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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Hoje ia falar sobre as mentiras das crianças.. incluindo as minhas quando era criança... e sobre como as coisas cá por casa tem andado mais ou menos agrestes... entretanto num mail do António, que é um pai solteiro de duas crianças adoptadas, uma das quais já adolescente quase adulto, e um dos pais mais ponderados que conheço, encontrei o seguinte texto:
"As ansiedades dos pais pelo comportamento dos filhos são como ruídos no carro. Alguns ruídos indicam problemas sérios e precisam ser solucionados para manter o carro em andamento tranquilo, mas na maioria são aborrecimentos secundários na viagem. Quando nos concentramos nos ruídos, perdemos o prazer da viagem…
Lamentavelmente é só mais tarde que percebemos quantos prazeres ignoramos no caminho. Só mais tarde é que aprendemos que a criança que cresceu com o quarto mais desarrumado mantém um apartamento limpo ao viver sozinha, ou presenciamos o filho que era indiferente com a lição de casa se transformar num adulto mais do que bem-sucedido. É só mais tarde que admitimos as limitações do nosso poder para conduzir um filho à maioridade.
Gostaríamos de ter entendido antes que cada filho é uma pessoa em si, alguém que está em fase de treinamento para se tornar um adulto. Somos treinadores, não criadores. E como bons treinadores sabemos que encorajar e aceitar são atitudes mais eficazes do que pressionar e criticar, para que ele se revele como bom atleta ou como adulto saudável."
Tinha lido isto há uns dias, ontem ao fim da tarde sentado na areia da praia de Albarquel enquanto olhava para as birras da D. e a paciência do N. com ela, dei por mim a recordar fragmentos disto. A verdade é que ser pai é muito complicado, criar e educar são tarefas muito complicadas depois temos a tendência a esquecer que os nossos filhos não passam de crianças, não são adultos, não tem a responsabilidade dos adultos, nem as preocupações dos adultos, não vivem à nossa velocidade nem com as nossas ansiedades.
Neste fim de semana tivemos mais um dos episódios com o fogo .. e mais uma vez sinto que perdi a calma e o descernimento... na verdade nem eu nem a minha meia laranja sabemos muito bem como olhar para o assunto . Quando falamos com a pedo-psiquiatra que o segue sobre isto e sobre se nos haviamos de preocupar ou não, ela respondeu o seguinte:
-Eu quando era miúda adorava ver a minha avó matar as galinhas, e depois pegava nas cabeças, brincava com elas e retirava-lhes os olhos.. isso não fez de mim uma psicopata!
Ontem sentado na praia dei por mim a pensar que há algo de errado na forma como tenho reagido com o meu filho.... que se parece demais com a forma como o meu pai reagia comigo.. e que não deixou nada de bom em mim...
Definitivamente eu não quero que os meus filhos olhem para trás e sintam o que eu sinto quando olho para trás... eles são crianças, não vão mudar... é suposto eu ser o adulto racional... eu é que tenho que mudar...certo?
Jorge Soares
Imagem da internet
Foi quase há um ano atrás que escrevi aqui e aqui sobre a retenção das crianças no mesmo ano e sobre a forma como o nosso sistema de ensino é cada vez mais permissivo quando os alunos não atingem os objectivos, foi nessa altura que escrevi o seguinte:
Já disse aqui que o meu filho N. tem Dislexia e défice de atenção, para além de muita falta de confiança e auto-estima, chegamos ao fim do ano escolar e eu e a P. ponderamos se não seria melhor para ele ficar retido, não é bom para ele ser sempre dos ultimos da turma, fazer sempre pior e mais devagar que os outros, achamos que se ficasse retido teria oportunidade para amadurecer um pouco mais e ao voltar a ver tudo de novo interiorizar os conceitos e melhorar.
Na altura terminamos por ceder à opinião da professora e ele seguiu para o 4º ano. Como seria de esperar este ano as coisas não melhoraram, mais de 80 % das fichas vem com insuficiente, ele raramente consegue concluir qualquer ficha no tempo determinado e em lugar de melhorar as coisas vão piorando, porque quanto mais matéria se dá na escola, mais evidentes se tornam as lacunas do passado, isto apesar de todo o apoio extra que lhe damos cá em casa, na escola e inclusivamente no ATL.
