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A Espanha foi melhor que nós

 

Imagem de Penálti do dia

 

Sabiam que no dicionário há 36 definições para perder? não acreditam?, podem ver aqui, começa em: 1. Deixar de ter alguma coisa útil, proveitosa ou necessária, que se possuía, por culpa ou descuido do possuidor, ou por contingência ou desgraça. e termina em 36. Cair em desuso.

 

Quanto a mim falta uma das mais importantes que seria 37 - Saber perder.

 

O jogo de ontem foi o primeiro que vi, tinha ouvido os outros na rádio, ao contrario da maioria do mundo eu não acho que tenha sido assim tão mau, não me sinto envergonhado nem com a derrota de ontem, nem com a prestação geral no Mundial.

 

Para mim a Espanha é a melhor selecção do campeonato do mundo, poderá nem ter as maiores estrelas, mas tem sem dúvida o melhor conjunto de jogadores, os que formam a equipa mais equilibrada e  jogam o melhor futebol. Dito isto, perder com a Espanha não é vergonha nenhuma.

 

Na fase inicial ficámos num dos grupos mais complicados, não perdemos com o Brasil e passamos à fase seguinte, não fizemos as figuras tristes que fizeram algumas das selecções com mais nome no mundo do futebol, quanto a mim foi uma prestação honrosa e queiramos ou não, com este grupo de jogadores e  tendo em conta alguns imponderáveis que tivemos durante os últimos meses, dificilmente algum treinador faria melhor.

 

Agora vamos passar semanas a discutir o treinador e as suas escolhas, quanto a mim ele só cometeu um erro grave, foi manter dentro do campo um capitão que só sabe olhar para o seu umbigo e que dificilmente poderá alguma vez ser uma voz de comando.  Como já é costume, o Cristiano Ronaldo passou ao lado deste mundial, a eterna exigência de ser o melhor, as comparações com Messi, o peso da camisola da selecção, são definitivamente fardos grandes demais para alguém que claramente vive ofuscado pelo brilho das luzes do sucesso e  longe da concentração que um evento como este exige de um atleta.

 

Acho que o Cristiano Ronaldo deveria pensar seriamente se quer mesmo jogar na selecção, a selecção deveria escolher outro capitão, um que possa ser um líder dentro do campo, um que se preocupe mais com o grupo e menos com o seu ego. Aquela birrinha de criança mimada no fim do jogo foi algo muito feio, seria feio em qualquer jogador, mas no capitão é muito pior.

 

Como li algures, depois deste mundial acho que ninguém tem dúvidas sobre o porquê elegeram o Leonel Messi e não o Cristiano como melhor jogador do mundo.

 

Saber perder é muito importante, saber aceitar que os outros podem ser melhores que nós é muito importante,  não podemos ganhar sempre porque realmente não somos os melhores e não vale a pena culpar os árbitros, a bola ou os treinadores, neste mundial, os outros foram melhores. Nós temos mau perder.

 

Update: Isto é mau perder

 

Jorge Soares

publicado às 21:25

Primeira ministra da Islândia é lésbica e decidiu ser a primeira a casar-se

 

Quem já não ouviu falar da qualidade de vida dos países nórdicos?, das excelentes escolas públicas, sistemas de saúde perfeitos, justiça social, excelentes condições de habitação, etc. É claro que tudo isto é financiado por um sistema fiscal que leva entre 40 e 60% dos salários, mas aposto que não há ninguém que não tenha dito ou ouvido :"Eu assim também não me importava de pagar impostos"... eu ainda hoje à hora do almoço ouvi esta frase. Eu bem tentei explicar que tem que ser ao contrário, primeiro temos que pagar mais impostos, depois com o tempo, um estado com dinheiro haverá de proporcionar as condições sociais.. em vão.. pagar impostos?, só menos!

 

Mas é claro que tudo isto vai muito mais além do pagamento ou não dos impostos, existe um enorme abismo cultural entre o norte e o sul da Europa.

