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Quando o jornalista vira noticia, é mau!

por Jorge Soares, em 28.09.20

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Imagem do Facebook

O senhor da fotografia chama-se Cláudio França, é jornalista, fez o caminho dele como jornalista, estudou, entrou para a televisão como estagiário e na semana passada esteve a apresentar as noticias do fim de semana. Começou como muitos outros jornalistas antes dele e muitos outros se seguirão de certeza, num horário matinal e ao fim de semana.

O certo é que de repente o Cláudio passou de ler as noticias a ser a noticia, primeiro nas redes sociais e depois inclusivamente noutros meios de comunicação.  Não sei que influência terá todo este barulho na futura carreira do Cláudio, mas quanto a mim há algo de muito errado nisto tudo.

Quando eu olho para a fotografia eu vejo uma pessoa de óculos, bem vestido e bem apresentado, por acaso calhou um destes dias ver o o Cláudio a apresentar as noticias e pareceu-me concentrado, com boa dicção e profissional.

Isto foi o que eu vi, o que viu o resto do mundo? Um negro com rastas no cabelo a ler as noticias na SIC. Não conheço o Cláudio, mas acho que ele dispensava este barulho todo, o barulho de quem critica porque viu um gajo negro de rastas a ler as noticias, como o barulho de quem aplaude porque está um jornalista negro de rastas a apresentar as noticias da SIC.

Todos nós deveríamos olhar para a televisão e ver um  jornalista a apresentar as noticias. Ponto!

Enquanto o jornalista virar noticia porque é negro e usa rastas, continuará a haver muita coisa errada no mundo.

Fiquem bem

Jorge Soares

publicado às 22:38

StayAway Covid, para que serve e como funciona?

por Jorge Soares, em 27.09.20

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Imagem do Público

 

Tiro sempre lições dos comentários, não sou nem pretendo ser dono da verdade, o blog pretende ser o espelho da minha alma, às vezes é mais, às vezes é  menos.

Do último post ficou-me uma certeza, muita gente não percebeu nem o objectivo nem o funcionamento da aplicação  StayAway Covid, não sei de quem é a culpa, mas claramente falhou a mensagem. Se calhar perdeu-se no meio de tanta noticia e  opinião sobre o Covid. Alguém se lembra como eram os telejornais até Dezembro do ano passado? Falavam de quê?

Eu acho que a aplicação e o seu funcionamento são uma coisa importante e deve ser bem esclarecida para evitar confusões e até rejeição à sua utilização. Vamos ver se eu me consigo explicar .

Qual é o objectivo da aplicação?

O objectivo da aplicação é apenas informativo, quando alguém tem um teste positivo e coloca o código desse teste na aplicação, todas as pessoas que também tem a aplicação no telemóvel e estiveram a menos de dois metros de distancia, são avisadas e assim podem tomar as devidas precauções. 

Não tem nada a ver com avisar o estado ou outras entidades, quando alguém testa positivo o estado é o primeiro a saber, é assim que sabemos quantos casos há por dia.

Como é que funciona a aplicação?

Depois de instalada a aplicação utiliza o bluethoot para comunicar com outros telemóveis, os aparelhos falam um com o outro e fica registado que estiveram em contacto. No dia em que algum dos donos do telemóvel coloca na aplicação um código de um teste positivo, os donos dos telemóveis com quem essa pessoa esteve em contacto nos últimos dias, recebem um aviso.

É só isto!. É claro que não é tão simples assim, mas explicado para leigos, é só isto.

Li no Blog Aquém Tejo (Aqui) o seguinte:

Imaginem que, numa viagem de comboio, por ex., os detentores dessa aplicação começam a observar os resultados nos mostruários dos telemóveis e a confrontarem-se perante supostas pessoas presentes com sintomatologias…

Com o medo, o ódio recalcado que por aí abunda…

Evidentemente o cenário acima não se coloca, não é assim que as coisas funcionam. Em primeiro lugar, quando alguém teve um teste positivo vai ficar em confinamento, não vai evidentemente andar de comboio para andar a espalhar o vírus.

O aviso é enviado quando se coloca  o resultado do teste na aplicação e é o dono do telemóvel quem faz isso, não é automático nem é o estado ou a DGS. Ora partimos do principio que ninguém recebe o resultado do teste no comboio e muito menos vai colocar o código na aplicação desde o comboio.