Está claro que uma criança que tem insuficiente em quase todas as fichas e trabalhos do 4º Ano não conseguirá ter sucesso num 5º ano em que se tem 11 disciplinas e onde não há tempo para estar a resolver lacunas que vem desde muito atrás. Se a isto acrescentarmos a dislexia e o défice de atenção, temos todos os ingredientes para o insucesso garantido. Por estranho que pareça, a única que não consegue entender isto é a professora. Falamos com ela e apesar de todos os nossos argumentos, ela insistia em que não, que ele não ficava retido.
Há algo de muito errado na nossa educação quando uma professora primária insiste em que um aluno deve transitar para o ciclo seguinte quando todos reconhecem, a começar por ela que classifica de insuficiente quase tudo o que ele faz, que ele não adquiriu as competências necessárias para poder ter sucesso.
Um dos argumentos que ela utilizou foi o da auto-estima... aliás, cada vez que surge este assunto as pessoas falam da auto-estima, mas eu pergunto-me, será que é benéfico para a auto-estima de alguém passar o ano inteiro a ter insuficiente nos trabalhos? Ser sempre o ultimo a terminar as fichas? O que vai acontecer com a auto-estima do meu filho quando ele simplesmente não conseguir acompanhar sequer o ritmo das aulas?
Será que há alguém que ache que um aluno que não consegue cumprir os objectivos do 4º ano tem alguma hipótese de sucesso no 5º? E o que vai acontecer com a auto-estima dele quando ao fim do primeiro mês a escola concluir que ele não está preparado para ser um aluno normal e o passar para um currículo alternativo que marcará definitivamente todo o seu futuro escolar? Por vezes as pessoas não tem a noção disto, mas o que está em jogo é o futuro de uma criança, porque no momento em que ela passa para um currículo alternativo não há volta atrás e isso pode marcar toda a sua vida.. quanto a mim é algo importante demais para se decidir com base no facto de que queremos a criança feliz porque passou de ano.
Um dos principais problemas do meu filho, é a falta de maturidade, eu quero acreditar que com mais um ano, com a repetição de conteúdos que ele já viu, com o apoio certo, ele vai conseguir superar as dificuldades e chegar a um nível mínimo que lhe permita alguma hipótese de sucesso quando ele avançar para o nível seguinte... até posso estar errado e mais um ano pode não resolver nada... mas acho que é a nós pais que nos compete decidir isso.
Para fazer com que a professora aceitasse que ele vai repetir o ano foi necessário pegar nas fichas do ano inteiro e com base no que ali estava perguntar-lhe se ela achava que ele ia ter alguma hipótese de sucesso no 5º ano... ante as evidências ela teve que dizer que não..e no fim, reconheceu que se fosse filho dela fazia o mesmo que nós estamos a fazer.... Uma afirmação triste, é a este tipo de pessoas que entregamos os nossos filhos, a pessoas que colocam os objectivos pessoais e da escola antes dos dos nossos filhos. Pelos vistos é mais importante ter uma folha imaculada sem alunos repetentes que o futuro das crianças ..e vale tudo para atingir objectivos.
Pois eu prefiro ter o meu filho com a auto-estima mais baixa durante uns tempos para depois poder ter a esperança que ela possa subir com ajuda e trabalho bem feito, a que a tenha alta durante o mês das férias e depois baixa durante 11 meses e quiçá para sempre.
Jorge Soares
Imagem de Henricartoon
Vendo pelo mesmo preço que comprei, ontem no Arrastão, o Daniel Oliveira dizia o seguinte:
Há fetiches e fetiches, já aqui falamos até do sexo no confessionário, mas convenhamos que a sala do plenário da assembleia da república bate qualquer igreja aos pontos... até porque igrejas existem aos milhares ...e salas do plenário da assembleia da república portuguesa... só há uma. ... e é preciso valor para uma cena destas... pena é que não tenham mostrado uma fotografia do casalinho...sempre ficávamos com uma ideia sobre se valia o risco ou não.
Mas eu ia falar da assembleia da república por outro motivo, nas eleições passadas entre os candidatos do PS ao distrito de Lisboa constava o nome de Inês de Medeiros, é mais ou menos normal que os partidos apresentem entre os candidatos a deputados figuras públicas mais ou menos conhecidas, também é normal que por um distrito apareçam candidatos que nada tem a ver com o mesmo, o que não assim tão normal é que se candidate por Lisboa alguém que tem residência em Paris.
