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Imagem do El País

 

Os senhores ali da fotografia são Alexis Tsipras e Pablo Iglesias, lideres respectivamente do Syriza, que a julgar pelas sondagens deverá ser o partido vencedor nas eleições gregas que se realizam no próximo Domingo e do Podemos, partido espanhol que tem liderado algumas sondagens.

 

Ambos os partidos se posicionam na extrema esquerda e ambos baseiam as suas propostas no fim da austeridade e numa mudança das relações dos seus países com a Europa, sendo que o Syriza à medida que foi subindo nas intenções de voto foi moderando as suas propostas, a saída da Grécia do Euro foi uma das promessas que caiu.. ainda que haja quem pense que esta hipótese voltará logo que se conheçam os resultados das eleições.

 

Podemos começou por ser um partido com ligações umbilicais a Chavez e ao comunismo Bolivariano da Venezuela, terá sido da América do sul de onde veio nos últimos anos a maior parte do financiamento, tal como o Syriza, à medida que foram subindo nas intenções de voto, foram mudando a agulha e distanciando-se das ideologias e soluções económicas de Chavez e do seu herdeiro Nicolás Maduro....  neste momento já há quem desde Caracas lhes chame traidores por renegarem quem lhes deu a mão e os fez crescer.

 

Acho que não restam dúvidas sobre a vitória do Syriza no próximo Domingo, o que acontecerá a seguir e a forma como evoluir a situação na Grécia marcará de certeza o futuro da Europa e acredito que terá muitíssima influência no futuro do Podemos.

 

As eleições espanholas estão previstas para Novembro, a situação politica e social na Espanha tem pouco que ver com a da Grécia, eu tenho sérias dúvidas que Pablo Iglésias e o seu partido venham a ter nas urnas a expressão que parecem ter nas sondagens,.. a mudança do discurso a nível económico que operaram nos últimos meses. A ligação ao chavismo e a situação actual na Venezuela e até alguns podres dos lideres e do seu entorno que entretanto foram aparecendo, vão de certeza fazer os espanhóis ponderar muito bem na hora de votar. Do meu ponto de vista o futuro do Podemos estará mais perto do  do Bloco de esquerda português do que do Syriza Grego... mas a minha opinião vale o que vale.

 

Uma vitória do Syriza e uma transição pacifica na Grécia seriam de certeza muito bem aproveitadas pelo Podemos, resta saber se essa transição pacífica é possível, se Alexis Tsipras se vai limitar ao que foi prometendo na campanha eleitoral ou se haverá realmente uma agenda secreta que inclui a saída do Euro..... 

 

A vitória destes dois partidos nos seus países traria de certeza uma enorme mudança no panorama político europeu, mas estarão os europeus preparados para mudar assim tanto?

 

Jorge Soares

 

 

 

publicado às 23:10

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Imagem do Facebook 

 

Não conheço Eduardo Beauté de lado nenhum, só sei que existe porque me interesso pelas questões da adopção e sei que ele e a pessoa com quem casou (lamento mas não faço ideia de como se chama) adoptaram duas crianças e que tal como muitos outros casais homossexuais, estão à espera que neste país se termine o preconceito e discriminação mesquinha para que se torne legal aquilo que já existe de facto.

 

Há pouco encontrei este texto no Facebook e não posso deixar de o partilhar, peço que, conhecendo ou não os senhores ali da fotografia, eu confesso que nem sei qual dos dois é Eduardo Beauté, e em consciência pensem no que ali está escrito e no sentido que faz... retirei o título do post do ultimo parágrafo e gostava de perguntar a quem é contra este tipo de adopções, aos deputados e legisladores deste país e a cada uma das pessoas que por aqui passa: Como se diferencia o amor?

 

Jorge Soares

 

Após ver as notícias de hoje, sinto-me completamente triste e indignado pelo que acabo de assistir: ainda se coloca em questão a possibilidade de se legalizar, em plena Assembleia da República, a adopção por parte de casais do mesmo sexo.

