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Mulher indemnizada por impotência do marido

 

Hoje foi um daqueles dias, começou com um computador que se recusou a arrancar, e eu que ia cheio de vontade de trabalhar, depois passei metade do dia a instalar tudo de novo e a outra metade a tentar perceber porque é que uma aplicação que funcionava perfeitamente simplesmente passou a não funcionar no dia em que o gajo mais chato e impaciente da empresa decidiu olhar para ela...e na véspera da entrada em funcionamento de uma serie de importantes alterações.... ainda não percebi!
 

Ao fim do dia fui dar uma olhadela pelo Reader, e eis senão quando (esta expressão é o máximo) um post da Mieepe que diz o seguinte:

 

Mulher indemnizada por impotência do marido 

 

Assim de repente esta é uma noticia assustadora.... mais tarde ou mais cedo.... e se a moda pega ....

 

Lendo com mais atenção.. aliás, depois de muito procurar, no site da RTP, lá percebi que quem pagou a indemnização foi a seguradora e não o marido, mas a noticia do correio da manhã não deixa de ser esclarecedora, vejamos:

 

...face à impossibilidade de qualquer relacionamento sexual com o marido, a esposa 'passou a ser acometida de permanente desgosto, apreensão pelo futuro, angústia, irritabilidade fácil e revolta'.

 

Nada que 50000 Euros não resolva!

 

Entretanto, hoje, 31 de Julho, é o dia mundial do orgasmo, "A data foi criada a quatro anos por mulheres inglesas, após descobrirem que 80% da mulheres não chegavam ao orgasmo"

 

80% ????????

 

Sem comentários

 

Jorge Soares

PS:A silly season chegou ao blog

 

publicado às 22:43

Incentivo À natalidade...

 

 

A noticia do Público diz o seguinte:

 

"O programa eleitoral que hoje o Partido Socialista apresenta propõe a criação de um subsídio de 200 euros para cada criança nascida em Portugal, que seriam depositados numa conta a prazo e que só poderiam ser mexidos quando a criança completasse os 18 anos."

 

Em 2007 o Governo socialista da Espanha anunciou que para incentivar a natalidade, haveria um subsidio de 2500 Euros por cada criança nascida ou adoptada, a este valor acrescem mais 1000 Euros que algumas das comunidades autonómicas (podem ler aqui) atribuem a cada nascimento e a isto acrescem mais 100 Euros que o estado já distribuía em cada nascimento, ou seja, 3600 Euros em dinheiro e que os pais das crianças podem utilizar como bem entenderem.

 

Eu não acho nada mal que se copiem as boas ideias, até porque há países na Europa que ainda são mais generosos, mas já que estamos numa de copiar, pelo menos que se copie como deve ser.... não?

 

200 Euros como incentivo à natalidade já é para rir, 200 Euros colocados numa conta que a criancinha só poderá movimentar quando tiver 18 anos e que os pais não podem utilizar, só pode ser brincadeira...  

 

A natalidade incentiva-se com ajudas reais aos pais, com pressão nas empresas para que se cumpra as lei da licença parental, com apoios para que existam cresches decentes sem que estas custem os dois olhos da cara, com uma educação pré-escolar obrigatória e gratuita para todas as crianças, com escolas com condições e professores motivados, com muitas outras coisas.

 

Brincalhões estes socialistas.... só pode ser brincadeira mesmo!

 

Jorge Soares

 

publicado às 22:04

Crianças com problemas, o que deve fazer a escola?

Imagem de aqui

 

É mais que evidente que o tema educação tem muito por onde "puxar",  e não é nada pacifico, basta ler os comentários ao meu post da passada Quarta-feira.  

 

Curiosamente na passada Sexta-Feira, a conversa de bloguers veio-me dar mais alguns argumentos e apesar de o caso de que se falou ser completamente oposto aos que referi no post, o problema é o mesmo: será o nível de exigência dos professores e da escola o adequado?

 

Ao contrario de mim e dos pais que deixaram comentários no post da semana passada, os filhos da Ana são miúdos aplicados e sem problemas de aprendizagem, mas a Ana tem queixas, queixas que para a maioria de nós não fazem muito sentido, mas para ela fazem, porque ela é exigente com os seus filhos e com a sua educação. 

 

Contava a Ana que costuma ir ver os textos de Português de um dos filhos e apesar das notas máximas e até elogios da professora, ela acha que o miúdo pode fazer muito melhor. É claro que o miúdo acha que a mãe é uma exagerada e que não tem que se esforçar mais, se a professora até o dá como exemplo. À  primeira vista, todos estamos de acordo com ele, mas as coisas não são assim tão simples, está claro que tirando os exageros da Ana, a professora coloca o nível por baixo, mas o que acontece se no ano seguinte vem uma professora que coloca o nível mais alto e não se contenta com pouco para dar notas máximas?

 

Voltando ao post da semana passada, a Mara e a Anabela dão o exemplo dos seus filhos, crianças que como o N. tem problemas que afectam a sua normal aprendizagem, tal como nós, ambas se questionaram se seria boa ideia os filhos passarem para o ano seguinte se não tinham atingido os objectivos necessários. Ambas concluem o mesmo que a professora do N., as crianças esforçaram-se e seria cruel e péssimo para a auto-estima se ficassem retidas. É um ponto de vista válido e de certeza partilhado por profissionais da área.

