colóquios e Conferências Parlamentares: Audição sobre Adopção- A criança e o direito à família- Histórias de Adopção-
Local: Sala do Senado do Palácio de São Bento da Assembleia da República
Dia: 23 de Junho de 2009, Terça-Feira
Audição aberta ao público.
Comissão de Ética, Sociedade e Cultura
Programa:
Abertura:
Intervenção de Sua Excelência o Senhor Presidente da Assembleia da República
Intervenção do Senhor Presidente da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura
Intervenção do Presidente do Observatório Permanente do Instituto da Adopção, Dr. Guilherme de Oliveira
Interventores institucionais
Moderador:
Drª Maria Gomes Bernardo Perquilhas- Juíza do Tribunal de Familia e Menores de Lisboa
Drª Lucília Maria das Neves Franco Morgadinho Gago- Procuradora-Geral Adjunta
Pausa para café
Histórias de adopção
Moderador:
Testemunhos de três famílias
Comentários/Debate
Almoço
Interventores Institucionais
Moderador:
Dr. Edmundo Martinho- Presidente do Instituto da Segurança Social
Drª Alexandra Lima- Directora do Serviço de Adopção da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa
Comentários/debate
Encerramento
Intervenção do Deputado Relator
Intervenção de um membro do Governo
Jorge Soares
No outro dia e a propósito de um dos posts da Irlanda o amigo José A perguntava se eu por lá tinha visto Grafittis.... não, por lá não vi graffitis, na Irlanda, pelo menos na pequena parte da Irlanda que eu vi, não havia Grafittis.
Há quem considere o graffiti uma arte, eu acho que em 99% dos casos é puro vandalismo, basta dar-mos uma volta por Setúbal para vermos isso, por todos lados, nas ruas, ruelas, avenidas, não importa se é uma casa antiga, ou uma nova, se é um prédio de habitação ou um monumento da cidade, se tem uma parede lisa, é certo é sabido que não demnorará muito a aparecer uma Tag, ou um rabisco, ou um simbolo... há até um blog dedicado aos grafittis de Setúbal e tem material para posts diários.
No Jardim da Algodeia, num dos lados do lago há um coreto, não me lembro de o ver branco, há um ano estava assim
No Outono passado estava assim:
Por volta de Dezembro foi pintado de branco...esteve uns dias assim, mas na primavera já estava de novo pintado como podemos ver aqui ao lado.
Este é só um pequeno exemplo, todas as paredes à volta do jardim estão pintadas, e os arcos que já deram o nome ao lugar e que são o que resta do aquedcto que levava a água para a cidade, cada vez que são pintados, são imediatamente riscados e grafitados...
Pode haver quem goste, como dizia antes, pode haver até quem ache isto arte, mas eu acho que não passa de vandalismo...
Ir pela cidade deixando tags, simples assinaturas pintadas nas paredes dos prédios ou dos lugares publicos, é vandalismo, não é arte. Ou alguém acha que chegar à luisa Tody e num dos golfinhos simbolo da cidade escrever um nome, uma assinatura ou lá o que é, não é vandalismo?
Jorge Soares
Acabei a minha sessão de canto, estou triste, flor depois das pétalas. Reponho sobre meu corpo suado o vestido de que me tinha libertado. Canto sempre assim, despida. Os homens, se calhar, só me vêm ver por causa disso: sempre me dispo quando canto. Estranha-se? Eu pergunto: a gente não se despe para amar? Porque não ficar nua para outros amores? A canção é só isso: um amor que se consome em chama entre o instante da voz e a eternidade do silêncio.
Outros cantadores, quando actuam em público, se trajam de enfeites e reluzências. Mas, em meu caso, cantar é coisa tão maior que me entrego assim pequenitinha, destamanhada. Dessa maneira, menos que mínima, me torno sombra, desenhável segundo tonalidades da música.
Cantar, dizem, é um afastamento da morte. A voz suspende o passo da morte e, em volta, tudo se torna pegada da vida. Dizem mas, para mim, a voz serve-me para outras finalidades: cantando eu convoco um certo homem. Era um apanhador de pérolas, um vasculhador de maresias. Esse homem acendeu a minha vida e ainda hoje eu sigo por iluminação desse sentimento. O amor, agora sei, é a terra e o mar se inundando mutuamente.
Amei esse peroleiro tanto até dele perder memória. Lembro apenas de quanto estive viva. Minha vida se tornava tão densa que o tempo sofria enfarte, coagulando de felicidade. Só esse homem servia para meu litoral, todas vivências que eu tivera eram ondas que nele desmaiavam. Contudo, estou fadada apenas para instantes. Nunca provei felicidade que não fosse uma taça que, logo após o lábio, se estilhaça. Sempre aspirei ser árvore. Da árvore serei apenas luar, a breve crença de claridade.