 

Não foi noticia em muitos jornais, mas ainda foi em alguns, no ionline podemos ler o seguinte:

 

Primeira ministra Islandesa foi a primeira homossexual a casar-se segundo a nova lei

 

Na Islândia não só elegem para primeiro ministro uma mulher que assume sem problemas o facto de ser lésbica, como esta é a primeira a dar o exemplo e a casar-se. Em Portugal em época de eleições inventam-se boatos sobre a suposta orientação (homos)sexual do primeiro ministro. Passamos anos a discutir a alteração de uma lei que nem precisava de ser alterada, contaram-se espingardas, recolheram-se assinaturas, ameaçou-se com o inferno. Quando finalmente a lei foi aprovada e o presidente da república não a vetou, o seu partido viu  isto como uma afronta tal que se procuram candidatos alternativos.

 

Voltando aos nórdicos, não há quem não sonhe em viver como eles, desde que ninguém nos diga que para isso temos que pagar mais impostos, queremos ser como eles, mas a verdade é que a nossa mentalidade está a décadas da deles.. e cada vez que tentamos dar um passo em frente, há sempre alguém que diz ... mais devagar. Em suma, todo o mundo quer ser como os nórdicos, desde que continuemos a ser como somos...

 

Não, nós nunca vamos ser como eles, nunca vamos viver como eles ... não sei é se é feliz ou infelizmente.

 

Jorge

publicado às 21:23

 

Crianças com Sida em África

Imagem de aqui

 

Passei o fim de semana no Alentejo a acampar, esta vez foi mesmo de tenda, acreditem ou não, sobre o que aconteceu no mundo nestes 3 dias, o único que segui foi o futebol, desde o jogo de Portugal contra o Brasil ouvido no rádio em viagem, até ao jogo desta tarde da Holanda.. ouvido no rádio e em viagem.

 

De resto, não havia jornais no parque, e todo o tempo era pouco para a boa conversa, para desfrutar da magnifica paisagem da barragem ou para as crianças. Bem que podia ter terminado o mundo... que dificilmente daríamos por isso...

 

Não os vou maçar com a descrição do fim de semana, mas não se livram da maçada... vou deixar aqui algo que me tocou, porque é uma realidade que temos tendência a esquecer, e porque de vez em quando faz falta olhar para o mundo com olhos de ver.. que há mais mundos além do nosso... e pensado bem até faz sentido, não fosse o futebol, não fosse este mundial que se realiza em África, o mundo continuava a olhar para o lado.

 

Quando nada faz sentido

 

Tem 18 meses mas mal sabe andar. Tem movimentos lentos quando gatinha. Senta-se, serena, e olha-me inclinando a cabeça. Olhos semicerrados e sem sorrisos. Olha-me.


É pequena. Muito pequena. E noto-lhe a fragilidade quando chega à minha beira. Acabei de chegar e estende-me os dois braços. Não é um pedido... é uma urgência. Não é um capricho. É uma necessidade. Nunca me viu mas precisa que lhe dê o que não tem. Estende-me os braços e pego-a ao colo.


É excessivamente leve. Mantém os movimentos lentos quando encosta a sua cabeça à minha. Meto-lhe a mão debaixo da camisola. Faço festas por cima de pequenas feridas. Dezenas delas, espalhadas pelo corpo. Não sei o seu nome para a confortar mas falo com ela inglês. Seguro-lhe a mão gelada enquanto a deito no meu colo. Seguro-a como se fosse minha. Aconchega-se e agarra, com força, o meu dedo. Larga-o para conhecer o botão do meu casaco ou para me tocar no rosto.


Chamam-na por um nome zulu. Lamento a minha dificuldade em pronunciá-lo. Todos os seus gestos transportam uma lentidão assustadora. Olha-me reflexiva. Intensa. Por pouco adormece. Ficava ali uma vida. Eu dar-lhe-ia uma, se tivesse.


Seguro-a com a ferocidade de quem a disputa com o tempo e com a doença. Tem 18 meses e não chegará aos 20 anos. É seropositiva.

Sento-me no chão do refeitório e correm três, desengonçados, para o meu colo. Um em cada perna, enfiados no ângulo do ombro e do braço. O da direita adormeceu ali... sujo de arroz e carne, tombou nos meus braços de sono. O outro mexe-me nos óculos, curioso. Ao fundo, Amigo arrasta-se de quatro com os seus 6 ou 8 meses. Ninguém sabe muito bem... A mãe deu-lhe o nome de Amigo e deixou o Amigo na maternidade. Pequeno, sozinho e infectado com HIV. Amigo saiu da sala de partos... para aqui.