 

Na verdade eu não o partilho, quando as crianças não atingem os objectivos é porque não adquiriram os conhecimentos necessários, no ano a seguir há novos objectivos e novos conhecimentos a adquirir e nas disciplinas básicas o background é fundamental, uma criança que não consegue ler e escrever bem, de certeza que não conseguirá fazer composições ou analisar textos, uma criança que não sabe fazer as contas como deve ser, terá muitas dificuldades em conseguir resolver problemas lógicos. Os colegas vão avançar e a professora vai dar a matéria do ano, ninguém se vai lembrar que aquela criança não conseguiu adquirir os conhecimentos todos e ninguém voltará atrás a explicar o que já se deveria saber. Resultado, estas crianças não conseguirão avançar, ficarão muito mais atrasadas e a sua auto-estima, que até estava alta porque passou de ano, virá por aí abaixo e será muito difícil que volte acima.... principalmente se no fim de este novo ano ele voltar a transitar para o seguinte acumulando falhas e deficiências.

 

Eu acho que a escola deve preocupar-se em ensinar e em avaliar conhecimentos, e o aluno ou os adquiriu ou não e se não os adquiriu deve ficar retido, será muito mais fácil repetir a matéria e voltar a ver o mesmo do que avançar e acumular lacunas que irão impedir que tenha bases para poder seguir em frente.

 

Talvez este meu ponto de vista seja antiquado e até cruel, mas não será mais cruel criar nas crianças a ilusão de que está tudo bem quando todos sabemos que no ano a seguir as coisas serão muito mais difíceis?

 

Jorge Soares

 

 

publicado às 22:03

A vida pode ser um jogo de carimbos?

por Jorge Soares, em 26.07.09

 

Indice de desemprego

 

Nos meus tempos de estudante quando ainda vivia lá para o Poço dos Negros, todos os dias adormecia a ouvir alguma das emissoras espanholas, gosto da rádio falada e para isso não há como os espanhóis. Numa dessas noites que entrou pela madreugada, o tema era os mais de 10% de desemprego que atingia, e atinge, a Espanha. Um dos locutores de serviço dizia que não acreditava, simplesmente não era possível que 12 ou 13% da população estivesse sem emprego. A explicação, mais que obvia para o caso, era a enorme economia paralela, as pessoas declaram-se sem emprego, ficam a receber o subsídio de desemprego e paralelamente tem um segundo emprego não declarado e vivem, muitas vezes muito bem, disso.

 

Este fim-de-semana lembrei-me desta conversa, primeiro foi este post no Blogando-me, que mostra alguma da realidade do que acontece em Portugal e depois, na viagem a Bragança, o Neca, que me falou do jogo dos carimbos.

 

O Neca tem uma pequena loja no centro de Bragança, não precisa de empregados, a loja é dele e para ele, mas mesmo assim, nos últimos tempos há muito quem lhe entre pela porta dentro com um papel na mão e um pedido:

 

-Pode colocar-me um carimbo?

 

Assim, sem mais conversa ou preâmbulos, não há ninguém que pergunte se precisa de empregados, ou se tem algum trabalho que possa fazer, a pergunta é mesmo pelos carimbos.

 

Para quem não sabe, a nova lei do subsidio de desemprego obriga as pessoas a fazer prova da procura de emprego, para isso basta um papel com carimbos de algumas empresas, de aí até à corrida aos carimbos, foi um muito pequeno passo, e não me estranhava nada, que até já exista um mercado negro de carimbos.

 

Esta corrida aos carimbos e o que é contado no post do Blogando-me, são o espelho da sociedade em que vivemos, é o lado perverso do estado previdência, hoje fala-se em 10% de desemprego, há quem coloque em dúvida estes números, há quem diga que a percentagem é muito maior. Para se questionar estes números haveria que começar por perguntar o que é um desempregado.

 

Um desempregado é alguém que não tem emprego e que está de alguma forma há procura dele, agora eu questiono, será que as pessoas de que se fala no post do Blogando-me querem mesmo um emprego?

 

Quem não ouviu falar de pessoas que estão a viver do subsídio de desemprego e que só aceitam empregos onde lhes paguem mais que o que recebem? Ou de pessoas que são chamadas e inventam todas as desculpas para não aceitarem o emprego que lhes é proposto? Ou de casos como os que são referidos no post do Blogando-me?

 

A Espanha é desde há muito tempo o país da Europa Ocidental com maior índice de desemprego, mas também é desde há muito tempo o país com a maior economia paralela. Há quem diga que o dinheiro vivo que existe escondido na economia espanhola daria para retirar o país da crise. Em Portugal ainda estamos longe disso, mas quando falamos em desempregados falamos de quê?, das pessoas que querem um emprego ou das que andam à cata de carimbos que garantem que podem continuar a receber o subsidio? ou daquelas que são referidas no post do Blogando-me?