Estranho mesmo é que a Inês depois de ser elegida continue com a sua residência em Paris, agora, inacreditável é que a senhora apresente as facturas da viagens semanais para casa...e por incrível que pareça e como podemos ver nesta noticia, a verdade é que lhe vão pagar as viagens.
Vocês desculpem lá, mas se a senhora não estava disposta a vir viver para Lisboa não se candidatava, e se queria continuar a viver em Paris, afinal são só duas horas de avião e demora-se muito mais a chegar a algumas capitais de Distrito Portuguesas, pagava as viagens do bolso dela, fazer com que o estado com o dinheiro dos impostos de todos nós pague as viagens é uma completa falta de vergonha, por parte dela e do PS que não só a elegeu sabendo do pequeno detalhe, como agora votou a favor do pagamento.
Hoje é dia 25 de Abril, e eu até sou dos que acredita piamente na nossa democracia..mas entre fetiches e deputados emigrantes... a mim parece-me que o nosso parlamento cada vez mais parece uma casa de passo.
Jorge Soares
Zeca Afonso
Imagem de Momentos e Olhares
Continuação do conto Tentação, pode ler a primeira parte aqui
«Perdoe-me, Irmã – murmurei com fingida humildade. – Perdoe-me, mas, quando soube que ia isolar-se do Mundo, eu próprio me senti abandonado... «É que eu, Irmã, conheço como ninguém o abandono e as misérias dos homens. Sou órfão. Nunca conheci pai nem mãe, ou antes, eles nunca me quiseram conhecer, porque me abandonaram... Sou filho do Pecado inconfessável, aquele que só a bondade dos seres votados a Deus pode redimir...»
«Era uma ignominiosa mentira, mas estava disposto a tudo para a enternecer. Na alma das mulheres, mesma a alma das mais puras e indiferentes, há sempre uma porta capaz de se abrir. Pode ser a da Vaidade, a da Ambição, a do Desejo, mas pode ser também a da Bondade. A questão está em descobri-la e saber bater a ela...
«Toda a minha existência – prossegui com voz afectadamente comovida – tem sido uma luta contra esta vergonha oculta e contra o desprezo e a indiferença dos outros. E no fundo, Irmã, apesar da minha aparente vitória sobre a vida – eu que nunca consegui amar, nem ser amado – continuo o mesmo homem perdido…»
«À maneira que ia falando ia espreitando nos seus olhos uma sombra de comoção, o momento crucial que me permitisse avançar mais um passo no caminho tenebroso que estava a trilhar, mas os seus olhos continuavam fixos e imóveis como os duma estátua... «Quando há pouco a vi entrar, Irmã, senti-me salvo... Não sei dizer porquê, mas senti que só a Irmã poderia impedir que eu me precipitasse no abismo que se abre aos meus pés... E agora, que sei o que vai fazer, sinto-me outra vez abandonado e perdido...»
«A minha voz assumira uma inflexão dolorosa e apaixonada e, pela primeira vez, a senti estremecer. A minha eloquência era vil e descabida, mas as palavras, o mais das vezes, não valem pelo que significam mas pelo momento e pela forma como são ditas... Intimamente rejubilei. Ofegante o comboio continuava infatigável o seu caminho através do planalto, e eu senti que era chegado o momento.
«Num gesto enérgico tomei-lhe as mãos, que se abandonaram inertes nas minhas.
«Olhe, Irmã – continuei num tom imperativo e doce – a doutrina de Sto. Agostinho já foi abandonada há muito pela Igreja e só os herejes, como Lutero e Calvino, a perfilharam. Não há predestinação para a santidade, e quem quiser atingi-la tem que a merecer. Para isso, porém, é preciso lutar e sofrer. Mais: é preciso pecar e sofrer o castigo do pecado. Repare bem, Irmã: S. Pedro negou o nome de Cristo três vezes antes de o galo cantar; S. Paulo só o reconheceu na estrada de Damasco; e Santa Maria Egipcíaca pagou com o corpo a passagem para a Terra Santa. Todos eles pecaram e amaram e todos eles alcançaram o Céu.
Acredite, Irmã, Cristo continua crucificado no sofrimento dos homens. E quem quiser sarar as suas chagas tem que se aproximar deles; tem que consolá-los e amá-los... O amor humano é o único caminho para chegar a Deus. Sim, o amor humano...»
