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Recordações de outras Páscoas

por Jorge Soares, em 31.03.13

Coelho de páscoa

 

Quando eu era pequeno a Páscoa tinha dois dias, Domingo e Segunda-feira, nos  tempos da outra senhora trabalhava-se na sexta e era feriado na segunda, isto porque em Palmaz o padre visitava todas as casas da aldeia, no Domingo ia às que estão a norte do rio Caima e na segunda-feira às que estão a sul. A minha casa era a norte, a dos meus avós paternos era a sul, eu tinha Páscoa no Domingo e na segunda.

 

Nesse tempo a Páscoa era feita do almoço de Domingo, um dos poucos dias do ano em que se via carne de vaca na nossa mesa, de pão de ló e de amêndoas. As minhas preferidas eram as pequeninas que o meu avô me trazia, mais pequeninas e redondas que as outras, eu gostava porque eram as únicas que em lugar de uma amêndoa amarga que eu detestava, tinham um amendoim no centro.. que eu adorava.

 

Com 10 anos o meu mundo mudou, a Páscoa na Venezuela era bastante diferente, era feita de coelhinhos que por alguma estranha razão trazem ovos coloridos às crianças, não havia visitas de compasso pascoal nem padres a recolher envelopes com dinheiro, em contrapartida havia um passeio a pé pelo centro da cidade na tradicional e concorrida visita a sete igrejas.

 

Com 20 anos o meu mundo voltou a mudar, mas a Páscoa na aldeia também tinha mudado, o feriado agora era à sexta, continuava a haver compasso pascoal, mas agora raramente víamos o padre, quem transportava a cruz era algum dos vizinhos.. é claro que o envelope com o dinheiro continuava a ser recolhido..  há coisas que não mudam. E claro, continua a haver amêndoas, muitas mais e de muitos mais tipos, não há muitos coelhos, mas em contrapartida há muitos e muito maiores, ovos de chocolate.

 

As origens da Páscoa remontam à antiguidade, era a festa das flores e da fertilidade, com o cristianismo tornou-se a festa da morte e da ressurreição, agora é a festa do fim de semana prolongado e dos ovos de chocolate. Alguém me explica o que se passou entretanto? O que tem a ver coelhos com ovos de chocolate coloridos e o que tem tudo isto a ver com a pascoa?


Jorge Soares

publicado às 23:06

Conto - As noivas de preto

por Jorge Soares, em 30.03.13
A noiva de preto

Aquelas velhas fotografias de noivas vestidas de preto sempre tinham me intrigado, desde que eu as encontrara em um velho baú no sótão da casa de meus avós. Eu tinha uns doze ou treze anos na ocasião. Curiosa como todos são nessa idade, corri perguntar à minha avó quem eram aquelas mulheres e por que tinham se casado assim. Sua reação, no entanto, deixou-me intrigada.

Em vez de responder à minha inocente pergunta, ela ficou olhando demoradamente as fotos, com uma expressão esquisita. Não consegui identificar exatamente o que via no seu rosto, mas parecia ser uma mistura de medo e curiosidade. Depois de alguns minutos em silêncio, quis saber onde eu encontrara aquelas imagens. Contei-lhe do baú, e ela pediu que devolvesse as fotos ao seu lugar e não mais pensasse no assunto.

Insisti, mas sem resultado. Como eu não era de desistir facilmente, procurei o meu avô. Sua reação não foi muito melhor ao olhar o que eu tinha em mãos, mas pelo menos ele deu-me uma explicação: aquelas eram sua avó, ou seja, minha tataravó, e suas irmãs. Haviam se casado de vestidos e véus pretos porque estavam de luto, o pai delas havia morrido pouco tempo antes. Fiquei a matutar comigo mesma por que é que elas não haviam esperado um pouco mais para casar-se, pois então poderiam usar o branco tradicional. Também achei estranho todas elas terem contraído núpcias na mesma época, mas vovô me disse para ir brincar, deixando que ele fizesse suas coisas.