 

Jorge Soares

PS:imagem retirada da internet

 

publicado às 22:36

HISTÓRIA DE ROSA BRAVA I

por Jorge Soares, em 25.07.09

 

Rosa Brava

 Imagem minha retirada de Momentos e Olhares

 

Isabel se chamou a primeira filha do casal. Passados dois anos, nasceu a Rosa da nossa história. Veio depois um rapaz: o Chico. Depois, outro – o Quim-Quinzito; mas este morreu de ano e meio, por isso nunca chegou a ter outro apelativo na sua breve passagem pelo Mundo. Finalmente, nasceu Marília, a deliciosa Marília.

Marília! Até o seu nome era idílico e raro. Dera-lho tia Glória, sua madrinha. Achara-o cantado num livro de versos, pois tia Glória era o membro de mais letras da família. Porventura nem será grande favor – declarar que mais letras tinha tia Glória do que toda a restante família junta. 
Flor mimosa, Marília

(Flor mimosa, 
fresca rosa,

versejara em seu louvor tia Glória, pois tia Glória até fazia versos), flor mimosa, Marília manifestou-se de uma saúde extremamente susceptível: Não comia, debicava como um passarinho. Qualquer correntezinha de ar a ofendia. As mudanças de estação davam-lhe febres, tremuras, enxaquecas. E um raio de sol mais forte, lá estava a nossa Marília prostrada! Pena – porque era linda. Com razão gostava sua madrinha tia Glória de a contemplar, cantarolando com melodias da sua invenção quer os versos que lhe fizera, quer os do livro onde achara o seu nome:

Vou retratar a Marília, 
A Marília, meus amores; 
Porém como, se eu não vejo 
Quem me empreste as finas cores? 
Dar-mas a terra não pode;

Não, que a sua cor mimosa 
Vence o lírio, vence a rosa,
O jasmim e as outras flores.


Desde muito nova, demais, se recomendou Marília por seus modos muito afáveis, seus gestos mesurados e macios, seus movimentos de cisne, e um sorriso e um meio baixar de pálpebras tão doces, tão discretos, que eram a sedução de toda a gente. Beleza um pouco frágil, no sentir de seu primo Rogério. (Adiante falaremos do primo Rogério, tenha paciência a leitora.) Mas sem dúvida encantadora, sem dúvida, a nossa flor de estufa da Marília! Tanto que algumas vezes tia Glória se espantara consigo – e não vou jurar que o não chegasse a expressar em voz alta – de terem podido gerar tal prenda a triste da irmã e o bruto do cunhado. Se fora sua filha dela, tia Glória, sim: já houvera mais explicação! E por tudo isto e por ser a mais nova, desde logo se tornara Marília o ai-jesus da casa.
Também por outra razão: umas dessas razões que, mexendo com interesses menos nobres, quantas vezes encafuados no secreto das pessoas!, nem sempre se torna conveniente que o narrador traga a lume. Era o caso que não só alardeava sua madrinha as mais belas letras da família, senão que também as mais belas notas em herdades e outros bens. Compreenda o leitor que a palavra nota vai aqui tomada no sentido que lhe dão as boas gentes de Castelo de Vide, fresca vilazinha alentejana em cujos arredores viviam os heróis desta bem singela história. Claro que tia Glória também tinha prédio no próprio coração da vila, onde passava largas temporadas.
Quanto a Margarida e Rodrigo, os progenitores, nem sempre viviam desafogados. Margarida trouxera em dote uma boa lavoura. Por seu turno, Rodrigo fora criado com mimos de filho único. Talvez por isso, era um homem mandrião, exigente, caprichoso, com raivas tempestuosas se o contrariavam; e que ora abandonava as terras aos rendeiros, entregando-se à caça e aos cavalos, ora as submetia a pretensos novos métodos que, mal compreendidos, mal assimilados, tentados sem continuidade, só depauperavam o solo. Um fraco, mas violento; um autoritário frívolo.
    Sua mulher Margarida nunca sonhara opor-se-lhe. Casara por paixão; e com a mesma doentia chama ardia tal paixão ao cabo de muitos anos de matrimónio – retraída pelo respeitoso temor que lhe inspirava a irritabilidade do marido. Tão respeitoso era, aliás, esse temor, como gostoso: Nele e na submissão que o provocava achava Margarida um soturno prazer. E só perdia a cabeça, chegando, então, a decompor-se de gestos e palavras, quando lhe iam meter nos ouvidos algum novo capricho amoroso do consorte. Quer isto dizer que o tempo que lhe sobrava da caça, dos cavalos, das experiências agrícolas, o empregava Rodrigo cortejando (claro que não sem proveito) as campestres belezas vizinhas; às vezes até as raparigas da apanha da azeitona, ou as que eram chamadas para a chacina. Sem dúvida os justificados ciúmes ajudavam a manter, exacerbando-a, a paixão de Margarida.
   Mas o seu homem voltava-lhe; e não voltava sem intuitos muito reservados: porque já Margarida assinava quantos papéis lhe ele apresentasse, tonta de o ter de novo. Assim haviam abalado algumas das suas melhores terras. Outras iam abalando. Espertalhões (aliás laboriosos) que tinham sido seus rendeiros, já, paredes meias com a sua mal disfarçada decadência, e sobretudo à custa dela, patenteavam uma suspeita prosperidade crescente.
   Muitas vezes, em tais condições, valera tia Glória ao extravagante casal. Mais velha que sua irmã Margarida, recebera Glória luzes de instrução com que seduzira o médico do sítio. Além de médico, o médico era aliteratado. Rico, mais velho que a mulher, cercou-a de conforto e em larga medida completou a sua educação. As horas que não passava no jardim cultivando os seus cactos, as suas hortênsias, os seus crisântemos, a sua colecção de roseiras (breve o jardim da Senhora Dona Glorinha ganhou fama até para além de Castelo de Vide), passava-as Glória folheando novelas, livros de versos, revistas, almanaques literários. Dadas as predilecções e a biblioteca do marido, talvez essa cultura não estivesse muito em dia. Não impediu que Glória se tornasse a maior doutora de Castelo de Vide e seu alfoz.
   Perfeitos dez anos de casada, fora Deus servido deixar Glória sem o marido e com um filho, o Rogério: aquele em cujo espontâneo sentir, quando já Rogério podia ter opinião sobre o assunto, a beleza de Marília era um pouco frágil.
   Ora fora tia Glória quem, de iniciativa própria, se oferecera para madrinha de Marília. Decerto queria alguém a quem desse este pastoralesco nome.

