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Mão amiga (obrigado Flor) fez-me chegar o seguinte texto que o Rui Tavares publicou na sua coluna do Público e no seu blog Rui Tavares.net, independentemente de não ser completamente verdade que a Bélgica não tivesse governo, na altura tinha um governo de transição que mudava cada seis meses, nos deixa a pensar sobre a forma como funciona esta coisa dos mercados e da economia global.

 

Por certo neste momento a Bélgica já tem governo...

 

A vingança do Anarquista

 

Se as pessoas sentem que dão — trabalho, estudo, impostos — e não recebem nada em troca, o governo está a trabalhar para a sua deslegitimação.


Aqui há tempos havia um enigma. Como podiam os mercados deixar a Bélgica em paz quando este país tinha um défice considerável, uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo? Entretanto os mercados abocanharam a Irlanda e Portugal, deixaram a Itália em apuros, ameaçaram a Espanha e mostram-se capazes de rebaixar a França. E continuaram a não incomodar a Bélgica. Porquê? Bem, — como explica John Lanchester num artigo da última London Review of Books — a economia belga é das que mais cresceu na zona euro nos últimos tempos, sete vezes mais do que a economia alemã. E isto apesar de estar há dezasseis meses sem governo.

 

Ou melhor, corrijam essa frase. Não é “apesar” de estar sem governo. É graças — note-se, graças — a estar sem governo. Sem governo, nos tempos que correm, significa sem austeridade. Não há ninguém para implementar cortes na Bélgica, pois o governo de gestão não o pode fazer. Logo, o orçamento de há dois anos continua a aplicar-se automaticamente, o que dá uma almofada de ar à economia belga. Sem o choque contracionário que tem atacado as nossas economias da austeridade, a economia belga cresce de forma mais saudável, e ajudará a diminuir o défice e a pagar a dívida.

 

A Bélgica tornou-se assim num inesperado caso de estudo para a teoria anarquista. Começou por provar que era possível um país desenvolvido sobreviver sem governo. Agora sugere que é possível viver melhor sem ele.

 

Isto é mais do que uma curiosidade.

 

Vejamos a coisa sob outro prisma. Há quanto tempo não se ouve um governo ocidental — europeu ou norte-americano — dar uma boa notícia? Se olharmos para os últimos dez anos, os governos têm servido essencialmente para duas coisas: dizer-nos que devemos ter medo do terrorismo, na primeira metade da década; e, na segunda, dizer-nos que vão cortar nos apoios sociais.

 

Isto não foi sempre assim. A seguir à IIa. Guerra Mundial o governo dos EUA abriu as portas da Universidade a centenas de milhares de soldados — além de ter feito o Plano Marshall na Europa onde, nos anos 60, os governos inventaram o modelo social europeu. Até os governos portugueses, a seguir ao 25 de abril, levaram a cabo um processo de expansão social e inclusão política inédita no país.

 

No nosso século XXI isto acabou. Enquanto o Brasil fez os programas “Bolsa-Família” e “Fome Zero”, e a China investe em ciência e nas universidades mais do que todo o orçamento da UE, os nossos governos competem para ver quem é mais austero, e nem sequer pensam em ter uma visão mobilizadora para oferecer às suas populações.

 

Ora, os governos não “oferecem” desenvolvimento às pessoas; os governos, no seu melhor, reorganizam e devolvem às pessoas a força que a sociedade já tem. Se as pessoas sentem que dão — trabalho, estudo, impostos — e não recebem nada em troca, o governo está a trabalhar para a sua deslegitimação.

 

No fim do século XIX, isto foi também assim. As pessoas viam que o governo só tinha para lhes dar repressão ou austeridade. E olhavam para a indústria, e viam que os seus patrões só tinham para lhes dar austeridade e repressão. Os patrões e o governo tinham para lhes dar a mesma coisa, pois eram basicamente as mesmas pessoas. Não por acaso, foi a época áurea do anarquismo, um movimento que era socialista (contra os patrões) e libertário (contra o governo).

 

Estamos hoje numa situação semelhante. Nenhum boa ideia sai dos nossos governos. E as pessoas começam a perguntar-se para que servem eles.