«Aproximei a minha cara da sua e num gesto brusco passei-lhe o braço pela cintura. Ela não se defendeu, mas não posso descrever-lhe o pavor que se reflectiu nos olhos... Só sei que esse medo sideral, em vez de me comover, me encheu de um júbilo satânico... «Se és tão poderoso - pensei, num desafio sacrílego – porque não paralisas os meus braços, porque não fazes descarrilar o comboio?...»
«Tinha-a nas minhas mãos, mas tinha-a como uma ave presa nas garras de um gavião: trémula e apavorada. E não era isso que eu queria. O que queria era fazê-la trair o seu sonho, fazê-la pecar também, se não em actos, pelo menos em pensamento. Doutra forma – sentia-o confusamente – o meu acto não passaria de um acto inútil e torpe, e a minha vitória não seria completa. Não; nem sequer seria uma vitória. Aproximei mais a minha cara da sua, e vi-a retrair-se como se o meu hálito a queimasse. Depois, deliberadamente, apertei-a contra o meu peito e poisei os meus lábios sobre os seus. Primeiro com doçura, e depois com violência e apaixonado frensim. Sob o escapulário, sentia-lhe os seios duros e virgens e o coração bater descompassado, e as minhas mãos iam percorrendo sabiamente o seu corpo, procurando acordar, sob aquela camada etérea e divina de pureza, o seu instinto adormecido. Não sei que tempo durou essa abominação; sei apenas que só parei com esse criminoso manejo quando os seus lábios se entreabriram num suspiro e me pareceu – e digo pareceu-me porque penso hoje para minha tranquilidade que me iludi – que ela correspondia aos meus beijos. Continuei ainda com as minhas mãos apertadas nas suas, mas o que havia então em mim, mais do que alegria, era um cansaço terrível, como se viesse a caminhar, desde o fundo do tempo, através dos séculos infindáveis, para regressar a mim mesmo.
«Ela cerrara os olhos, e eu, sem saber como, adormeci. Quando acordei, em Irun, na fronteira, despertado pelo revisor, estava sozinho na carruagem.
«Desci à gare e procurei-a por toda a parte inutilmente. Mas não havia em mim ainda nem angústia nem remorso. Verdade seja que não me recordava dos actos abomináveis que praticara, mas apenas que prometera à Madre, em Burgos, encaminhar-lhe os passos. Foi só em Hendaia, já depois de ter ido à Polícia e à Alfândega, que voltei a vê-la. Estava de pé, encostada a um pilar da estação, com a saquinha aos pés, e um ar absorto. Chamei então por ela: «Irmã Maria Filipe.» Ela encarou comigo sem me reconhecer. Repeti o chamamento: «Irmã Maria Filipe.» Foi como se acordasse de súbito. Olhou-me fixamente, e nas suas feições pintou-se um tal pavor e uma tão desvairada repugnância que retomei imediatamente a consciência do que tinha feito... «Irmã... – murmurei com um desespero sem limites. – Irmã, perdoe-me...» Mas ela não me ouvia: continuava com os olhos fixos em mim e com as feições descompostas. Não sei o tempo que isso durou, só sei que, de repente, ela soltou um gemido e persignou-se. Depois, voltou-se e sempre com a saquinha apertada entre as mãos desatou a fugir pela plataforma como se fosse perseguida pelo Demónio. Ainda quis correr atrás dela mas fiquei paralisado e limitei-me a segui-la com os olhos até a ver perder-se entre a multidão...»
O homem calou-se bruscamente e eu vi o crucifixo tremer entre as suas mãos.
A cabeça descaíra-lhe sobre o peito e ele parecia-me agora um boneco de trapos ou um saco vazio. Eu pela minha parte – tal era o acento de verdade da sua narrativa – sentia-me, ao mesmo tempo, indignado e comovido. Aquele homem causava-me, contraditoriamente, horror e pena. Senti que devia respeitar o seu silêncio mas não me contive:
– E depois?