Vou retratar a Marília,
A Marília, meus amores;
Porém como, se eu não vejo 
Quem me empreste as finas cores? 
Dar-mas a terra não pode; etc.

Por suas letras, por seu dinheiro, por suas flores, por sua independência de opiniões e maneiras, se tornara tia Glória um caso tão respeitado como excêntrico no burgo. Personalidade que até a Rodrigo se impunha (daí, talvez, que também ela manifestasse uma estranha benevolência – não obstante muitas palavras ásperas – pelas doidices e prodigalidades do cunhado), não parecerá muito inverosímil que, perante os próprios pais, se revestisse de mais um prestígio a afilhada de tia Glória: da ilustrada e rica tia Glória, que já várias vezes lhes valera.
   Aos olhos da mãe tinha também Marília um particular mérito: De todos os filhos, só ela conseguia reter visivelmente o carinho do pai. Decerto, como homem, com superior condescendência acolhera ele o nascimento do primeiro filho varão. Para Marília, porém, era outra coisa. Só esta, com as suas graças e denguices, a sua delicada frescura de rosa, os seus movimentos de ave, o acalmava um pouco nos acessos de irritável melancolia. Por ela se entretinha ele mais tempo em casa.

 

..... Continua

 

In RÉGIO, JoséHistórias de mulheres , Porto, Portugália, 1946, pp. 200-225.

 

Reirado de:Ficções

 

publicado às 19:42

 Desde o PREC até Hoje, analfabetos funcionais

Imagem retirada do Público 

 

Nos dois ultimo dias a blogosfera tem sido um reboliço por causa desta noticia que podemos ler no Público:

 

Escola de Vila Nova de Anha passou um aluno com nove negativas

 

Lembrei-me de algumas coisas, coisas de há bastante tempo e outras bem recentes cá em casa

 

Estava eu na primeira classe lá na aldeia em Oliveira de Azemeis, já lá vai muito tempo desde essa altura, quando as crianças deixaram de chumbar na primeira classe, havia 3 ou 4 colegas meus que finalmente passaram para a segunda, e acho que foi aí, algures em 1974 ou 75 quando a desgraça começou... ou seja, a culpa é do PREC e desde então para cá, é repartida por muita gente.

 

Voltei para Portugal em 1989, e  uma das primeiras coisas em que reparei, é que havia muita gente na faculdade com muitíssimas dificuldades a matemática, percebi porquê quando alguém me explicou que em Portugal, os alunos podiam chegar à faculdade sem nunca terem aprovado a matemática, na altura podia-se chumbar até duas disciplinas sem se chumbar o  ano (ficar retido, dizem agora)  e sem ter que as aprovar.

 

Ora, eu no 10º ano cheguei a Julho e tinha 9 a Física, para mal dos meus pecados, porque passei todas as férias a ter explicações, mas quando cheguei a Setembro tive 16 no exame, se não tivesse passado em Setembro tinha exame em Dezembro, e depois em Março..e se chumbasse em Março, voltava ao 10 º ano, ninguém avançava na escola sem aprovar TODAS as disciplinas... isto era na Venezuela e acho que continua assim, Chavez ou não Chavez, e a Venezuela é um dos países no mundo com maior percentagem de  pessoas com educação superior.

 

Recordo-me que foi mais ou menos por essa altura, 1989 ou 90, estava o Cavaco Silva no governo, quando se deixou de chumbar até ao 9º ano, de então para cá as coisas mudaram várias vezes, até chegar ao estado actual em que qualquer professor consegue explicar que dá muito mais trabalho chumbar um aluno que fazer com que este passe, principalmente porque é preciso convencer os paizinhos da criança.

 

O resultado de tudo isto, que recordo, começou com o PREC, só podia ser este. Eu nem critico a escola, estive a ler a noticia e até fiquei com pena do aluno, imagino que a vida não será fácil para ele... mas por muita boa vontade que se possa ter, acho que a escola fez um mau serviço neste caso e não fez favor nenhum ao miúdo, mas eu não critico ninguém, é a educação que temos. Já passaram quase todos os partidos pelo governo e nenhum tentou mudar as coisas, como dizia alguém, todos falam, falam, mas a verdade é que ninguém está para mexer nisto... e digo eu,  infelizmente.

