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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Imagem do Momentos e Olhares
Ainda a propósito do Livro de que falei ontem, O Fim da inocência, hoje lembrei-me de dois episódios que vivi, ambos do meu tempo de estudante em Lisboa.
O primeiro passou-se num autocarro, numa das muitas viagens entre Lisboa e Oliveira de Azeméis, sentou-se a meu lado uma miúda, não me recordo a idade, mas não tinha mais de 15 anos, mal se sentou puxou conversa e as mais de 3 horas de viagem passaram-se num longo desfilar de factos de uma vida que apesar de ser curta, já tinha visto muitas coisas. Por entre lágrimas foram desfilando as relações com o pai, piloto e a maior parte do tempo ausente, a mãe sempre noutra, o irmão e os namorados. Ali, ante mim um completo desconhecido, ela foi libertando todos os detalhes de uma vida que claramente para ela estava a ser pesada demais. Sai daquele autocarro com a consciência clara que havia mais vidas para além daquela que eu nos meus já mais de vinte anos tinha conhecido e de que estava ali alguém que precisava urgentemente de ajuda... de vez em quando lembro-me dela e de que se calhar poderia ter feito mais que simplesmente ouvir.
O outro caso aconteceu nos primeiros dias de aulas, eu acabava de mudar de vida, de cidade, de país. Já não me lembro a propósito de quê, mas uma das minhas novas colegas convidou-me para almoçar, fomos comer uma piza ali para os lados da avenida de Roma. Durante o almoço que ela insistiu em pagar, a conversa foi sobre o consumo de drogas de que ela era utilizadora ocasional. Tinha um irmão adicto, já tinha experimentado algumas coisas e de vez em quando fumava uns charros. Lembro-me que terminamos o almoço num impasse, apesar da situação do irmão, ela achava que não fazia mal nenhum e que se conseguia controlar perfeitamente.
Éramos colegas de turma, mas não voltámos a almoçar juntos, no segundo ano desapareceu, o último que soube dela foi que estaria algures a fazer uma desintoxicação... pelos vistos, o vício não era assim tão fácil de controlar.
A mim estas coisas chocam-me, vivi 10 anos na Venezuela, estudei em escolas públicas, cheguei a andar na universidade, desde o liceu que bebíamos de vez em quando, todos tivemos a nossas experiências sexuais com as namoradas de ocasião, mas até chegar a Portugal nunca vi ou ouvi falar de drogas, nem na escola nem nos grupos de amigos ou conhecidos.
Hoje tenho consciência que em Portugal as coisas não são assim, mal cá cheguei tive consciência disso, em Lisboa entre os meus colegas de faculdade, por entre as conversas ia percebendo que a maioria já teria pelo menos experimentado as drogas. Mas isto é o que para mim torna o livro mais assustador. No fim do livro dei por mim a pensar entre os colegas da minha filha de 11 anos, quem seria a Inês, a Rita, o Bernardo, a Mónica... de entre todas as pessoas que conheço quantos Antónios haverá?
Educar é uma tarefa muito complicada, devemos ter consciência que tudo aquilo que é retratado no livro existe mesmo, haverá maneira de educar de forma a que os nossos filhos passem por tudo isto sem cair?... de certeza que sim, a prova é que nós passamos ..estamos cá,.. mas eu estou de acordo com a Inês, a forma como se vive hoje, a forma como se educa hoje, a forma como os nossos filhos crescem, não tem nada a ver com aquilo que nós vivemos... e de nós depende que eles tenham o mesmo ou mais sucesso que o que nós tivemos.
Jorge Soares