Falta-lhes tudo. Saúde e mimo. E aqui, fazem o que podem.


Sedentos de ternura, partem para a sesta. Já fizeram a medicação da manhã. Partem para a sesta e não me vêem partir. Melhor assim... Não os quero ver partir. Ninguém os quer ver partir... Hoje adormeço com um coração geneticamente dorido.

 

Rita Marrafa de Carvalho no Mundial à Parte

publicado às 22:12

Conto do pequeno Édipo

por Jorge Soares, em 26.06.10

Crianças de África

 

O HOMEM tamborilou os dedos no balcão. Pediu, com uma voz cinzenta:
- Uma cerveja.
Pediu como quem pede ao ar. Isto é, sem dar inteira conta nem da mulher de preto, sentado no banquinho, nem do miúdo, jogando guêime.
A mulher abriu uma média. O homem ignorou aquela, e apalpou as garrafas no fundo da caixa térmica. O rapazito suspendeu o jogo, e olhou-o com cara de poucos amigos.
- Vá brincar lá dentro - berrou a mulher, indicando a saída que dava para o resto da casa. Por sinal a única porta da barraca.
O balcão-janela dava para a rua, e estava, assim, o cliente, único àquela hora, de costas para a rua. Decidiu-se pela cerveja que a mulher lhe estendia. Afinal, estava tudo gelado por igual, e a quente, e a sede, tanta, que ele virou o primeiro copo num instante.
- Que tal? - perguntou a mulher, tentando animá-lo.
Ia já no mar alto da vida. Navegação difícil, pelos vistos. Emanava dela uma discreta tenacidade, a dor sem queixume, a arte de sobreviver. Não há remo mais lesto que o coração feminino.
- Que tal, é boa?
O homem tinha a língua presa. O humor azedo, ao fim de um dia de trabalho, é coisa normal. Ainda bem; por estes anos, de repente, Deus trocou-nos cogumelos por barraca. Entre o "chapa" e a casa, uma pausa para relaxar.
À terceira média, soltou, mesmo a língua, dizendo:
- Boa.
A mulher parou de acender a vela, e encarou-o. Melhor, encararam-se. À luz tremelicante do fósforo, ela surgiu da roupa da viuvez. Era como acender a própria beleza.
O menino estava à porta, espiando aquele momento mágico. A mulher virou-se para o garoto. Pela primeira vez, conheceu nele a cólera.
- Suca daqui! - ordenou a viúva.
Mas o puto voltaria sempre: mãe o meu guêime, mãe: tem um rato dentro da pasta; mãe um refresco; estou com fome, mãe…
- Dá-lhe um pacote de "Maria" - disse o cara. E acrescentou, peremptório: - na minha conta.
Mas isso, se é que ele não sabia, não o compraria. Quando muito, o seu momentâneo sumiço.
À quinta média, o cliente tinha já, não só a língua mas também o espírito solto, um verdadeiro poeta. Mudou-se para o canto do balcão onde à luz da vela, a mulher escolhia folhas de couve para o jantar. Como se o bafo da cevada fosse o suco da própria poesia, cochichou:
- Boa como a própria dona?
Nisso o menino reentrava. Não gostou daquela súbita intimidade. O peito cheio de ar, incapaz de falar, fixou o cliente com olhos de cobra.
- Xixi cama! - berrou o homem.
O puto deu um passo em frente. E descarregou os pulmões:
- Rua-rua-rua!
Pegando num vasilhame, avançou para o balcão. Estava em causa não propriamente o lugar do seu pai, mas o seu próprio. Qual pequeno Édipo, avançou pois, disposto a morrer. Eterno é o labirinto dos afectos, e por isso, estória sem desfecho, esta.

 

Suleiman Cassamo, Poesia e Contos de Autores Africanos
moçambicano (n.1962)

 

Via Contos de Aula

publicado às 21:15

 

Mathis e a camisola da selecção nacional de Portugal

 

Imagem do Expresso, Mathis e a camisola da discórdia

 

Ainda este fim de semana, e a propósito de na Catalunha se ter proibido o lenço e o véu integral muçulmanos,  discutíamos este assunto numa conversa de familia.