 

Em Portugal, e cada vez mais nos tornamos rapidamente numa excepção, uma família só é considerada legal e normal se tiver um Pai e uma Mãe. Existem mentalidades que ainda não conseguem aceitar a ideia de Família e Amor como algo Universal, independente de quantos Pais ou quantas Mães tiver.

 

Pelos vistos na nossa Assembleia todos têm famílias ditas “normais” e são todos amados e amam pessoas do sexo oposto. Ainda vou mais longe… Pelos vistos quem manda nas nossas leis, quem faz com que o nosso País progrida e se desenvolva, não tem o Amor como algo que acontece entre Seres de uma mesma espécie, independente de sexo, cor, escolhas, orientações.

 

Que País é este em que eu vivo e trago os meus filhos para viver? País que ainda o escrevo e descrevo com letra grande, pois ainda acredito estar embrulhado num pesadelo e amanhã será tudo mentira. Que País é este no qual os MEUS filhos não podem ter o meu nome?

 

Que País é este no qual eu não posso ser um PAI? Eu e o Luís temos 2 filhos e vamos a “caminho” do terceiro. É importante contar-vos as suas histórias.

 

O Bernardo tem 4 anos, prestes a fazer 5 aninhos no próximo dia 13 de Maio. Veio para nós com 11 meses. Tem Trissomia 21. Veio de uma família carenciada, a qual não tinha a disponibilidade de oferecer afecto e muito menos proporcionar a vida saudável que o menino precisa e que neste momento tem (escola, tratamentos específicos, actividades). O desenvolvimento do Bernardo tem sido fantástico desde que se juntou a nós.

 

A Lurdes tem 3 anos, acabados de fazer no dia 8 de Janeiro, no mesmo dia em que comemoro o meu aniversário. Veio da Guiné. Era uma criança que tinha UMA refeição por dia, refeição a qual não era nem de perto nem de longe suficiente para sequer alimentá-la naquela meia hora que se passava. Hoje em dia é a criança com maior nível de desenvolvimento da sua Escola.

 

Agora, vem aí o Eduardo que nasceu no passado dia 4 de Novembro. Vai fazer 3 meses. Eduardo nasceu na Instituição na qual fui buscar a Lu. Ligaram-me no dia em que ele nasceu dizendo que tinha nascido uma rapazinho lindo e como forma de me mostrarem o quanto estavam agradecidos pela vida e saúde da Lurdes, iriam baptizá-lo como o meu nome. Fiquei emocionado. Passou-se uma semana ligaram-me novamente: o pequeno Eduardo tinha sido internado com graves problemas de saúde e não sabiam como seria a sua vida dali para a frente. Depois do choque, recompus-me e pedi que me deixassem apadrinhá-lo. Consegui, graças a Deus, cuidar deste bebé de longe e poder de alguma forma contribuir para a sua VIDA. Passaram se 3 semanas e o pequeno Eduardo voltou para a Aldeia (Instituição).

 

O Líder ligou-me novamente e disse-me que o menino estava estável e que esperava agora que ele tivesse a mesma sorte que a Lu, já que iria ficar ali com eles até aparecer alguém que o quisesse, adoptasse, o enchesse de amor. Não hesitei e no mesmo segundo respondi: “ O Eduardo já tem a mesma sorte que a Lu e o Bernardo, porque nós queremos adoptar o Eduardo!”. E assim estamos: à espera de o poder trazer.

 


Três histórias de três crianças que não tinham família, amor, uma casa, refeições diárias, escola, roupa, saúde… E por aqui poderia ficar horas a escrever. Agora multipliquem estas 3 crianças por milhares que estão, infelizmente, espalhadas pelo Mundo em lugares que nós nem sabemos que existem. Agora, imaginem quantas famílias as podem ou querem adoptar. O número não é igual, pelo contrário, é menor a quantidade de famílias em espera para adopção do que as crianças que estão à espera para serem adoptadas. Desse número vamos eliminar os casais homossexuais e os pais solteiros/mães solteiras. Ficamos como? Meu Deus… O que será de tantas crianças?