 

Já disse aqui que o meu filho N. tem Dislexia e défice de atenção, para além de muita falta de confiança e auto-estima, chegamos ao fim do ano escolar e eu e a P. ponderamos se não seria melhor para ele ficar retido, não é bom para ele ser sempre dos ultimos da turma, fazer sempre pior e mais devagar que os outros, achamos que se ficasse retido teria oportunidade para amadurecer um pouco mais e ao voltar a ver tudo de novo, melhorar. Fomos falar com a professora, que para nosso espanto, até porque é uma professora das antigas, ela desaconselhou completamente, achou que ele evoluiu muito, que consegue recuperar, etc, etc, etc. A sensação com que fiquei é que não ia ficar bem na fotografia ter uma criança retida, isso para mim não era problema, mas quando percebemos que ele iria permanecer na mesma turma, com os mesmos colegas e não com outros do mesmo ano, desistimos, a única alternativa era mudar o miúdo de escola para passar para uma turma do ano dele, e isso nem era garantido, há escolas do primeiro ciclo em Setúbal com turmas em que estão os 4 anos juntos....

 

A conclusão que retiro é que na situação em que estamos, é mesmo difícil reter um aluno, de aí até chegarmos aos casos extremos como o da noticia, vai um curto, muito curto, passinho... o corolário de tudo isto, é que cada vez mais seremos um país de analfabetos funcionais, pessoas com escolaridade mas sem conhecimentos ou cultura... mas nem tenho a certeza se isso será muito mau..afinal não é essa a imagem que temos dos americanos?...e eles é que são a grande potência e o país das ideias e oportunidades.

 

Jorge Soares

publicado às 21:12

Adopção:Sou mãe adoptiva - preciso desabafar

por Jorge Soares, em 20.07.09

Adopção

 

 

Um destes dias recebi este email:

 

"Caro Jorge, descobri o seu e-mail no seu blog. Parece-me uma pessoa muito bem informada sobre esta temática (a adopção).


Eu e o meu marido, fizemos o nosso processo de adopção correctamente, através da Seg. social e estivemos quase cinco anos à espera que o telefone tocasse. Temos a viver connosco duas  irmãs já fez um ano. Quando vieram viver connosco, tinham sete e quatro anos. Recentemente, fomos à audiência para a adopção plena e qual não é o nosso espanto, quando o juiz nos diz que por ele estava tudo muito bem, mas que no nosso processo falta um documento - o da autorização dos pais biológicos - e que portanto tinha de pedir ao tribunal onde foi decretado que as crianças iam para adopção, que verificasse se se tinha extraviado, senão teria de mandar a GNR ir à procura dos pais biológicos para obter o seu consentimento!!!! (nesta altura do campeonato!).


Ficámos em estado de choque, mas com esperança de que o tal documento aparecesse, parecia-nos irreal que a incompetência ocorrida fosse para além do extravio de um documento - como é que o juiz original pode ter decretado a adopção e a seg. social ter-nos entregue as miúdas, sem existir o tal papel??!!! No entanto, agora não sabemos em que pé estão as coisas, porque o processo está em segredo de justiça, e não o podemos consultar, nem acompanhar que diligências estão a ser tomadas! Ficamos assim com a nossa vida em suspenso sem saber se neste momento estão a relembrar aquela senhora de que teve dois filhos, sem saber qual a reacção dela... isto se a encontrarem, e se não a encontrarem? quanto tempo levam a desistir de procurar? quanto tempo vamos ficar à espera, admitindo que no fim tudo vai correr bem?

Desculpe o desabafo, nem o conheço, mas não conheço ninguém que tenha adoptado, e parece-me que a nossa situação é absurda,......."

 

Quando terminei de ler o mail fiquei com um nó na garganta, porque eu sei a dor que uma situação destas causa,..eu sei a dor destes  pais, eu sei, passei por isso....... mas já falarei disso, para já deixo-vos com este apelo desta mãe, em forma de reflexão.

 

Agora só falta mesmo que encontrem os senhores, que estão há anos sem ver as crianças, e eles decidam que não autorizam e que depois vão  acampar para a porta do tribunal e levem a comunicação social atrás.

 

Há coisas pelas que as pessoas não deveriam ter que passar, e a dor da perspectiva de podermos perder um filho é algo que definitivamente ninguém merece passar, e muito menos assim, pela estupidez das pessoas...

 

 Jorge Soares

 

PS:Email copiado com autorização, alterei pequenas coisas de modo a evitar a identificação de pessoas e crianças.

 

 

publicado às 21:26

Gripe A, somos um país com uma mentalidade pequenina

Imagem retirada do DN

 

Depois de toda a paranóia à volta da gripe A, depois das milhares de horas de informação na televisão, depois de páginas e páginas nos jornais, milhares de posts em blogs e em tudo o que é site na internet, o mínimo que se espera é que a sociedade esteja minimamente informada. Está bem, a sociedade portuguesa nesta altura quer é férias, futebol e telenovelas e no verão não vê as noticias nem lê jornais que não sejam desportivos... por isso se calhar não está assim tão informada, mas no meio disto tudo, espera-se que pelo menos os médicos e restantes profissionais de saúde estejam informados e não caiam no ridículo da mentalidade pequenina...certo?.... errado.