 

Entre os motivos dos que defendem a  proibição, estão as medidas de  segurança e combate à criminalidade, é dificil saber quem está escondido atrás de um véu integral, está também a dignidade das mulheres muçulmanas que supostamente serão obrigadas a utilizar estes adereços pela família.

 

Eu pessoalmente acho que se trata de mais uma forma de discriminação, acredito que alguma parte das mulheres seja obrigada pelas famílias a seguir as tradições religiosas, assim como haverá outra parte que o fará por convicção, uma convicção tão válida como a que leva muitos católicos a utilizar um fio com uma cruz ao peito. Quanto às questões de segurança, imagino que no Iraque e no Afeganistão fará sentido, mas  nunca ouvi falar de que na Espanha ou na França alguém que tenha sido assaltado por um criminoso que se escondia numa Burka....

 

Por principio sou contra todo tipo de discriminação, só estarei de acordo com qualquer medida que restrinja a utilização de símbolos religiosos por parte das pessoas, quando esta medida for para qualquer símbolo religioso, nunca aceitarei que se proíbam os véus e os lenços muçulmanos enquanto tal medida não se aplique também aos símbolos católicos, ou judeus, ou….

 

Para quem tem duvidas sobre onde este tipo de coisas nos pode levar, podem ler esta noticia do ionline que tem como título o seguinte:

 

Paris. A camisola da selecção foi o véu proibido a Mathius

 

A directora da escola pode alegar e dar as desculpas que quiser, mas no fundo todos sabemos que o que está por trás desta atitude que impede uma criança de 5 anos de entrar na escola com uma camisola da selecção do país dos seus avós, é o mesmo que está por trás da proibição dos símbolos muçulmanos, discriminação e chauvinismo.

 

Imaginem o que aconteceria por cá se na segunda feira se proibisse a entrada nas escolas portuguesas de crianças com a camisola da França, ou com a do Brasil?

 

Jorge Soares

publicado às 18:00

Crianças

 

Há uns 2 ou 3 meses, a propósito de uma noticia que falava da existência de mais de 500 crianças no nosso país que ninguém quer adoptar, tive uma longa conversa com uma jornalista sobre os verdadeiros motivos que levam a que estas crianças fiquem encalhadas no sistema. Não vão voltar à família, o facto de ter sido decretado um projecto de vida que passa pela adopção normalmente significa que foram esgotadas todas as hipóteses de recuperação familiar. Por outro lado, não são adoptadas porque apesar dos milhares de candidatos que esperam um filho, não há quem consiga fazer o matching  com o candidato que as tire de um aparente limbo em que vivem.

 

Por norma o instituto da segurança social atira a culpa para os candidatos que só querem bebés, os candidatos que não querem bebés, eu por exemplo, atiram a culpa para a segurança social que só se preocupa com os seus candidatos e as suas crianças, sem se preocupar com o que acontece no distrito ao lado.

 

Uma das perguntas que me fez a jornalista foi, como é que isto funciona nos outros países? Na altura não lhe soube responder.. mas fiquei a pensar no assunto. Hoje alguém enviou por email este artigo da Isabel Stilwell no Destak onde podemos ler o seguinte:

 

"....é por isso que a Heart Gallery é uma ideia tão genial. A organização que se dá por este nome e defende que todas as crianças têm direito a uma família, percebeu a força de um bom retrato e conseguiu que 150 dos melhores fotógrafos norte-americanos aderissem à sua proposta: fotografar as crianças e os adolescentes que vivem em instituições ou em famílias de acolhimento, para um portfólio de crianças que precisam de pais a sério, e que pode ser visualizado em www.heartgalleryofamerica.org (vá também a www.time.com/time/photoessays/heartgallery/)"

 

Não é a primeira vez que ouço falar de algo assim, na Inglaterra há a semana da adopção, uma semana em que se chama a atenção para as crianças que estão para adoptar, fazem-se artigos nos meios de comunicação , reportagens na televisão em que se mostram as crianças, visitas aos centros de acolhimento, etc.

 

Como a maioria das pessoas que conheço, de inicio eu fiquei chocado, um filho não é algo que se escolha por catálogo ou porque se vê na televisão, mas a verdade é que está provado que durante essa semana muitas destas crianças são mesmo adoptadas porque alguém as viu e se apaixonou pelo seu sorriso. É uma forma de chamar a atenção para a adopção e de dar uma hipótese de vida a crianças que dificilmente as teriam de outra forma.