Gostaria e juro por Deus que faço questão que me expliquem o que a minha família tem a menos do que uma família onde os pais são heterossexuais? Como se diferencia o Amor? Sim, porque não estamos a falar das possibilidades materiais, estamos a discutir AMOR. Enfim… O meu sonho: que os meus 3 filhos sejam felizes e com muita saúde sempre… e que um dia, no meu País que eu tanto amo, possam assinar BORGES FERREIRA.

 

Eduardo Beauté

 

Retirado do Facebook

publicado às 22:02

Custe o que custar... são quantas vidas?

por Jorge Soares, em 20.01.15

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Imagem do Facebook 

 

"Vamos cumprir o programa custe o que custar .... não fazemos a concretização daquele programa obrigados, como quem carrega uma cruz às costas. Nós cumprimos aquele programa porque acreditamos que, no essencial,  o que ele prescreve é necessário fazer em Portugal para vencermos a crise em que estamos mergulhados"


Foi a 31 de Janeiro de 2012 que Passos Coelho proferiu a afirmação acima, referia-se ao programa que a troika delineou para Portugal, que foi assinado por PS, PSD e CDS e que no caso da saúde nos levou à situação que vivemos durante os últimos dias.

 

Desde o início do ano já são sete as mortes de pessoas que esperavam ser atendidas nas urgências. Há hospitais em que o tempo de espera chega a ser de quase 24 horas, as ambulâncias ficam retidas nos hospitais porque não há macas para deitar os doentes enquanto esperam e em quase todos os hospitais há doentes que passam dias em macas espalhadas pelos corredores das urgências porque não há camas suficientes para internamentos.... e ainda não chegamos ao pico da epidemia de gripe.

 

Há quem diga que já passamos o pior, que entramos em crescimento económico, não sei onde vão buscar os dados, mas para mim, pelo menos ao nível da saúde, nunca estivemos tão mal... e o orçamento de 2015 ainda reduziu mais os gastos do ministério da saúde...  o que é no mínimo assustador.

 

Não sei se Passos Coelho tinha a noção do alcance do que estava a dizer já lá vão três longos e penosos anos, mas gostava de lhe perguntar, o que lhe parece agora aquele custe o que custar.

 

Senhor Primeiro Ministro, senhor ministro da saúde, custe o que custar,  são quantas vidas?

 

Jorge Soares

publicado às 22:17

 Imagem de aqui

 

Já lá vai um tempo, por isso a maioria nem se lembrará do caos que foi a colocação de professores no inicio de este ano lectivo. A minha filha mais velha, que está no 10 ano no liceu de Setúbal esteve, quase até ao inicio de Novembro à espera que fosse colocada a professora de matemática (ver este post, ou este, ou este, ou este), na semana passada foi a reunião de avaliação do primeiro periodo dos pais com a directora de turma.

 

Estava tudo a correr muito bem, a julgar pelo que a senhora contou esta deve ser a melhor turma do país e arredores, aplicados e bem comportados, até que uma das mães reparou no detalhe das aulas de matemática, então era assim:

 

Aulas previstas: 76

Aulas ministradas: 43

 

A professora de matemática que foi colocada no fim de Outubro,  pouco mais deu que metade das aulas, é mais que evidente que não vai ser possível cumprir o programa e uma das encarregadas de educação queria saber o que estava a escola a pensar fazer para resolver o assunto.

 

A conversa foi quase surreal, a escola não está a pensar fazer nada, além do evidente atraso na matéria, há alguns alunos com dificuldades de aprendizagem na disciplina e estão planeadas aulas de apoio. É claro que aulas de apoio não tem nada a ver com aulas de compensação, e eu fiz ver isso à directora de turma, sem deixar de recordar que o  ministro Crato se tinha comprometido em que todos os alunos teriam as devidas aulas de compensação para recuperar o tempo perdido.