Por alguns dias, ainda enchi meu pai e minha mãe de perguntas, mas como as respostas variavam de um “eu é que sei?” a “vai ver, era moda na época”, acabei desistindo e esquecendo o assunto. Em outra ocasião, fui fuxicar nas coisas guardadas no sótão, mas não encontrei mais as fotografias, até mesmo o baú havia sumido de lá. Achei estranho, mas não dei muita importância ao assunto.

Nas últimas semanas, porém, a lembrança daquelas noivas vestidas de preto vem me atormentando. Sonho com elas todas as noites, e penso nelas em cada minuto do meu dia. Não sou mais uma criança: estou com 24 anos e vou casar-me em poucos dias. Até já comprei meu vestido, lindo, resplandecente, branco como a neve. Minha mãe chorou quando o viu, e a princípio creditei seu choro à emoção de que sua única filha iria se casar. Mas agora sei que não era isso. E sei, também, o porquê daqueles vestidos negros que há tanto tempo despertaram a minha curiosidade...

Descobri por acaso, enquanto procurava velhas fotos minhas para o painel de momentos marcantes de minha vida, que ficará em exposição na entrada do salão de festas. Embaixo das dezenas de álbuns com registros feitos desde a minha infância, encontrei um envelope amarelado pelo tempo. Curiosa, abri-o. Lá, uma única foto, de um casal cujo rosto risonho eu reconheci: meus pais, muito mais jovens do que agora, no dia do seu casamento. Nesse momento, percebi que nunca antes havia visto imagens daquela data, e compreendi também o motivo: o vestido que minha mãe envergava, de seda e com lindos bordados, era negro.

Minha mãe surpreendeu-me com a foto nas mãos e, perante meu olhar indagador, pôs-se novamente a derramar lágrimas. Mesmo sem entender o que estava acontecendo, abracei-a e confortei-a, como se a mãe fosse eu. Não pedi explicações quando ela se acalmou, mas ela as deu mesmo assim. Sabia que era hora, e que não podia adiar mais.

– Quando eu me casei com seu pai – começou ela –, ninguém me disse nada. Sofri muito com o que aconteceu, e sei que você também vai sofrer, minha filha, mas pelo menos você vai estar preparada.

Antes de prosseguir, ela levantou-se e foi até uma gaveta trancada. Tirou uma chavezinha de uma corrente pendurada no pescoço e a abriu. Lá de dentro, pegou uma caixa de madeira, que colocou sobre a mesa, chamando-me para ver o conteúdo. Ali estavam as antigas fotos que eu vira ainda criança, num baú no sótão dos meus avós. E também outras, muitas outras, todas mostrando noivas vestidas de preto. Lá estavam minha avó, todas as minhas tias por parte de pai... Aturdida, fiquei passando uma a uma, sem saber o que dizer.

– Sim, minha pequena. Todas as mulheres da nossa família, pelo lado do seu pai, carregam essa maldição – disse. Vendo que eu abria a boca para perguntar algo, apressou-se em prosseguir – Nós não escolhemos nos casar de preto. Na verdade, nós não nos casamos de preto. Meu vestido e meu véu eram tão alvos quanto os seus. Mas, na hora da cerimônia, quando eu coloquei a aliança no dedo, ele começou a mudar...

Ela trocara de roupa no meio da festa, contou, com a desculpa de usar algo mais confortável. A verdade era que, para seu desespero, ele estava ficando a cada minuto mais escuro. Pensou que as primeiras fotos estariam boas, pelo menos, mas, poucos dias depois de as receber do fotógrafo, nelas também o vestido passara a ficar preto.

– Queimei quase todas elas, junto com o vestido que eu tinha gostado tanto. Guardei apenas essa. Foi só depois de tudo ter acontecido que minha sogra, sua avó, contou-me que isso acontecia há quatro gerações. Desde que uma tia-avó do seu avô fora rejeitada pelo restante da família por se casar grávida, obrigada a casar de véu negro, ela amaldiçoou a todos, dizendo que, dali por diante, nunca mais uma mulher da família se casaria de branco. E, até hoje, isso vem se cumprindo...