 

Como diz a Isabel Stilwell no artigo, é muito diferente ouvir falar de números, de que ainda por cima duvidamos, a ver rostos, crianças reais que existem mesmo. As experiências inglesa e americana mostram que as taxas de adopção aumentam significativamente e que são projectos de sucesso.

 

É claro que sei que Portugal não é os Estados Unidos, para o bem e para o mal estamos muito longe da mentalidade e das leis americanas, mas a verdade é que no nosso pais  o numero de crianças esquecidas aumenta todos os anos, e algo tem que ser feito. Por muito que a comunicação social repita até à exaustão que os candidatos só querem bebés, todos nós sabemos que isso não é verdade, há muitos candidatos que aceitam crianças mais velhas, que aceitam irmãos, que aceitam crianças com problemas de saúde... o que falta é a forma de juntar quem espera, a forma de juntar corações.

 

Passei algum tempo a olhar para as fotografias de sites como este: https://www.utdcfsadopt.org/heart_gallery.shtml, é verdade que quem vê caras não vê corações, é verdade que podemos pensar que escolher um filho por ali pode ser chocante.. mas se essa for a única forma de que estas crianças possam ter uma família, se for a forma de fazer com que a espera de tantas famílias seja menor .... será que não vale a pena? Será que é preferível que estas crianças  fiquem esquecidas para sempre nas instituições?

 

É claro que em Portugal não precisamos de ser tão radicais, não vamos colocar as fotografias das crianças na internet, mas que tal elaborarmos uma lista das crianças existentes, mesmo que sem fotografia, só com as suas características, que seja apresentada aos candidatos de modo a que estes possam pensar no assunto?

 

Todos ouvimos falar das 500 crianças... mas quando perguntamos, ninguém sabe como são, onde estão.. e elas continuam lá.. está na altura de fazermos algo para mudar isto... está mesmo.

 

Jorge Soares

 

PS:Este post saiu um bocadinho para o comprido... desculpem lá.

publicado às 21:56

A ciclista de palmo e meio

 

Só passaram 15 dias... mas a verdade é que parece muitíssimo tempo... aqui que ninguém nos ouve, voltar à rotina do trabalho, ao telefone a tocar o tempo todo, aos colegas chateados no outro lado do mundo, aos servidores que teimam em dar chatice sempre a meio das noites do fim de semana em que sou eu quem está de prevenção...  não imaginam como isto está a custar.

 

Mas cá por casa a vida segue, este mês é a minha meia laranja quem está de licença... e sabem uma coisa, ela está pelos cabelos. Tenho a certeza que se  pudesse voltar atrás... era eu quem continuava de licença... já lhe disse que para a próxima não há cá 5 meses a 100%.. são mesmo os seis meses e eu tiro 5.... juro. É claro que a menos que o Euromilhões se apiade de mim... não vai haver próxima... mas pronto... fazemos de conta.

 

Lembram-se de aquele meu diário em que se falava de comida e no que eu concluía que são as mães quem faz das criancinhas uns diabinhos? este post, está completamente provado. Desde que está em casa com a mãe, a D. está cada vez mais terrível, reivindica, reclama, exige, faz umas birras enormes, trinta por uma linha ...da miúda alegre e amorosa que encontramos em Cabo Verde...resta muito pouco....

 

Nos meus tempos com ela as coisas eram muito mais calmas.... é claro que fazia birras, mas rapidamente percebia que assim não ia a lado nenhum e lá se resignava, mas cheira-me que ela encontrou o ponto fraco da mãe...e que faz gato sapato dela.. e acho que a mãe encontrou outra pedra no seu sapato... definitavamente as mulheres desta casa teimam em não se entender.

 

Jorge

publicado às 21:42

Cavaco,a igreja e as homenagens a Saramago

Imagem do Henricartoon

 

Eu não gosto de funerais, não gosto do que significam, o fim do caminho, e não gosto daquilo em que se converteram, há muito que acho que devemos mostrar apreço e carinho pelas pessoas enquanto elas estão vivas, se realmente gostamos de alguém, devemos mostrar esse apreço enquanto a pessoa nos pode ouvir, ver e entender, depois da morte é tarde, não vale a pena.. não está lá nada nem ninguém....