 

Não, ela não tinha ouvido nada disso, não estavam planeadas aulas de compensação para a turma, nem há plano algum para recuperar o tempo perdido. Segundo ela a escola tinha planeado aulas de compensação para os alunos do nono ano, que tem exame obrigatório no fim do ano lectivo, mas desistiu da ideia, porque além de que é muito complicado conjugar horários, como as aulas não são obrigatórias os alunos não aparecem.

 

E é isto, felizmente na turma da minha filha só faltou colocar um professor, mas há turmas no Liceu de Setúbal e um pouco por todo o país em que faltaram quatro, cinco e até mais professores, turmas em que se deu metade das aulas previstas e pelos vistos, ninguém além de dois ou três pais e encarregados de educação, se preocupa com o assunto. 

 

Uma vez mais ficamos a saber o que vale a palavra do ministro e dos funcionários do ministério da educação, senhor ministro, quando há uns tempos  falava de aulas de recuperação para todos os alunos, estava a falar de quê?

 

Jorge soares

publicado às 23:06

Imagem do Pontos de vista

 

Raif Badawi é blogguer e co-fundador do site Rede Liberal Saudita, segundo quem o condenou é culpado de: ser activista dos direitos humanos, ateu, criticar o poder dos líderes religiosos da Arábia Saudita e a sua ingerência na vida politica no país. Por estes crimes foi condenado a 10 anos de prisão e a receber 1000 chicotadas que deverão ser dadas em público ao longo de 20 semanas. A mulher e os dois filhos fugiram entretanto para o Canadá com medo de represálias por parte das autoridades sauditas e/ou fanáticos religiosos.

 

Há uma semana atrás recebeu as primeiras 50, na sexta feira passada, a pedido dos médicos da prisão,  foram adiadas as segundas 50 devido a que as feridas das primeiras ainda não tinham sarado o suficiente.

 

Tal como Raif eu sou blogguer, quem me lê sabe que sou ateu, que muitas vezes critico os lideres religiosos portugueses e mundiais, e é habitual criticar o governo e o presidente da república... felizmente vivo num país onde ainda existe liberdade de expressão, é possível pensar, ter opinião e onde os castigos com chicotadas foram abolidos algures no século XIX quando por cá terminou a idade média.

 

Há muita gente que não percebeu o porquê da gigantesca manifestação em Paris, ou o que significa "Je suis Charlie", aqui está a explicação. Tal como explicava há pouco à minha filha adolescente e blogguer recente, se cedermos agora, se formos na conversa idiota do "Eles estavam a pedi-las", o mais certo é que a seguir usem a força para calar os bloguers ocidentais, depois serão os jornais normais, e quando dermos por nós  terminaremos todos em silêncio com medo das chicotadas.

 

A liberdade de expressão é um bem precioso, a maioria das pessoas nem dá pela sua existência no dia a dia, em Portugal, como em muitos outros países, custou muitas vidas e muito sofrimento para poder ser conquistada, é portanto um direito do qual não podemos de forma alguma abrir mão.

 

A Amnistia Internacional já condenou esta pena e tem em curso uma campanha e uma petição que exige a libertação imediata do ativista.

 

#FreeRaif

Jorge Soares

publicado às 20:59

Conto - A surpresa

por Jorge Soares, em 17.01.15

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    – Deixa a ponta solta.

 

Deixa essa ponta solta, repetiu a mulher vestida com panos escuros.

 

A ela tinham-na vestido com tecidos garridos, as mesmas mulheres que lhe tinham dito que amanhã iria ao mercado da aldeia.

 

Uma delas veio compor a fita, e a ponta ficou pendendo disfarçada numa dobra do tecido. Era um pedaço de cabedal ou imitando, do que teria sido um cinto. A mulher vestida de negro aquiesceu:

– Isso. Deixa-a, assim, solta.