 

Tinha visto a noticia em rodapé na televisão e depois confirmei no Dn de Sábado, o pior é que esta é a segunda vez que vejo uma noticia parecida, noticias onde o comportamento dos médicos e pessoal de saúde deste país é no mínimo inadmissível, senão vejamos:

 

"o médico perguntou-me se a minha filha tinha mais algum sintoma, vómitos diarreia ou dores. Disse-lhe que não, mas ele ausentou-se de imediato e reapareceu equipado com máscara e vestes protectoras. A partir daí foi o inferno....!

 

Isto foi no centro de Saúde Boticas, em Vila Real, mas a descrição do que aconteceu no Hospital de São João no Porto, um dos hospitais de referência para o tratamento da doença em Portugal é assustador e digno da idade média, de novo copiando a noticia do DN

 

Apesar de a médica ter afastado a hipótese de gripe A, disse ser necessário fazer exames para ter a certeza, o que só veio a acontecer cerca das duas da manhã. " Entretanto a menina sentiu necessidade de novo de utilizar material sanitário. Saí da sala e recebi esta resposta de um funcionário: Não sai da sala, se a a menina quiser defecar que o faça no chão. Às três da manhã mandaram-nos para casa". O DN tentou contactar sem sucesso os responsáveis do S.João.

 

Diga-se de passagem que afinal a miúda estava apenas constipada, como disse antes, o Hospital de São João é um dos hospitais de referência para o tratamento da Gripe A em Portugal, e os profissionais de saúde deviam ter o mínimo de formação e informação, já para não falar em decência e bom senso, estamos no século XXI e a falar de uma gripe, não no século XVIII e da Lepra. Tratar as pessoas desta forma só mostra incompetência, falta de profissionalismo e de sensibilidade.. e esta é a situação quando temos umas dezenas de infectados, eu pergunto-me como será quando tivermos milhares ou milhões se realmente se cumprirem as piores previsões.

 

Incrível e lamentável.

 

Jorge Soares

publicado às 20:56

Os amantes aprovados... Fim

por Jorge Soares, em 18.07.09

 

Os amantes aprovados

Continuação do conto Os amantes aprovados de Agustina Bessa Luis, podem ler a primeira parte aqui

 

 

Foi ela a primeira a compreender e a revelar que a viúva tinha um amante. Era um rapaz de vinte anos, muito estranho, magrinho, e que leccionava num colégio; chamava-se David, tinha vindo das Ilhas, sem recursos, para estudar. Era interno, portanto, e passara a pagar com explicações aos primeiros ciclos as suas propinas. A viúva conhecia-o como colega dos filhos mais velhos, há bastante tempo, vira-os nas mesmas manhãs de Verão saírem juntos para o banho, com a toalha enrolada presa pelo cinto do maillot. Nos dias de aniversário, David sempre mandava um postal ilustrado às meninas - sempre garotas ricas entre flores, em áleas de jardins, e cores muito brilhantes. Ele era tristonho, quase bronco quando desconfiava de alguém ou simplesmente não conseguia adaptar-se; mas, familiarizando-se, rasgada a sua casca de timidez feroz, de orgulho mais feroz ainda, era maravilhoso. Havia nele uma coragem de sinceridade que nem era maculada pela consciência de virtude que a razão nisso podia surpreender. Na sua aceitação de tudo o que acontece, de tudo o que triunfa, de tudo o que perde, de tudo quanto é inútil ou sem estética, de tudo quanto é belo para vexame da nossa própria alma, havia paz. Às vezes sorria, quando todos se agrupavam fazendo traduções do latim, repuxando uma beiça sinistra sobre o queixo. Sorria, com o livro aberto diante dele, como se seguisse uma imagem deveras cheia de interesse e de humor. 

   - Em que pensa? - perguntava-lhe a viúva. Ela sorria também. 

   - É tão tolo viver exactamente assim - dizia David. - Dividimos o tempo e emparedamo-nos dentro dele. Mas não há tempo, o tempo não existe, o tempo é apenas memória. Olhe as violetas nessa jarra... murcharam, mas não têm a recordação da sua frescura, portanto existem num tempo único - compreende? 