Em certo momento, me extraviei de sua presença, perdi o búzio e o mar que ecoava dentro. Ele embarcou para as ilhas de Bazaruto, destinado a arrancar riquezas das conchas. Apanhador de pérolas, certeiro a capturar, entre as rochas, os brilhos delas. Só falhou me apanhar a mim, rasteirinha que vivi, encrostada entre rochas.
Na despedida, ele me pediu que cantasse. Não houve choradeiras. Lágrima era prova gasta. Vejam-se as aves quando migram. Choram? O que elas não prescindem é do canto.
– E porquê? – perguntou o peroleiro.
O gorjeio, explicou ele, é a âncora que os pássaros lançam para prenderem o tempo, para que as estações vão e regressem como marés.
– Você cante para chamar meu regresso.
Minha vida foi um esperadouro. Estive assim, inclinada como praia, mar desaguando em rio, Índico exilado, mar naufragado. Estive na sombra mas não fiquei sombria. Pelo menos, nas primeiras esperas. Valia-me cantar. Espraiei minha voz por mais lugares que tem o mundo.
– Esse homem me lançou um bom-olhado?
Demorasse assim sua ausência, a espera não se sujava com desespero. Me socorria a lembrança de seus braços como se fossem a parte do meu próprio corpo que me faltasse resgatar.
Para sempre me ficou esse abraço. Por via desse cingir de corpo minha vida se mudou. Depois desse abraço trocou-se, no mundo, o fora pelo dentro. Agora, é dentro que tenho pele. Agora, meus olhos se abrem apenas para as funduras da alma. Nesse reverso, a poeira da rua me suja é o coração. Vou perdendo noção de mim, vou desbri-lhando. E se eu peço que ele regresse é para sua mão peroleira me descobrir ainda cintilosa por dentro. Todo este tempo me madrepero-lei, em enfeitei de lembrança.
Mas o homem de minha paixão se foi demorando tanto que receio me acontecer como à ostra que vai engrossando tanto a casca que morre dentro de sua própria prisão. Certamente, ele passará por mim e não me reconhecerá. Minha única salvação será, então, cantar, cantar como ele me pediu. Entoarei a mesma canção da despedida. Para que ele me confirme entre as demais conchas e se debruce em mim para me levar.
Mas, na barraca do mercado, eu canto e não encanto ninguém. Ao inviés, todos se riem de mim, toquinhando o dedo indicador nas res-pectivas cabeças. Sugerem assim que esteja louca, incapazes que são de me explicar.
Esta noite, como todas as noites antes desta, apanho minhas roupas enquanto escuto os comentários jocosos da assistência. Afinal, a mesma humilhação de todas as exibições anteriores. Desta vez, porém, aquela gozação me magoa como ferroada em minha alma.
Nas traseiras do palco, uma mulher me aborda, amiga, admirada do meu estado. Me estende uma folha de papel, pedindo que escrevesse o que sentia. Fico com a caneta gaguejando em meus dedos, incapaz de uma única letra. Pela primeira vez, me dói ser muda, me aleija ter perdido a voz na sucessiva convocação de meu amado. Me castigam não as gargalhadas dos que me fingiam escutar mas um estranho presságio. É então que, das traseiras do escuro, chega um pescador que me faz sinal, em respeitoso chamamento. Sabendo que não falo, ele também pouco fala.
– Lhe trago isto.
Suas mãos se abrem na concha das minhas. Deixa tombar uma pequena luminosidade que rola entre os meus dedos. É uma pérola, luzinhando como gota de uma estrela. Lhe mostro o papel onde rabisquei a angustiosa pergunta:
– Foi quando?
Ele apenas abana a cabeça. Interessava o quando? Aquela era a maneira de o mensageiro me dizer que o meu antigo amor se tinha desacontecido, exilado do tempo, emigrado do corpo.
– Enterraram-no?
Mas a interrogação, rabiscada na folha, não cumpre seu destino. Silencioso, o pescador se afunda nas trevas com a educação de ave nocturna. Fico eu, enfrentando sozinha o todo firmamento, monteplicado em pequenas pérolas. E escuto, como se fosse vinda de dentro, a voz desse peroleiro:
– Cante! Cante aquela canção em que eu parti.
E lanço, primeiro sem força, os acordes dessa antiga melodia. E me inespero quando noto que o mensageiro regressa, arrepiado do caminho que tomara. No seu rosto se acendia o espanto de me escutar, como se, em mim, voz e peito se houvessem reencontrado.
Mia Couto, In Na Berma de Nenhuma Estrada
Via Contos de Aula