 

E aproximou-se como se fosse contar-lhe um segredo.

 

Fátima sentiu-lhe até o bafo.

Sentiu-lhe os lábios grossos, muito grossos e encarnados, quase a roçarem-lhe o lóbulo da orelha que sobrava por debaixo do lenço.

A mulher apertou-lhe a mão por cima do pano colorido.

Um pano com manchas vermelhas e azuis e com bolas em amarelo canário, entremeando.

A mulher agarrava-lhe a mão e deslizava-a por baixo do tecido, e assim, pretendia mostrar que, com a ponta solta, bastavam dois dedos.

 

As mulheres tinham-lhe dito: vais levar uma surpresa ao teu tio Pedro.

Levas a surpresa bem presa no teu corpo, tinham elas acrescido.

 

E que puxasse a fita apenas quando chegasse junto da bancada, tinham repetido, isso, uma vez e outra. E no entanto, a falar baixíssimo, os lábios gotejando humidades sobre o lóbulo da orelha que assomava debaixo do lenço colorido, a mulher vestida de negro ainda indagou, apenas como se afirmasse certezas desejadas:

 

– Sabes como fazes, não sabes?

Mas nem esperou resposta.

 

Na sala diminuta estavam a mulher de negro, e a mulher que tratou de fazer com que a ponta ficasse solta, e duas outras mulheres acocoradas como rolos de tecidos por ali jogados; e, além delas, dois homens permaneciam hirtos, de pé, junto à única porta.

 

As mulheres tinham dito: eles depois levam-te.

Fátima percebeu que seriam aqueles.

Fátima vestida com panos de cores garridas como nos dias em que ia ao mercado da aldeia com a mãe e as tias e os primos e primas.

 

 

***

 

 Ela não tinha respondido, mas sabia muito bem como devia.

 

 As mulheres tinham-lhe dito. Tinham-lhe explicado e repetido enquanto a vestiam com panos garridos e juravam que sim, que ela comeria frutos. Mangas e papaia. Talvez tâmaras se já as houvesse.

 

Vais fazer uma surpresa ao teu tio Pedro, tinham-lhe elas explicado.

E Fátima foi com os homens por caminhos e estradas.

Aos balanços do carro, a prenda do tio incomodava-a. Magoava-lhe o corpo sobretudo do lado direito onde tinham deixado uma ponta solta.

Ela sabia que só devia puxar quando estivesse na bancada de frutas. Lá, onde deixaria a surpresa que levava agarrada ao corpo.

As mulheres tinham-lhe dito. Elas tinham-lhe dito e repetido.

 

Mas ainda assim, ela deve ter percebido mal.

Ou percebeu, mas atrapalhou-se.

 

Quando chegou, já o tio Pedro estava colocando frutas na bancada. Para que ele não a visse, para ser mesmo surpresa como as mulheres lhe tinham ensinado, escondeu-se por detrás de uma resma de cestas que estavam, por ali, empilhadas. 

 

Só então estendeu a mão e tocou a ponta solta. Tocou apenas e esperou um pouco como se estivesse ouvindo a voz das mulheres: pegas com força e puxas para baixo. Elas tinham insistido. 

 

Só depois puxou.

Mas qualquer coisa deve ter corrido mal.

Aquela dor que vinha sentido, do lado direito, mais ainda que do outro lado, tornou-se muito intensa e espalhou-se pelo corpo todo. E terá sido porque ela segurou demasiado levezinho. Ou porque terá puxado para o lado em vez de puxar para baixo. Ou ela teria até, desgovernada, puxado para cima.

 

O que quer que tenha sido, saiu errado, e o seu grito ressoou, e era como se todos no mercado estivessem gritando. Ou estariam. Ou era ela apenas.

 

Fátima não percebia senão que tinha sido um verdadeiro horror depois que puxou a ponta que as mulheres tinham deixado solta por baixo dos panos. 

 

Desfeita em cacos a surpresa que trazia para o seu tio. 