Tenho menos de uma semana até o dia do meu casamento. Tento afastar os meus pensamentos mórbidos, dizer a mim mesma que isso é fantasia, que deve haver alguma explicação lógica. Talvez tenha sido mesmo luto, talvez... Mas minha mãe não mentiria para mim. Não faria com que eu me angustiasse sem necessidade.

Não contei a meu noivo, para ele não pensar que estou enlouquecendo. Mas hoje pela manhã, acariciando o esvoaçante tecido de meu lindo vestido de sonho, vi uma pequena mancha mais escura em um canto, sob um babado. Outra apareceu na pontinha do véu. Pensei em cancelar o serviço do fotógrafo, para garantir, mas achei melhor encomendar com urgência um vestido de reserva, cor de champanhe, para usar assim que sair da igreja...


Maristela Scheuer Deves

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:01

A ti mulher

por Jorge Soares, em 30.03.13

recomeça

 

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Recomeça…


Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII 

 

Troia, Novembro de 2012

Jorge Soares

publicado às 17:25

Voar

por Jorge Soares, em 29.03.13

Voar


Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Aquele que quer aprender a voar um dia precisa primeiro aprender a ficar de pé, caminhar, correr, escalar e dançar; ninguém consegue voar só aprendendo vôo.

Friedrich Nietzsche

 

 

Fim de tarde na Ria Formosa, Cabanas, Tavira, Algarve.

Fevereiro de 2011

Jorge Soares

publicado às 17:23

Rosa Amarela

por Jorge Soares, em 28.03.13

Rosa Amarela

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Rosa Amarela com a luz do fim de tarde

 

Cacela Velha, Tavira, Algarve

Fevereiro de 2012

Jorge Soares

publicado às 17:21

A esperança de uma Primavera risonha

por Jorge Soares, em 27.03.13

A promessa da primavera

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Se não tivéssemos inverno, a primavera não seria tão agradável: se não experimentássemos algumas vezes o sabor da adversidade, a prosperidade não seria tão bem-vinda.

 

Anne Bradstreet

 

Jardim do Bonfim

Março de 2012

Jorge Soares

publicado às 17:18

Saudade é solidão acompanhada

por Jorge Soares, em 26.03.13

A solidão

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora,  mas o amado já...

Pablo Neruda

 

Jardim do Bonfim, setúbal

Março de 2012

Jorge Soares

publicado às 17:16

É parte do trabalho do Mundo

por Jorge Soares, em 25.03.13

Primavera

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Nenhuma tarefa, se bem feita, é verdadeiramente privada. É parte do trabalho do Mundo.
(Autor desconhecido)

 

Setúbal, Março de 2012

Jorge Soares

publicado às 17:14

Évora! Ruas ermas sob os céus

por Jorge Soares, em 24.03.13

Évora

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Évora

 

Évora! Ruas ermas sob os céus

Cor de violetas roxas ... Ruas frades

Pedindo em triste penitência a Deus

Que nos perdoe as míseras vaidades!

 

Tenho corrido em vão tantas cidades!

E só aqui recordo os beijos teus,

E só aqui eu sinto que são meus

Os sonhos que sonhei noutras idades!

 

Évora! ... O teu olhar ... o teu perfil ...

Tua boca sinuosa, um mês de Abril,

Que o coração no peito me almoroça!

 

... Em cada viela o vulto dum fantasma ...

E a minh'alma soturna escuta e pasma ...

E sente-se passar menina e moça ... 

