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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Quando eu era pequeno a Páscoa tinha dois dias, Domingo e Segunda-feira, nos tempos da outra senhora trabalhava-se na sexta e era feriado na segunda, isto porque em Palmaz o padre visitava todas as casas da aldeia, no Domingo ia às que estão a norte do rio Caima e na segunda-feira às que estão a sul. A minha casa era a norte, a dos meus avós paternos era a sul, eu tinha Páscoa no Domingo e na segunda.
Nesse tempo a Páscoa era feita do almoço de Domingo, um dos poucos dias do ano em que se via carne de vaca na nossa mesa, de pão de ló e de amêndoas. As minhas preferidas eram as pequeninas que o meu avô me trazia, mais pequeninas e redondas que as outras, eu gostava porque eram as únicas que em lugar de uma amêndoa amarga que eu detestava, tinham um amendoim no centro.. que eu adorava.
Com 10 anos o meu mundo mudou, a Páscoa na Venezuela era bastante diferente, era feita de coelhinhos que por alguma estranha razão trazem ovos coloridos às crianças, não havia visitas de compasso pascoal nem padres a recolher envelopes com dinheiro, em contrapartida havia um passeio a pé pelo centro da cidade na tradicional e concorrida visita a sete igrejas.
Com 20 anos o meu mundo voltou a mudar, mas a Páscoa na aldeia também tinha mudado, o feriado agora era à sexta, continuava a haver compasso pascoal, mas agora raramente víamos o padre, quem transportava a cruz era algum dos vizinhos.. é claro que o envelope com o dinheiro continuava a ser recolhido.. há coisas que não mudam. E claro, continua a haver amêndoas, muitas mais e de muitos mais tipos, não há muitos coelhos, mas em contrapartida há muitos e muito maiores, ovos de chocolate.
As origens da Páscoa remontam à antiguidade, era a festa das flores e da fertilidade, com o cristianismo tornou-se a festa da morte e da ressurreição, agora é a festa do fim de semana prolongado e dos ovos de chocolate. Alguém me explica o que se passou entretanto? O que tem a ver coelhos com ovos de chocolate coloridos e o que tem tudo isto a ver com a pascoa?
Jorge Soares
Maristela Scheuer Deves
Retirado de Samizdat
Imagem minha do Momentos e Olhares
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
Miguel Torga, Diário XIII
Troia, Novembro de 2012
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Aquele que quer aprender a voar um dia precisa primeiro aprender a ficar de pé, caminhar, correr, escalar e dançar; ninguém consegue voar só aprendendo vôo.
Friedrich Nietzsche
Fim de tarde na Ria Formosa, Cabanas, Tavira, Algarve.
Fevereiro de 2011
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Rosa Amarela com a luz do fim de tarde
Cacela Velha, Tavira, Algarve
Fevereiro de 2012
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Se não tivéssemos inverno, a primavera não seria tão agradável: se não experimentássemos algumas vezes o sabor da adversidade, a prosperidade não seria tão bem-vinda.
Anne Bradstreet
Jardim do Bonfim
Março de 2012
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já...
Pablo Neruda
Jardim do Bonfim, setúbal
Março de 2012
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Nenhuma tarefa, se bem feita, é verdadeiramente privada. É parte do trabalho do Mundo.
(Autor desconhecido)
Setúbal, Março de 2012
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Évora
Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas ... Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!
Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!
Évora! ... O teu olhar ... o teu perfil ...
Tua boca sinuosa, um mês de Abril,
Que o coração no peito me almoroça!
... Em cada viela o vulto dum fantasma ...
E a minh'alma soturna escuta e pasma ...
E sente-se passar menina e moça ...
Florbela Espanca
Évora, Março de 2012
Jorge Soares
Imagem de aqui
De repente, tudo o que se fala tem a ver com bebês. Descoberta de gravidez, previsão de chegada, batimentos cardíacos normais, ultrassons, chás de bebê, decoração de quarto de recém nascida, partos sem grandes traumas, visita à maternidade, estado de graça, babação, fotos e mais fotos, muito contentamento. Adoro crianças, especialmente as menores, e acho que essa movimentação de vida que começa dá uma leveza ímpar aos humores das pessoas, faz durar nosso estado de alegria. Tenho reparado até certa cobrança, afinal de contas quando se cumprem as regras sociais que dão origem às famílias no sentido tradicional não é apenas o relógio biológico que pede satisfações. Apesar de a última semana ter sido cheia de notícias assim, há uma lembrança sobre gestação que dá voltas na minha cabeça, uma história difícil.
A Laura nunca foi do tipo que arrasta tristeza pelo chão, mas nos últimos meses olhava para sua vida e não conseguia ver nada de bonito, de colorido, de seu. Do lado de fora da porta de entrada, aconchegada sob o cobertor na cadeira de balanço, ela desembrulhou sem entusiasmo o presente de Daniel. Era a décima oitava terça-feira desde aquele dia e o primo insistia em fabricar uma intimidade que, por Laura, jamais teria lugar para existir. Os dois foram criados muito próximos e os parentes tratavam com naturalidade a mania que ele tinha de cercá-la. Um dia isso passa, comentavam após almoços, deixa ele conhecer mulher, garantiam os tios. Mas não passou. Numa manhã bem cedo Daniel valeu-se da ausência dos pais de Laura na casa do campo, entrou sem fazer barulho, subiu as escadas, abriu a porta do quarto dela e entrou. Houve grito, houve socos, houve choro e pedido de socorro, mas não havia ninguém por perto, com ouvidos de ouvir.
Dentro da caixa do presente, novelos de lã vermelha e sapatinhos de bebê recortados da revista. Perdeu o que restava de graça a Laura, que nos últimos dias sentava no mesmo lugar, na mesma hora, a tricotar um blusão cinza de gola alta. Pensou na avó paterna, que lhe ensinou a colocar os pontos na agulha e a tramar as primeiras carreiras. Lembrou da rigidez da velha e quase ouviu a voz grave de repreensão: isso não é ponto que se dê, criatura! Apertado desse jeito, vai terminar um ninho de camundongos o teu tricô. Pode desmanchar e fazer de novo, com decência. Teve medo de imaginar como a avó a trataria se fosse viva e soubesse que.
Sabia que estava perdida, nem sinal de menstruação. Confirmou o adiantado do blusão, já tinha as mangas e as costas prontas. Começava a frente com as agulhas mais finas, de número 4, como havia aprendido. Quinze, dezesseis, dezessete pontos, aflição. Olha, não é que eu não te queira, não é isso. Vinte e nove, trinta. Eu não posso contigo e não suporto de onde tu vens. Não tenho um corpo que possa te servir de casa em tempo algum. Do meu desgosto jamais nasceria exemplo e retidão de heranças para ti. Eu não tenho nada de bom para te oferecer, nem buscando lá no fundo. Cinquenta e cinco. Não sou nada. Acho que nunca cheguei a ser. Laura dizia coisa para dentro, numa conversa longa e necessária, sem perder-se nas contas.
Respirou fundo e, decidida, arrancou a agulha dos pontos, passando-a para baixo do cobertor. Sem provocar suspeitas dos pais que iam e vinham do campo e entravam na casa com frequência, envolvidos que estavam com as ovelhas, puxou com calma a saia para cima das coxas, arredou a calcinha para o lado com uma das mãos. Segurou firmemente a agulha e cravou o próprio ventre. Diversas vezes. Aguentou a dor sem choro até o fim. Até o frio. Anoitecia e Laura tinha olhos vidrados no horizonte de árvores verdes.
Andreia Pires
Retirado de Samizdat