E no mercado um sururu ensurdecedor como se tudo se tivesse revirado debaixo dum céu toldado de vermelho e negro a fazer lembrar os dias em que os vizinhos e os pais faziam queimadas nos terrenos antes da próxima sementeira. Então, era um calor imenso, e nem assim tão grande como aconteceu mal ela puxou a ponta para que se desprendesse a surpresa que trazia para o tio. 

 

No tempo das queimadas, os meninos da aldeia ajudavam a manter o fogo longe das casas. Iam todos, ela e os irmãos e os primos, a bater a terra com vassouras feitas de ramos verdes. Tinha sido assim, antes de os terem levado. Dois camiões carregados com crianças raptadas da aldeia. Fátima ia com eles. Tinha sido muito antes de ter menstruado. Nem por isso criara corpo. Miudinha, sangrara uma vez apenas. O sangue a sair-lhe do corpo, e o seu nem era um sangue assim quase negro como aquele que agora se espalhava pelo chão do mercado.

 

Ou ela delira. 

 

Ou será a dor imensa que ela sente que a faz parecer que o mercado, todo ele, arde como era lá na aldeia em dias de queimada; que, como ela, tantos no mercado estão empapados no seu próprio sangue. 

 

Estará ela confundindo e nem o seu corpo estará a desmembrar-se, um braço e uma perna para cada lado como se dava com as lagartixas: cada pedaço do bicho ainda remexendo, cada bocado com a consciência que Deus lhe deu, dizia assim o Damião que era o sábio lá da aldeia.

 

Fátima que não percebe e nem consegue explicar o que fez errado.

Sabe que estragou a surpresa que trazia para o tio. Isso ela sabe, e está muito triste.

 

Maria de Fátima

Retirado de Samizdat

publicado às 21:25

Está aberta a guerra santa ao boneco de neve!

por Jorge Soares, em 13.01.15

Imagem minha do Momentos e olhares

 

Fosse eu o Gustavo Santos e a esta hora estaria a dizer mal da minha vida, há uns dois ou três anos numa passagem pela serra da estrela num dia em que  havia a neve suficiente para se fazer umas bolas, paramos o carro na berma da estrada e entre toda a família pusemos mãos à obra, o resultado é o que está à vista ali na fotografia, não é um daqueles bonecos dos desenhos animados enorme e com nariz de cenoura, mas é um boneco de neve à medida portuguesa, pequenino como o país e de acordo com a quantidade de neve que por cá cai.

 

Hoje descobri que com aquela brincadeira, eu e o resto da família estivemos a "... promover a luxúria e o erotismo

 

Segundo o  sheikh Mohammed al-Munajjid, um conhecido clérigo islâmico da Arábia Saudita, “não é permitido fazer uma estátua de neve, nem que seja por diversão" porque isto vai contra a lei islâmica.

 

A julgar pela quantidade de jornais, especialmente americanos, que não se atreveram a publicar as caricaturas do Charlie Hebdo, não fosse alguém ficar ofendido, está-se mesmo a ver que os bonecos de neve são uma espécie em extinção... é que ninguém se quer pôr a jeito.

 

Brincadeiras à parte, tudo o que é demais é exagero, gostava que alguém me explicasse qual a lógica de uma coisa destas, como é que deus, o profeta ou lá o que seja, se podem chatear com um simples boneco de neve?.. e como é que uma figura feita juntando e amontoando bolas de neve, podem promover a luxúria e o erotismo?

 

Eu entendo que as pessoas queiram respeitar a sua religião e os religiosos, mas há alguma forma de levar a sério pessoas que levam as palavras e as escrituras à letra até este ponto?

 

Quanto a mim, não sei se o pobre boneco da fotografia  será o suficiente ou não para ter enfurecido algum terrorista radical... mas pelo sim pelo não, juro que só nos estávamos a divertir e não estávamos a gozar com deus ou profeta algum.