 

Rui Tavares

Eurodeputado Independente

publicado às 14:20


10 comentários

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De Sandra Cunha a 04.11.2011 às 14:41

Olha que acho que continuam apenas com um Governo de gestão. É que em Julho passado falhou outra (mais uma!) tentativa de formar governo. Portanto, o governo que têm é meramente administrativo. De facto, a situação da Bélgica deixa-nos a pensar que precisamos apenas de uns funcionários administrativos para administrarem um país (tratarem de pagamentos, encomendas, etc, etc, o dia-a-dia). O problema é que não se pode alterar ou criar quaisquer leis.. mas se calhar seria uma questão de mudar o sistema...não sei bem como, mas deve haver aí pessoal com imaginação suficiente.
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De Jorge Soares a 06.11.2011 às 20:57

Tinha ideia que li algures sobre terem finalmente chegado a um acordo para a formação de governo.

Sabes Sandra, há muito que venho pensando que um dos maiores problemas de Portugal é a enorme quantidade de cargos políticos na gestão de tudo o que é governo, muda de governo e metade do país muda.... não devia ser assim. se calhar se tivéssemos funcionários em lugar de tachos, não estaríamos assim.

Jorge
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De Sandra Cunha a 06.11.2011 às 21:28

Jorge, tens razão. ouviste bem. Eu é que estava desactualizada. A Bélgica entretanto já tem governo de novo.
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De Nuno a 04.11.2011 às 16:34

A Bélgica tem um governo provisório desde que o governo "oficial" caiu. Esse governo pode tomar as medidas necessárias para o bom funcionamento do país. Obviamente, tem os poderes limtados mas se for mesmo necessário pode intervir.
Para além deste governo federal que demora a ser formado, as regiões belgas têm governos a funcionar e a manter a econonia local e nacional a funcionar.
O governo de Sócrates, estando demissionário, também teve que chamar o FMI quando foi necessário, não foi?
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De Jorge Soares a 06.11.2011 às 20:58

É verdade, mas não deixa de ser significativo, se fosse por cá estaria tudo parado à espera das nomeações...
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De Maria a 04.11.2011 às 16:43

Já tinha lido este artigo...

Mas não será que a Bélgica o consegue também porque tem outras variáveis? Estilo, máquina fiscal exímia, baixa corrupção, não existência de economia paralela, etc?

E porque ninguém fala nos países nórdicos? Porque não se tenta copiar aquele modelo?
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De Jorge Soares a 04.11.2011 às 16:58

Não sei muito bem o que queres dizer com modelo, os países nórdicos tem um modelo económico igual ou muito parecido com o nosso. A diferença, uma enorme diferença, é que os nórdicos tem uma cultura do direito e do dever completamente diferente do nosso.

Nós não somos nórdicos, nunca seremos, é essa a diferença. Para um nórdico é impensável deixar de pagar os seus impostos, cada cêntimo do que lhe corresponde, por cá a visão é completamente ao contrário, todo o mundo tenta a todo custo pagar o menos possível....

Jorge
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De Maria a 07.11.2011 às 14:34

Pois. As mentalidades, nesse aspecto, não se comparam. A mentalidade, a cultura e o grau de civilização são o motor para o desenvolvimento de qualquer país. Por vezes não compreendes a minha indignação contra as touradas, achas que há outras prioridades, mas estas são um exemplo flagrante de como estamos muito atrasados. Um país que se permite torturar animais em praça pública e fazer disse bandeira da cultura e tradição é um país atrasado. É um país desinformado. É um país mental e culturalmente pouco desenvolvido. Isso vai repercutir-se na economia, necessariamente. Isto para dizer que tudo está interligado...

Mas, pelo que conheço dos países nórdicos, ali existe mais uma social democracia e não exactamente um regime capitalista como aquele que a toda a força se quer implementar por aqui... Não sei, penso que o regime tem outras características.
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De Marta M a 04.11.2011 às 21:51

Sempre muito lúcido o Rui Tavares.
E certeiro no diagnóstico e nas linhas que aponta.
Dá realmente que pensar quando comparamos os governos europeus e o impacto da ausência deles..Mesmo sabendo do exagero que é considerar "sem governo", podemos pensar em linha de "menos governo" e convém observar e sublinhar o paradoxo.
Abraço e bom fim de semana
Marta M
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De Jorge Soares a 06.11.2011 às 21:00

Olá Marta

à diferença do que se passa por cá, na maioria dos países, quando muda o governo não mudam os dirigentes de tudo o que é público, por isso a Bélgica funciona mesmo sem governo, se fosse por cá estaria tudo parado à espera das nomeações do Boys....

Jorge

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