   - Compreendo. - E ela já não sorriu. O rosto cansado estremeceu, crispou-se, e voltou a adquirir a sua fria brandura habitual. Sim, tinha compreendido. Durante muitos dias esgotou-se em imobilizar-se dentro dela própria, em rastejar em torno da sua alma, para que ela não pressentisse quanto a vigiava, vendo se dormia ou velava; durante muitos meses viveu metodicamente entre a sua pequena gente escura, questionadora, mesquinhamente ansiosa e que se atraiçoava de quarto para quarto, de prato para prato. Julgava-se sossegada e igual a outrora, surpreendia-se a rir jovialmente, porque tal libertação a exaltava e lhe dava uma espécie de febril felicidade. Depois, recaía de súbito; David obcecava-a até ao ódio, queria que ele partisse, inventava planos para o afastar, para deixar de o receber, para não o ver mais; achava-o sem importância, voltava a rir-se da sua cegueira, a acusar-se de insensatez, de malignidade, de vileza. Rezava muito, mas, na sua prece, no mais ardente voto, brotava-lhe do coração o nome dele, mergulhava numa prostração terna, exasperada e submissa por fim. Adoecia e renascia da doença como a serpente que se desprende da própria pele e se esgueira vigorosamente para fora do ninho bolorento. Assaltavam-na escrúpulos que se traduziam em manifestações de sacrifício; o seu amor pelos filhos parecia recrudescer, escravizava-se a eles, contente se dominava a própria impaciência e o juízo desfavorável que o carácter deles, as suas pegas, a sua nulidade, o seu egoísmo desamparado e impotente lhe provocavam. Matava-se lidando inútilmente, infeliz quando percorria a casa e via que todas as coisas estavam correctas nos seus lugares, que a poeira vogava no ar sem poisar; tudo era tranquilo e mesmo, sob a mesa da sala, os gatos dormiam indiferentes a travessuras no velho tapete inglês muito rapado nas bordas como um caminho trilhado de roda dum capinzal. Sentava-se um momento, com as mãos no regaço, como alguém que espera num banco de estação; a imobilidade doía-lhe, agitava-a uma saudade de lágrimas que não podia chorar, e tudo o que até ali vivera lhe parecia importuno na sua memória. Punha-se a pensar então em David, o sangue pulsava- -lhe devagarinho nas têmporas, ela sorria como uma rapariga. Pensava nele, encontrando sofrimento e alívio porque ele lhe aparecia de repente tão distante como alguém já morto, como alguém a quem, à força de dedicar sentimentos e projectos, nos aproximou da indiferença e da erosão da alma. A vida como que estancava, ficava-se distraída a olhar pela janela o céu frio de Primavera que tão bem lhe sugeria toda a vila desenhada numa luz apática, com sombras que cresciam rapidamente pelos muros, com campos e noras, flores miniaturais balançando-se imperceptìvelmente como cabecinhas senis; e os areais onde se compunham redes, escurecidos aqui e além pelos detritos do mar, com recortes de babugem que, devagar, se evaporava. O céu frio de Primavera sobre a vila! Sobre as gavinhas tenras cheias ainda de penugem cinzenta; sobre os talos novos de roseira que, partidos, vertiam seiva doce; sobre os campos, sobre os campos... Frios, dum verde inacabado, com terra fria, fechada, hostil ainda, por debaixo. Esse arrepio agudíssimo do fim de tarde de Primavera comunicava-se-lhe. E, trémula, retomando a custo o movimento, a vontade, voltava a apropriar-se de si mesma. 

   Quando falaram as vozes, dizendo que David e ela eram amantes, isso apenas se explicaria pelo pressentimento de catástrofe a que são sensíveis as colectividades. Viam-se pouco, nunca se tocavam; mas havia decerto neles uma exaltação de paixão que o próprio silêncio, a própria ausência e aparência de serem estranhos, confidenciava. Os filhos passaram a abandonar mais a casa, a tratá-la com uma cerimónia constrangida. Alguns choravam um pouco pela nostalgia da simbólica mãe; de resto, fora sempre o símbolo de mãe que eles tinham amado, e não a ela. Não a ela. Outros faziam-se mais viris com essa realidade que no fundo da alma os vexava; e torturavam-na. 

   - É verdade? É verdade? - diziam. - Sempre fomos bons filhos, a pobreza não nos fez corar nunca, bruníamos as nossas roupas ao serão para te poupar canseira, desprezámos as raparigas para não te abandonarmos. Destruíste tudo isso. Já não podemos ter confiança, porque tu nos cuspiste na cara. 

   - Mãe, mãe! - diziam as moças, com trejeitos duma cólera ávida, repelente, destruidora, a cólera sem finalidade das mulheres, que é apenas pretexto duma afirmação, duma quase vingativa expansão do sexo. - É uma canalhice!... 

   E o próprio David, que sentenciava com uma voz em que se entrevia mais o prazer da audácia que a intenção de a poupar a ela: 

   - Não há acções canalhas, mas almas canalhas. A mesma acção vivida por almas diferentes não é a mesma acção. 

   Ela suspirava, levava a mão ao rosto como se fosse defender uma pancada. Não compreendia; não compreendiam. E, quando David encostava a cabeça nos seus joelhos, o silêncio denso os envolvia, o silêncio amassado com todo o vociferar da rua onde brincavam crianças e se descompunham peixeiras, com todos os soluços de agonia dos que morriam na solidão terrível daqueles a quem o próprio pecado abandonou, ela encontrava felicidade. Um dia, constou que se tinham matado. Ela aparecera com duas balas no peito, no soalho do seu pequeno quarto onde se respirava essa miséria estéril dos que apenas duram, apenas dormem, apenas sonham, apenas mentem. Castiçais de vidro, sobre a cómoda, diante de imagens baratas de arraial de peregrinação, tinham velhos pingos de estearina cobertos de pó. David respirava ainda. 