 

Jorge Soares

publicado às 22:20

nigéria.jpg

 

Imagem de Sofia Zambujo

 

De modo algum quero retirar importância ao que se passou em Paris, para mim a liberdade de expressão é algo que não se discute, e por muito que alguns idiotas tentem, nada justifica que se matem jornalistas, polícias ou simples anónimos, em nome de um deus, um profeta, ou uma religião qualquer.

 

As manifestações que juntaram milhões de pessoas em Paris e um pouco por todo o mundo são a prova de que a sociedade ocidental não está disposta a vergar-se  ante ameaças ou actos terroristas, mas não deixam também de ser a prova de que à sociedade ocidental, a todos nós só nos importa o que se passa no nosso quintal ou nos afecta directamente.

 

No mesmo dia em que mataram 12 pessoas no Charlie Hebdo, na Nigéria o Boko Haram numa ofensiva para controlar uma cidade nigeriana matou mais de 2000 pessoas . No dia a seguir, ao mesmo tempo que todos tínhamos os olhos em Paris porque um terrorista fez reféns um grupo de pessoas num supermercado, três mulheres fizeram-se explodir e mataram mais de 20 pessoas.

 

Durante os últimos dias quantas horas de televisão se dedicaram, e se continuam a dedicar, ao que se passou em Paris?... e em quantas dessas horas se falou do que se passa na Nigéria?

 

Todos ficamos a saber que o Presidente da Republica, o Primeiro ministro e a assembleia da República mandaram condolências à embaixada francesa e foram inclusivamente a Paris dar as mesmas em pessoa ao presidente francês, mas alguém ouviu falar das condolências ao governo e ao povo da Nigéria pelas mais de 2000 mortes? São mais importantes as 20 mortes de Paris do que as mais de 2000 da Nigéria?

 

Evidentemente as mortes tem todas a mesma importância, mas à primeira vista parece que há mortes e mortes e assim de repente as que se passam perto do nosso quintal  são mais importantes... pelo menos para os governos ocidentais.

 

Para quem não sabe, Boko Haram significa "contra a educação ocidental", a maior parte das pessoas terá dificuldade em identificar a Nigéria no mapa de África, mas era bom que uma parte dos que agora com tanto ênfase se nomeiam Charlie ( e contra mim falo) tivessem também a noção de que o mesmo fanatismo que em nome de um qualquer deus mata em Paris, também mata todos os dias Na Nigéria, na Síria, no Iraque, no Iémen, no Chade, etc, etc, etc.. e por lá nem é preciso ser jornalista ou cartoonista, por vezes basta estar vivo.

 

Jorge Soares

publicado às 22:59

Porque morreram 20 pessoas em Paris?

por Jorge Soares, em 11.01.15

jesuicharlie.jpg

 

O balanço (até agora) vai em 20 mortos em dois dias em Paris, jornalistas, policias, terroristas, gente inocente e anónima, 20 vidas que se foram, algumas quase em vivo e em directo via televisão para o mundo inteiro... e tudo isto foi por causa de uns cartoons? A sério?

 

A julgar por muito do que tenho lido (ver comentários a este post ou a este), ou  parece que há gente que acha que os culpados de tudo isto são mesmo os jornalistas que foram barbaramente assassinados no Charlie Hebdo, não fosse a sua insistência em ter opinião e em fazer dela humor e noticias, nada disto teria acontecido... sou só eu que acho estamos mesmo a bater no fundo?

 

Depois é engraçado ouvir a senhora Le Pen vir propor um referendo para se fechar as fronteiras francesas  à emigração... será que ele foi a única que não viu que os três terroristas mortos eram franceses e nasceram em França?... O que tem a ver o que aconteceu em Paris com a emigração?

 

Está mais que visto que o que aconteceu tem a ver com educação, ideias e princípios... ou a falta deles, fanatismo ...., mas quando uma senhora que pretende ser candidata a presidente francesa não é capaz de discernir algo tão evidente, o que se pode esperar do resto do mundo?