 

Goste-se ou não, Saramago foi um grande, enorme mesmo, escritor, levou o nome do país muito longe, era uma pessoa de convicções fortes e que não se prendia em detalhes para mostrar ao mundo a sua obra. Pelo caminho mexeu com muitas sensibilidades, criou ódios de estimação.

 

No inicio dos anos 90 escreveu a sua obra mais polémica, o Evangelho segundo Jesus Cristo. Em Portugal vivia-se a época do cavaquistão e rezam as crónicas que um secretário de estado de Cavaco, impediu a candidatura da obra ao Prémio Literário Europeu porque supostamente o livro atacava "O património religioso dos portugueses"

 

Terá sido esta decisão, um inadmissível acto de censura por parte do governo,  a gota de água  que levou o escritor a emigrar para Lanzarote onde viveria até morrer na passada sexta-feira.

 

Sempre achei Cavaco Silva, para além de um politico desprezível, um homem com sorte, essa sorte foi uma vez mais bem patente, Saramago morreu precisamente no fim de semana que ele tinha escolhido para estar de férias nos Açores, bem longe de Lisboa e de tudo o que rodeou a morte do escritor. Era claro para todos nós que Cavaco e Saramago não morriam de amores um pelo outro, que não eram amigos e que os separavam enormes diferenças ideológicas e de pensamento.. mas um presidente da República é alguém que por definição não tem amigos. O presidente da República é alguém que antes de mais tem obrigações de estado e obrigações ante os cidadãos do estado.

 

Por muito que a mim me pareça que todas estas homenagens deveriam ter sido prestadas antes, a verdade é que o país decidiu prestar homenagem a um dos seus cidadãos mais ilustres. Quando decidiu não comparecer e  dar uma desculpa esfarrapada , Cavaco Silva mostrou que coloca os seus sentimentos pessoais  e a sua ideologia politica à frente dos seus deveres de estado, e como muito bem diz Daniel Oliveira no Expresso: "É incoerente decretar dois dias de luto nacional e depois estar ausente da cerimónia oficial."

 

É claro que se atendermos à posição oficial da igreja através do Jornal do Vaticano e às últimas notícias que dão conta das reacções da direita mais conservadora à promulgação do casamento Homossexual, poderíamos sempre concluir que tudo isto já faz parte da campanha politica.... mas isto já sou eu e o meu mau feitio a pensar alto.

 

Jorge Soares

publicado às 21:39

Conto: Ester Lucero II

por Jorge Soares, em 19.06.10

Rosa

 

Imagem do Momentos e Olhares

 

Continuação do Conto: Ester Lucero, de isabel Allende, primeira parte aqui

 

Enquanto ele sonhava com moscas gigantescas, ela andava perdida nos pesadelos da sua agonia, e assim se encontraram numa terra de ninguém e no seu sono partilhado ela agarrou-se à mão dele para lhe pedir que não se deixasse vencer pela morte e que não a abandonasse.

 

Angel Sánchez acordou sobressaltado pela recordação nítida do Negro Rivas e do absurdo milagre que lhe devolveu a vida. Saiu a correr e tropeçou no corredor com a avó, que estava enfronhada num murmúrio de intermináveis oraçöes.

 

- Continue a rezar, que eu volto daqui a um quarto de hora! - gritou ao passar.

 

Dez anos antes, quando Angel Sánchez marchava com os seus companheiros pela selva, com a vegetação até aos joelhos e a tortura inconsolável dos mosquitos e do calor, encurralados, atravessando o país em todas as direcçöes para fazer emboscadas aos soldados da ditadura, quando não eram mais que um punhado de loucos visionários com o cinturão carregados de balas, o bornal de poemas e a cabeça de ideias, quando levavam meses sem cheirar mulher ou esfregar sabão pelo corpo, quando a fome e o medo eram uma segunda pele e a única coisa que os mantinha em movimento era o desespero, quando viam inimigos em todo o lado e desconfiavam até das próprias sombras, então o

Negro Rivas caiu por um barranco e rolou oito metros até ao abismo, espalmando-se sem ruído, como um saco de trapos. Os companheiros gastaram vinte minutos a descer por cordas entre pedras aguçadas e troncos retorcidos, até o encontrar enfiado

no matagal, e quase duas horas para o içar, ensopado em sangue.