– Depois... – respondeu com dolorosa humildade – nunca mais a vi, e por mais que o tentasse, directa e indirectamente, nunca mais soube dela. Não sei se é viva se é morta. Mas é como se soubesse. Estou a vê-la, dia por dia, hora por hora, segundo por segundo... Estou a vê-la, senhor, ajoelhada aos pés do confessor, a confessar o meu pecado como se fosse o seu... Estou a vê-la, a sofrer as insónias e os remorsos do meu crime, e a penitenciar-se por ele. Sinto a sua carne rasgada pelos cilícios e a sua alma lacerada pela angústia, e – ai de mim! – não posso fazer mais nada senão arrepender-me. A única ideia que me consola é que eu, com o meu monstruoso crime, talvez tenha concorrido para ela alcançar o céu, e que, no fundo, não sou responsável por ele. Não acha, senhor?
Retirado de Contos de Aula
Há coisas na vida às que não há como dar a volta, já por aqui se falou de bulliyng, neste post eu falei de mim e de como tive que enfrentar a situação, de como até hoje restam marcas desse tempo.
Durante muito tempo pensei como reagiria se um dia sentisse que o mesmo acontecia com os meus filhos e de como não deixaria que isso acontecesse... bom, a vida é cruel.
A R. sempre foi uma miúda alegre e bem disposta, é despassarada e e desorganizada, mas nunca tivemos problemas na escola e ainda há um mês atrás eu estive a falar com a directora de turma e ela confirmou tudo isso, mas também disse que é uma miúda que não dá problemas... Era, nos últimos 15 dias tudo mudou de repente. A caderneta que raramente era utilizada passou a ter escritos quase diários e inclusivamente a directora de turma ligou para a mãe depois de uma actividade fora da escola que correu mesmo muito mal e com comportamentos inadmissíveis.
Fiz uma primeira tentativa de falar com ela que não deu em nada, inventou histórias e inclusivamente mentiu-me descaradamente, com a mãe abriu a alma. As reacções dela tem a ver com a forma como é tratada pelos colegas. Mentiu-me porque não quer que eu intervenha, porque acha que isso só vai piorar as coisas...
Esta tem sido uma semana complicada para mim, ainda há dois minutos a P. me perguntava o que me anda a chatear... na verdade não é só isto, mas também é isto... e eu sinto um formigueiro a mexer no estômago... tento manter a calma, tento deixar que a escola resolva o assunto... tento... mas não consigo deixar de pensar no assunto e na forma como há uns 30 anos eu o tive que resolver por mim....
É verdade que as coisas ainda não atingiram um nível de gravidade muito alto, mas o que sinto é que tem vindo a piorar e que se não colocamos um travão no assunto ....
Passamos tanto tempo a achar que estamos vacinados contra o mundo, a achar que porque estamos atentos, porque estamos em cima, porque nos preocupamos, as coisas não acontecem...e afinal.... Espero realmente que as coisas se resolvam, que a escola saiba estar atenta, que saiba resolver... porque caso contrário... bem, nem quero pensar... mas uma coisa é certa.. eu não vou deixar que a vida marque os meus filhos com as mesmas marcas que me marcou a mim.
Jorge Soares
Isto de ser pai a tempo inteiro tem-me mantido mais ou menos longe do mundo... Não leio os jornais à hora do almoço, não ouço as noticias na rádio nas viagens de e para o emprego, vejo os telejornais, mas o único que entendo é que há cinzas no ar e aviões em terra, em suma, ando mais ou menos a leste do que se passa neste nosso cantinho. O que me vale é que existe a blogosfera...e eis que ao passar pelo Charquinho, me deparei com uma referência a esta noticia:
Nos últimos tempos a pedofilia tem andado na ordem do dia por via do aparecimento de padres pedófilos mais ou menos como cogumelos no Outono, e também pela forma como a hierarquia católica tem tratado do assunto. Bom, depois de ler isto, se calhar a igreja é que tem razão, se é para os pedófilos saírem para a rua só com um puxão de orelhas e uma coima... então o melhor é mesmo ignorarmos o assunto, pelo menos assim poupamos muito dinheiro em tribunais e os juízes ficam com tempo para os casos mesmo graves..... Mas existe algo mais grave que uma violação repetida de uma criança de 8 anos?
Segundo a mesma noticia do Público, a pena poderia ir de 3 a 10 anos.... quanto a mim neste tipo de casos não pode haver atenuantes... este senhor deveria ter apanhado 10 anos e sem direito a sair nem um dia antes.