 

Porque morreram 20 pessoas em Paris? se calhar é porque a França e o resto do mundo tem um monte de cartoons a governar... não foi é de certeza por culpa dos cartoons do Charlie Hebdo.

 

Jorge Soares

publicado às 22:10

Morrerias por uma ideia?

por Jorge Soares, em 10.01.15

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Há uma linha invisível entre heroísmo e estupidez...

Dizem que foram os gregos que, pela primeira vez na história do Ocidente, defenderam com unhas e dentes a liberdade contra a servidão.


As cidades-estados gregas, entre elas Esparta e Atenas, chocaram-se contra o monstruoso exército persa, liderado primeiro por Dario e, posteriormente, por Xerxes.


Conta a história (de Heródoto) que a liberdade venceu: ideologicamente, com a morte suicida dos trezentos bravos espartanos e de seus aliados na Batalha de Termópilas, e militarmente, com a engenhosa estratégia naval dos atenienses em Salamina.


Os homens livres preservaram sua liberdade, e o seu direito de terem escravos - pois sim!, os homens livres da Grécia tinham seus escravos, com os mais ricos dos atenienses possuindo até 50 servos.

E na História Ocidental esta dinâmica foi preservada durante muitos séculos. Ainda hoje muitos de nós são escravos: do dinheiro, da comodidade, do luxo, da ostentação, das corporações, do trabalho, inclusive escravos até de princípios que pouco correspondem à realidade.

Pensa-se no Ocidente como livre, democrático, justo e tolerante. É a mentira que repetimos dia após dia para convencermos a nós mesmos.


O problema fica realmente evidente quando tentamos definir o que cada uma destas qualidades realmente quer dizer e, para isto, centenas de tratados já foram escritos. São alguns dos principais temas que ocuparam as mentes dos filósofos de todos os tempos, mas particularmente da Modernidade em diante.



O que é liberdade? O que é justiça? É possível uma sociedade verdadeiramente democrática?



O Iluminismo francês forneceu as bases teóricas para algumas das maiores transformações sociais dos últimos séculos, da Revolução Americana, passando pela própria Revolução Francesa, e por todos os movimentos independentistas da América Latina. A revolução burguesa serviu até como referência para a revolução do proletariado, à qual esta se opunha.



As ideias que movem o mundo. As ideias que transformam a sociedade. As ideias que às vezes até nos impedem de ver as coisas como elas realmente são.

Eu acreditava que a era digital, com tamanha informação disponível, com comunicação sem fronteiras, inevitavelmente nos tornaria mais tolerantes, muito mais aptos a compreender e aceitar a diversidade.


Pelo contrário...


Entramos com os dois pés numa nova era de intolerância e ódio, e tudo que se diz, escreve-se, publica-se, canta-se e mostra-se é recebido com ira e palavras ásperas.


Todos têm opiniões sobre tudo, mas as opiniões alheias estão sempre equivocadas. E, para isto, não basta apenas discordar, é necessário defender até a morte a "verdade".


É preciso tornar-se um mártir da verdade e do que é correto.



Mas este é um segundo problema insolúvel. O que é afinal a verdade?


Ela está aqui, ali ou algures? Quem tem acesso a ela? Existe uma única verdade inequívoca, ou teria ela mil facetas fragmentadas e contraditórias?



Onde você vê liberdade, eu vejo servidão.


Onde você vê tolerância, percebo cada vez mais o discurso de ódio que de tempos em tempos ressurge.


Onde você vê uma imprensa livre, eu me assusto como a manipulação da mídia.


Onde você vê a verdade, eu postulo questão infinitas e insolúveis.



Eu não morreria por ideia alguma, pois elas são tão efêmeras e impalpáveis e indefiníveis quanto as ideias contrárias.


Morrerei apenas porque é inevitável, do modo como for.

 

Henry Bugalho

 

Retirado de Samizdat

publicado às 20:02



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