 

O Negro Rivas, um moreno valente e alegre, com a canção sempre pronta nos lábios e boa disposição para carregar às costas outro combatente mais débil, estava aberto como uma romã, com as costelas à mostra e um golpe profundo que começava no ombro e acabava a meio do peito. Sánchez levava consigo a sua maleta para emergências, mas aquilo estava fora dos seus modestos recursos. Sem a menor esperança suturou a ferida, ligou-a com tiras de gaze e administrou os remédios disponíveis. Colocaram o homem sobre um bocado de lona estendida entre dois paus  e transportaram-no assim, revezando-se para o carregar, até que foi evidente que cada sacudidela era um minuto a menos de vida, porque o Negro Rivas supurava como uma fonte e delirava com iguarias, seios de mulher e furacöes de sal.

 

Estavam planeando acampar para o deixar morrer em paz, quando alguém viu na margem de uma lagoa de água negra, dois índios que brigavam amigavelmente. Um pouco mais à frente, escondida no vapor denso da selva, estava a aldeia. Era uma tribo imobilizada em idade remota, sem mais contacto com este século do que algum missionário atrevido que tivesse ido falar-lhes sem êxito das leis de Deus e, o que é mais grave, sem nunca ter ouvido falar da Insurreição nem ter escrito o grito de Pátria ou Morte. Apesar destas diferenças e da barreira da língua, os índios compreenderam que aqueles homens exaustos não representavam grande perigo e deram-lhe tímidas boas-vindas. Os rebeldes apontaram para o moribundo. O que parecia ser o chefe levou-os a uma cabana na penumbra eterna, onde flutuava uma pestilência de urinas e lodo. Ali deitaram o Negro Rivas sobre uma esteira, rodeado pelos seus companheiros e por toda a tribo. Pouco depois, chegou o bruxo em trajes de

cerimônia. O comandante espantou-se ao ver os seus colares de peonias, os seus olhos de fanático e a crosta de imundície no seu corpo, mas Angel Sánchez explicou que já muito pouco se podia fazer pelo ferido e qualquer coisa que o feiticeiro conseguisse - ainda que fosse só ajudá-lo a morrer - era melhor que nada. O comandante ordenou aos homens que baixassem as armas e fizessem silêncio para aquele estranho sábio meio

nu poder exercer o ofício sem distracçöes.

 

Duas horas mais tarde a febre tinha desaparecido e o Negro Rivas podia beber água. No dia seguinte voltou o curandeiro e repetiu o tratamento. Ao anoitecer, o enfermo estava sentado a comer uma espessa papa de milho e dois dias depois ensaiava os primeiros passos pelos arredores, com a ferida em pleno processo de cura. Enquanto os outros guerrilheiros acompanhavam os progressos do convalescente, Angel Sánchez

percorreu a zona com o bruxo juntando plantas na sua bolsa. Anos depois, o Negro Rivas chegou a ser chefe da Polícia na capital e só se recordava que estivera prestes a morrer ao tirar a camisa para abraçar uma mulher nova, que invariavelmente lhe perguntava o que era aquilo, a grande costura que o partia em dois.

 

- Se um índio em pelota salvou o Negro Rivas, eu vou salvar Ester Lucero, nem que tenha de fazer pacto com o Diabo - concluiu Angel Sánchez enquanto dava volta à casa à procura das ervas que guardara durante todos aqueles anos e que, até àquele momento, esquecera por completo. Encontrou-as embrulhadas em papel de jornal, ressequidas e quebradiças, no fundo de um baú desconjuntado, junto ao seu caderno de versos,

à boina e outras recordaçöes de guerra. O médico regressou ao hospital a correr que nem um perseguido, debaixo do calor de chumbo que derretia o asfalto.

 

Subiu as escadas aos saltos e entrou pelo quarto de Ester Lucero a escorrer suor. A avó e a enfermeira de turno viram-no passar a correr e aproximaram-se para espreitar pelo postigo da porta. Observaram como tirava a bata branca, a camisa de algodão, as calças escuras, as peúgas compradas no contrabando e os sapatos de sola de borracha que costumava calçar. Horrorizadas, viram-no tirar também as cuecas e ficar nu, como um recruta.