Como diz o Shark... noticias como esta mais tarde ou mais cedo levam-nos a esta outra:
Mas é que leva mesmo... eu vivia em Caracas quando tudo isto começou.....
Jorge Soares
Este diário não tem tido muitas entradas.. na verdade não há assim tanto para dizer... tirando que o São Pedro decidiu fazer caretas e converteu uma ou duas tardes de praia em tardes de Youtube, se continua a chover eu daqui a uns dias sei de cor tudo o que é musica infantil... Aqui há uns tempos eu dizia que as crianças deveriam nascer todas de dois anos e meio... é uma altura em que são amorosas e divertidas.. e esta é uma criança amorosa e divertida... para além de teimosa como uma mula e de ideias fixas... e para além de divertida é uma dançarina nata.
A D. é uma criança para quem a televisão não existe, para ela estar ligada no canal Panda, no telejornal ou desligada é exactamente a mesma coisa, ela simplesmente não olha.. é claro que a maioria de nós acha que isso é algo óptimo, eu também achava... agora já não sei muito bem. Mal vê alguém sentado ao computador, simplesmente corre e exige música.. e teimosa como é, não descansa até que está no youtube e com música a tocar.. e não vale a pena argumentar.. ela simplesmente não se cala nem se deixa convencer. A solução para poder olhar para as minhas fotografias e para os blogs.. foi colocar um computador ao lado deste, e ir ouvindo musica infantil...
De resto, passamos a maior parte do tempo na rua, a brincar nos jardins, ou a passear pela baixa de Setúbal, ou a tirar fotografias da cidade, ou a ver o rio e as gaivotas.. No Domingo alguém dizia que eu estou bem moreno... com uma miúda assim, que quer atenção o tempo todo a solução é ir para a rua, quando terminarem estes dois meses eu vou estar da cor dela... assim o São Pedro ajude.. que a praia é já ali ao lado.
Quanto ao resto, as coisas cá por casa correm lindamente, com os mais velhos mais ou menos comportados e sem muitos gritos nem guerras matinais... e até já ouvi dizer que eles me preferem a mim ... mas é melhor falar baixinho.. não vá a mãe ouvir. Os Xixis estão controlados e nos meus horários ainda não houve nenhum descuido, tenho-me fartado de passear pela cidade e este mês, sem contar as que estão na máquina, já vou em mais de mil fotografias...
E assim de repente.. pois.. é só isso.
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e olhares
Amar: (latim amo, -are)
1-Ter amor a; gostar muito de.
2- Estar apaixonado.
Como seria de esperar, o post de sexta-feira deu azo a algumas conversas interessantes, não só aqui no blog como fora dele e já deu para aprender um bocadinho, pelos vistos não são eles que estão muito à frente... sou eu que estou meio parado no tempo... que a maioria da malta já tinha ouvido falar disto.... Mas muito mais interessante que o Poliamor e um tema de conversa muito mais animado, é a parte de sim ou não se poderem amar duas pessoas ao mesmo tempo.
Em lugar das duas palavras mais comuns que existem em Português para demonstrar sentimentos, gostar e amar, em Castelhano existem 3, gustar, querer e amar, sendo que o querer está ali, entre o gostar e o amar.. existe até um poema de Andrés Eloy Blanco que se chama Pleito de amar y querer.
Me muero por preguntarte
si es igual o es diferente
querer y amar, y si es cierto
que yo te amo y tú me quieres.
-Amar y querer se igualan
cuando se ponen parejos
el que quiere y el que ama.
-Pero es que no da lo mismo.
Dicen que el querer se acaba
y el amar es infinito;
amar es hasta la muerte,
y querer, hasta el olvido.
Talvez porque cresci entre o querer e o amar e a tentar entender qual a diferença entre eles, eu acho que não, não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo. É claro que é possível amar alguém e sentir carinho e até gostar de outra pessoa, mas amar até acharmos que podemos entregar o nosso coração, não... porque o nosso coração só pode ser entregue uma vez de cada vez.
Eu acredito que podemos amar mais que uma pessoa na vida, mas não da mesma forma..e muito dificilmente ao mesmo tempo. É claro que o amor é um sentimento e como todos os sentimentos, vai mudando com o tempo e muitas vezes não o sabemos tratar de forma a que perdure.. e vão-se criando vazios... vazios que muitas vezes são preenchidos de forma temporária ou definitiva... é nesta altura que muita gente acha já ama duas pessoas.. eu acho que não, na verdade não ama nenhuma das duas..