   O caso, muito abafado, passou depressa, pois o mundo gosta de resgatar a sua responsabilidade com o esquecimento. Sim, com o esquecimento que antecede sempre a redenção. Tudo passou depressa; portanto, poucos anos depois, a vizinhança só banalmente se referia à viúva, aos filhos que tinham partido ou porque casavam, ou porque os vitimara uma febre, um desastre, ou porque a província os devorara como pequenos burocratas. Só quem fielmente se lembrava de tudo era a loira mestra de meninos, que continuava a corrigir problemas na sua mesa iluminada pelo candeeirinho que o tempo entortara e cujo abat-jour ficara sujo e pingão como um saiote de bailarina de guignol. A luz amarela fazia resplandecer os seus cabelos, e ainda os frequentadores do cinema olhavam, com um interesse logo extinto, o recorte da sua cabeça na vidraça. Mas já não faziam comentários. 

   - Raça! - murmurava a mulher, riscando ferozmente de vermelho os cadernos cheios de borrões cor de violeta e onde a tripa da tinta se desenhava. Loló engordara e já não tinha olhos verdes, já não usava sombrinhas japonesas; já não tinha pretendentes vestidos de flanela branca como Conrad Nagel, como o Barrymore; casara com não sei quem, desia aos tropeções a sua escada estreitinha, agarrando-se de lado ao corrimão, com uns velhos sapatos debruados de pelúcia e que ganhavam pulgas - oh, esses sapatos de lã que criavam pulgas alimentavam a comunicabilidade calaceira, morosa, feliz, com mais do que uma vizinha! -, ia escolher papos-secos na padaria, fazendo-lhes estalar a crosta entre os dedos, espremendo razões de protesto em todas as coisas que aconteciam. 

   - Raça! - dizia ela também. A mãe, ainda oxigenada, corajosa ainda porque se pintava sobre as rugas, sobre as feições desfeitas, desprendera-se muito dela. Às vezes pensava na viúva, em David, no seu amor que sentia vivo, penetrado no próprio céu frio de Primavera, fluindo de todas as coisas, mesmo as mais ingratas e inexpressivas coisas do mundo. Tinham-se amado - eles. Naquela casa de sobreloja onde habitara a viúva, não podia ver ninguém correr um estore, abrir uma janela, atirar fora os restos dum cinzento, sem que julgasse que tudo estava a acontecer ainda. Que, no quarto, que recebia luz duma clarabóia do corredor, dois seres tão verdadeiros como só podem ser os que compreendem que a morte participa da vida e a completa, agonizavam, sem tragédia, sem veemência, porque a tragédia, a veemência, não é dos que cumprem, mas dos que apenas os imitam. Os cartazes expostos no passeio do cinema, as mulheres serpentinas de olhar vidrado ou fulgurante, as paixões estereotipadas dum mundo senil, esgotado, impaciente! E aquela criatura, sem juventude, que vestia batas de chita, que era talvez um tanto estúpida e sem importância, mas cuja fealdade, limitação, pobreza, mereciam uma aprovação através do amor! Assim sentia a mestra de meninos que continuava a distribuir aos domingos pacotinhos de pastilhas Naval, reclamando o dinheiro certo na palma da mão para a dispensarem dos trocos. Os garotos apinhavam-se, repeliam-se, esmagavam-se contra o balcão, ela dizia "raça!", entediada e, apesar de tudo, lírica, porque não abdicava dos seus cabelos loiros, da sua solenidade, e porque, enfim, em cada esteta falhado há um lírico que se procura. 

   Esta é a história simples dos que chamamos os amantes aprovados. Esquecíamo-nos de dizer que David sobreviveu. Que lhe aconteceu depois, não sabemos. Ou antes, na última vez que fomos à cidade, encontrámos na rua um homem que se lhe assemelhava muito; os cabelos eram mais raros e usava óculos. De resto, caminhava muito depressa e não o pudemos observar muito. Parecia um desses eruditos pobres que vivem num saguão, dormem sobre uma arca e eles próprios cozinham um arroz esturrado numa máquina de petróleo. Era bem ele, com o seu olhar retraído, fino, persistente, mas não podemos jurar. O mundo está cheio de pessoas que se parecem e todas se continuam, sim, todas se continuam. De qualquer modo, o David que nós conhecemos há muito... Mas nada temos já a acrescentar a esta história. 

 

  In BESSA-LUÍS, Agustina. A brusca, Lisboa, Livros RTP, pp. 89-102.  

 

Retirado de Ficcões

 

publicado às 20:12

JARDIM QUER PROIBIR COMUNISMO EM PORTUGAL

 

Aqui há uns dias todos ficamos indignados, eu incluído,  com um ministro que resolveu que no parlamento o que ficava bem era a tourada.... o homem demitiu-se de imediato e não faltou em Portugal e no mundo quem falasse do assunto. É claro que toda a oposição foi unânime e até o presidente da República veio a terreiro mostrar a sua indignação.

 

Dito isto, ante uma proposta que prevê:

 

"proibir o comunismo na Constituição, a exemplo das “organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. Retirado desta noticia do Público.

 

O que diz o PSD nacional?, e o que dirá o Sr. Presidente da República? o que diz a Dona Manuela Ferreira Leite?

 

Segundo a mesma noticia do Público, olham para o outro lado.

 

O que vale ao Alberto João, é que felizmente e ao contrário do que ele desejaria, ainda vivemos em democracia... e portanto ele pode fazer e dizer todos os disparates que lhe apetecer... que nós olhamos para o lado.

 

 Jorge Soares

publicado às 14:15

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