 

- Santa Maria, Mãe de Deus! - exclamou a avó. Através do postigo puderam ver o doutor quando empurrava a cama até ao centro do quarto e, depois de pôr ambas as mãos sobre a cabeça de Ester Lucero durante alguns segundos, iniciar um frenético bailado à volta da enferma.

 

Levantava os joelhos até tocar no peito, efectuava profundas inclinaçöes, agitava os braços e fazia grotescas caretas, sem perder por um

único instante o ritmo interior que lhe punha asas nos pés. E durante uma hora não parou de dançar como um louco, esquivando-se das garrafas de oxigénio e dos frascos de soro. Depois tirou umas folhas secas do bolso da bata, colocou-as numa bacia, esmagou-as com o punho até as reduzir a um pó grosso, cuspiu em cima abundantemente, misturou tudo para fazer uma pasta e aproximou-se da moribunda. As mulheres

viram-no tirar as ligaduras e, tal como notificou a enfermeira no seu relatório, untar a ferida com aquela mistura asquerosa, sem a menor consideração pelas leis da higiene nem pelo facto de exibir as suas vergonhas nuas. Terminada a cura, o homem caiu sentado no chão, totalmente exausto, mas iluminado por um sorriso de santo. Se o doutor Angel Sánchez não fosse o director do hospital e um herói indiscutível da Revolução, ter-lhe-iam enfiado um colete de forças e mandado sem mais trâmites para o manicómio.

 

Mas ninguém se atreveu a deitar abaixo a porta que ele trancou com o ferrolho e quando o alcaide resolveu fazê-lo com a ajuda dos bombeiros, já tinham passado catorze horas e Ester Lucero estava sentada na cama, de olhos abertos, contemplando divertida o tio Angel, que tinha voltado a despojar-se da sua roupa e iniciava a segunda etapa do tratamento com novas danças rituais. Dois dias mais tarde, quando chegou a Comissão do Ministério da Saúde enviada especialmente da capital, a doente passeava pelo corredor pelo braço da avó, toda a população desfilava pelo terceiro piso para ver a rapariga ressuscitada e o director do hospital, vestido com impecável correcção, recebia os colegas à sua secretária. A Comissão absteve-se de pedir pormenores sobre as inusitadas danças do médico e dedicou a sua atenção a perguntar sobre as

maravilhosas plantas do bruxo.

 

Passaram anos desde que Ester Lucero caiu da mangueira. A jovem casou-se com um inspector do ambiente e foi viver para a capital, onde deu à luz uma menina com ossos de alabastro e olhos escuros. E Ao tio Angel, manda-lhe de vez em quando nostálgicas cartas salpicadas de horrores ortográficos. O Ministério da Saúde organizou quatro expediçöes para procurar as ervas portentosas na seiva, sem nenhum êxito. A vegetação

engoliu a aldeia indígena e com ela a esperança de um medicamento científico contra os acidentes irremediáveis.

 

O doutor Angel Sánchez ficou sozinho, sem mais companheiros que a imagem de Ester Lucero que o visita no seu quarto à hora da sesta, abrasando a sua alma numa bacanal perpétua. O prestígio do médico aumentou muito em toda a região, porque o ouvem falar com os astros em línguas aborígenes.

 

 

Isabel Allende em Contos de Eva Luna

publicado às 21:01

José Saramago

 

Imagem do Público

 

A Fundação José Saramago confirmou em comunicado que o escritor morreu às 12h30 na sua residência de Lanzarote "em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila".

 

 

Morreu José Saramago, não sou fã do escritor, não aprecio o estilo nem a forma de escrever, mas sou definitivamente fã do homem, da sua forma de ir pelo mundo, da sua forma de dizer o que lhe vai na alma. Independentemente de gostarmos mais ou menos dos seus livros, mais ou menos da pessoa, não podemos ficar indiferentes ao facto de ser um dos poucos vultos da literatura em Português, escritor respeitado e admirado a nível internacional, galardoado com um Nóbel, o maior prémio a que pode aspirar um escritor.

 

Os homens com esta dimensão não morrem, apesar de fisicamente não estar mais entre nós, a sua obra é imortal, os seus livros perdurarão para sempre e ele com eles.

 

Jorge Soares

publicado às 14:29

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