E há quem utilize a palavra amor de uma forma leviana.. quem na verdade nunca ame realmente ninguém mas que vai pingando "amor" por aí..e há quem utilize o amor como desculpa para aventuras mais ou menos complicadas... e quem utilize a palavra para tentar amarrar... e ... há tantas desculpas.. mas será que há assim tanto amor?
Este post está meio estranho... deve ser porque nos mexemos em areias muito movediças... e se calhar não estou assim tão certo...
E vocês o que acham? é ou não possível amar a mais que uma pessoa ao mesmo tempo?
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e olhares
«O comboio pôs-se em marcha e ficámos sós. Só então, por estranho que pareça, atentei bem nela. A sensação que tive, não lha posso descrever. Eu nunca tinha visto e nunca mais voltei a ver ninguém a quem melhor pudesse servir a expressão «anjo do Senhor». Nem as virgens dos primitivos nem as dos italianos, nem mesmo as dos místicos espanhóis, em que, apesar de tudo, a carne se revela, por melhores que sejam os disfarces, para atestar a sua origem humana. Mas nela não. Ela, era a imagem da pureza absoluta, como a dum ser que tivesse sido gerado antes do pecado inicial. E não julgue que a sua figura era destas que podem ser concebidas pela imaginação de um asceta. Não; não havia nela nada de esquálido, ou de anguloso, nem esses lábios finos nem esse olhar mortiço que teoricamente são os atributos da castidade perfeita. Não; era uma mulher de olhar luminoso, de lábios cheios e formas harmoniosas que se moldavam nitidamente sob a severidade do hábito. O que havia nela de integralmente puro, posso mesmo dizer, de divino, era qualquer coisa que vinha de dentro e que, revelando-se através da doçura do olhar e da suavidade da voz, envolvia a sua configuração humana num halo imponderável e intangível de beleza etérea. Senti-me enleado e qualquer outro se sentiria no meu lugar; mas não havia no meu enleio, pode crer, outra coisa que não fosse uma espécie de arroubo místico, uma vontade de ajoelhar e de rezar como se Deus me tivesse concedido uma graça imerecida e inesperada...
«De repente, senhor, tudo se transformou, e ainda hoje estremeço de horror e de remorso, ao lembrar-me dessa transformação.
«A Irmã Maria Filipe – era esse o seu nome monástico – começara a falar da sua vocação religiosa. Desde criança que se sentira votada a Deus. Ninguém a induzira a professar e a família, de começo, opusera-se mesmo a isso. Mas ela vencera todas as resistências e tinham acabado por ceder. Começara por ser freira hospitalar, e conquanto o sofrimento dos homens a comovesse, o seu contacto desgostava-a. Por isso pedira – suplicara até – aos superiores que a deixassem ingressar numa ordem mais severa e mais isolada do mundo. E, pela graça de Deus, a autorização tinha chegado. Ia agora para Pau, encerrar-se numa espécie de túmulo, onde não chegavam nem a luz do sol nem as vozes dos homens.
E agora, na solidão e no silêncio, podia entregar-se inteiramente à oração e às alegrias supremas que ela proporcionava. Ia satisfazer o seu mais ardente desejo:
aproximar-se cada vez mais do seu divino Esposo e esperar ansiosamente pelo momento em que Ele a julgasse merecedora e a chamasse para Si.
«Eu começara a ouvi-la encantado. A doçura da sua voz e o entusiasmo místico das suas palavras tinham-me provocado uma espécie de anestesia do pensamento e da vontade que me enleavam completamente... Mas, de súbito, percebi que entre mim e aquela mulher não havia nada de comum. As palavras que dizia não eram para mim, mas para ela mesma. Compreendi então que, para ela, eu não tinha realidade nem física, nem espiritual, que eu, para ela, não existia.