 

Florbela Espanca

 

Évora, Março de 2012

Jorge Soares

publicado às 17:10

Conto - Agulha número 4

por Jorge Soares, em 23.03.13

Adolescente Grávida

Imagem de aqui


De repente, tudo o que se fala tem a ver com bebês. Descoberta de gravidez, previsão de chegada, batimentos cardíacos normais, ultrassons, chás de bebê, decoração de quarto de recém nascida, partos sem grandes traumas, visita à maternidade, estado de graça, babação, fotos e mais fotos, muito contentamento. Adoro crianças, especialmente as menores, e acho que essa movimentação de vida que começa dá uma leveza ímpar aos humores das pessoas, faz durar nosso estado de alegria. Tenho reparado até certa cobrança, afinal de contas quando se cumprem as regras sociais que dão origem às famílias no sentido tradicional não é apenas o relógio biológico que pede satisfações. Apesar de a última semana ter sido cheia de notícias assim, há uma lembrança sobre gestação que dá voltas na minha cabeça, uma história difícil.

A Laura nunca foi do tipo que arrasta tristeza pelo chão, mas nos últimos meses olhava para sua vida e não conseguia ver nada de bonito, de colorido, de seu. Do lado de fora da porta de entrada, aconchegada sob o cobertor na cadeira de balanço, ela desembrulhou sem entusiasmo o presente de Daniel. Era a décima oitava terça-feira desde aquele dia e o primo insistia em fabricar uma intimidade que, por Laura, jamais teria lugar para existir. Os dois foram criados muito próximos e os parentes tratavam com naturalidade a mania que ele tinha de cercá-la. Um dia isso passa, comentavam após almoços, deixa ele conhecer mulher, garantiam os tios. Mas não passou. Numa manhã bem cedo Daniel valeu-se da ausência dos pais de Laura na casa do campo, entrou sem fazer barulho, subiu as escadas, abriu a porta do quarto dela e entrou. Houve grito, houve socos, houve choro e pedido de socorro, mas não havia ninguém por perto, com ouvidos de ouvir.

Dentro da caixa do presente, novelos de lã vermelha e sapatinhos de bebê recortados da revista. Perdeu o que restava de graça a Laura, que nos últimos dias sentava no mesmo lugar, na mesma hora, a tricotar um blusão cinza de gola alta. Pensou na avó paterna, que lhe ensinou a colocar os pontos na agulha e a tramar as primeiras carreiras. Lembrou da rigidez da velha e quase ouviu a voz grave de repreensão: isso não é ponto que se dê, criatura! Apertado desse jeito, vai terminar um ninho de camundongos o teu tricô. Pode desmanchar e fazer de novo, com decência. Teve medo de imaginar como a avó a trataria se fosse viva e soubesse que.

Sabia que estava perdida, nem sinal de menstruação. Confirmou o adiantado do blusão, já tinha as mangas e as costas prontas. Começava a frente com as agulhas mais finas, de número 4, como havia aprendido. Quinze, dezesseis, dezessete pontos, aflição. Olha, não é que eu não te queira, não é isso. Vinte e nove, trinta. Eu não posso contigo e não suporto de onde tu vens. Não tenho um corpo que possa te servir de casa em tempo algum. Do meu desgosto jamais nasceria exemplo e retidão de heranças para ti. Eu não tenho nada de bom para te oferecer, nem buscando lá no fundo. Cinquenta e cinco. Não sou nada. Acho que nunca cheguei a ser. Laura dizia coisa para dentro, numa conversa longa e necessária, sem perder-se nas contas.

Respirou fundo e, decidida, arrancou a agulha dos pontos, passando-a para baixo do cobertor. Sem provocar suspeitas dos pais que iam e vinham do campo e entravam na casa com frequência, envolvidos que estavam com as ovelhas, puxou com calma a saia para cima das coxas, arredou a calcinha para o lado com uma das mãos. Segurou firmemente a agulha e cravou o próprio ventre. Diversas vezes. Aguentou a dor sem choro até o fim. Até o frio. Anoitecia e Laura tinha olhos vidrados no horizonte de árvores verdes.


Andreia Pires


Retirado de Samizdat

publicado às 21:25

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