«Ora foi na altura em que tomei consciência disso, nesse preciso momento, que se deu em mim a transformação em que lhe falei. Foi a princípio uma revolta surda, como que a irritação do homem novo em face da mulher jovem que sabe que nunca poderá vir a pertencer-lhe. Mas isso, que tinha ainda qualquer coisa de humano e justificado, durou apenas um instante, para ser substituído por um ódio absurdo e violento que já não dizia respeito nem ao meu instinto nem à minha consciência. Sim, meu caro senhor, era um ódio fora de mim, um ódio que vinha do fundo do Tempo, de tão longe, de tão longe, que ultrapassava os próprios limites da Criação. E aquele ódio não se dirigia contra ela, mas contra Aquele a quem ela se queria entregar: contra o meu Inimigo eterno e natural... Era a tentação – a tentação dominadora e invencível. E naquele momento eu não era outra coisa senão o próprio Satanás. «Julgas – pensei – que Ela vai ser tua? Julgas que vais tirar-ma? Enganas-Te. Porque Tu também Te enganas. Primeiro há-de ser minha, só minha.» Eu não sabia a quem dirigia aquele desafio; o que sei é que era veemente e sincero. E não pense que o que eu sentia era o desejo humano e natural que qualquer homem pode sentir por qualquer mulher. Não; era outra coisa muito diferente: a determinação diabólica e invencível de conspurcar aquela pureza, de aviltar aquele sonho, de aniquilar, para sempre, a tranquilidade espiritual daquela alma... Não sei que transformação se operou na minha fisionomia, o que sei é que ela tomou repentinamente consciência da minha presença e estremecendo murmurou: «Estou a enfadá-lo, irmão?...» «Não, não está a enfadar-me, irmã...», respondi hipocritamente respeitoso.
«Ia sentado no banco em frente dela, e, com o ar mais natural, levantei-me, e fechei a porta do compartimento. Depois, com a mesma naturalidade, puxei as cortinas, baixei a luz, e fui sentar-me ao pé dela.
«Vem frio do corredor, e esta luz é muito forte», disse para justificar os meus actos. Mas a justificação era desnecessária. Naquela alma pura, não havia qualquer desconfiança e muito menos a desconfiança do que se passava dentro de mim. Entretanto eu sabia que íamos sós, quer no compartimento, quer na própria carruagem, e sabia também, por ter ocasionalmente reparado nisso, que a carruagem estava desligada do resto da composição do comboio. Não havia pois o risco de entrar qualquer revisor, e o comboio, que era rápido, só viria a parar em Miranda del Ebro, daí a hora e meia. Não tinha ainda nenhuma intenção formada – ou melhor, não sabia que a tinha – mas o facto de ela estar, quer pela sua inocência, quer pelas circunstâncias, à minha mercê, enchia-me de uma alegria monstruosa.
«A irmã já pensou... – comecei com uma voz convincente, cujo timbre ao mesmo tempo untuoso e metálico eu próprio desconhecia – a irmã já pensou que o acto que vai praticar é um acto de puro egoísmo? Já pensou na injustiça que representa abandonar os seus doentes, os que viam nos seus cuidados a misericórdia e providência de Deus, pelo que pensa serem os exclusivos interesses da sua alma?»
«A Irmã Maria Filipe estremeceu e arriscou timidamente:
«Mas eles têm muito quem cuide deles. Eu não lhes era precisa...»
«Isso é o que a Irmã supõe... Para quantos, não seria a Irmã a única pessoa capaz de lhes mitigar as suas dores? E o que são eles agora? Pobres seres abandonados, por via de uma ambição, que nem por lhe parecer legítima e sagrada deixa de ser egoísta e cruel... Eu sei que a Irmã – porque nunca viveu e porque nunca sofreu – pensa que só há um caminho para a bem-aventurança. E pensa que é o que escolheu. Mas isso não é verdade. As almas não têm caminho certo para chegar a Deus. E o verdadeiro é, por vezes, o mais tortuoso e acidentado, aquele em que a gente pode cair e levantar-se, isto é, pecar e arrepender-se... Veja Nosso Senhor Jesus Cristo – e aqui não hesitei em invocar sacrilegamente o seu sagrado nome –, como Ele desceu à Terra e veio viver a vida dos homens para os poder entender o redimir. E é isso que faz a sua grandeza... Esposa de Cristo, como é que a Irmã quer que Ele a receba em seu divino seio sem ter corrido os mesmos riscos que Ele? Como é que quer subir ao Céu sem o ter merecido?»
«Pálida, a Irmã Maria Filipe olhava para mim com os olhos fixos, como que hipnotizada..
Continua...
Domingos Monteiro, Histórias Castelhanas
Retirado de Contos de aula