Espero não ter causado ainda mais confusão na cabeça de quem por cá passa, como disse no post anterior, a mim a utilização da aplicação parece-me um acto de bom senso, de consciência e até de altruísmo pelo próximo, mas isso é evidentemente uma questão de opinião. 

Há países onde a utilização  da aplicação foi obrigatória e as pessoas só podiam sair de casa se esta estiver instalada e sem sinais de contacto com o vírus, felizmente vivemos numa democracia e no nosso país só usa quem quer... mas eu acho que devíamos usar todos.

Fiquem bem e mantenham-se longe do bicho

Jorge Soares

publicado às 21:07

StayAway Covid , sim, eu instalei a aplicação

por Jorge Soares, em 24.09.20

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Imagem de aqui

A app StayAway Covid que pretende identificar potenciais exposições a pessoas infetadas com Covid-19 já está disponível para download em iOS e Android.  O uso da app lançada pelo Governo é voluntário, gratuito e anónimo, e pretende funcionar como uma ferramenta complementar para conter a expansão da pandemia de Covid-19.  (retirado do Site do SNS

Sim, eu instalei a aplicação e sim, se alguma vez ficar infectado eu vou lá colocar os dados da análise, porquê? Por uma questão de consciência e bom senso. Se eu ficar infectado quero que as pessoas com quem contactei fiquem a saber e tomem as devidas providências. Eu conheço pessoas que vivem com os pais e avós  ou cuidam deles,  pessoas de grupos de risco e essas pessoas tem que ser avisadas e ter cuidado. Tal como eu gostaria de ser avisado se alguma das pessoas com quem eu contacto ficasse infectada, para eu poder ter cuidado comigo e com os meus.

Curiosamente é no facebook que eu tenho lido mais gente a dizer que não instala, dizem eles que por  questões de segurança, porque não querem partilhar os dados, não percebem que o facto de o fazerem no facebook é um contra-senso, deve haver poucas coisas menos seguras que o Facebook... Não instalam a app, mas tem facebook e partilham fotografias das férias, dos amigos, muitas vezes dos filhos, onde vão, onde estão, o que comem .... E de certeza que usam o Waze ou o Google maps para fugir ao transito quando estão a conduzir....

O Waze é aquela aplicação que dependendo da hora a que eu pego no carro, ela automaticamente escolhe o destino sem eu lhe dizer nada, como é que acham que isso acontece? Será que os dados das minhas viagens estão guardadas algures? É claro que sim, nos servidores da google, e eu lá sei a quem mais é que eles dão acesso a esses dados? Mas dá um jeito desgraçado para quem tem que entrar e sair de lisboa todos os dias, poupamos horas de vida.... não é?

Será que estas pessoas tem noção de que cada vez que usam uma destas aplicações partilham tudo e mais alguma coisa com as empresas que as disponibilizam e os seus clientes? É engraçado como as pessoas se negam a utilizar uma app para rastreio de uma doença mas depois tem um smartphone com dezenas de aplicações sobre as quais não questionam absolutamente nada. 

Vivemos uma época complicada, se queremos que as coisas alguma vez voltem ao normal, temos que fazer todos a nossa parte, avisar as pessoas com quem contactamos que estamos infectados é ser solidário. Se tem um telemóvel instale a aplicação, seja solidário, seja honesto consigo e com quem conhece... e esqueça essa coisa da segurança ou então deite fora o telemóvel e volte aos sinais de fumo.

 

Jorge Soares

publicado às 21:27

Eu e o tele-trabalho

por Jorge Soares, em 23.09.20

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Imagem de aqui

Estou em teletrabalho desde o dia 13 de Março, mesmo antes de ser decretado o estado de emergência já na empresa em que trabalho tinham mandado o pessoal para casa. Foi relativamente pacifico, a infra-estrutura informática há muito que estava preparada, a maioria dos empregados já tinha computadores portáteis e ligação remota configurada, quem não tinha levou os computadores de secretária com que trabalhava.

Confesso que eu era dos que achava que não seria capaz de trabalhar desde casa, não me via longe do telefone e do contacto próximo com os meus colegas. Muitas vezes a forma de ajudar a resolver o problema passava por levantar-me, chegar até ao colega e tentar ver exactamente o que ele estava a fazer. Por outro lado não me achava capaz de em casa me disciplinar e abstrair da televisão, da família  e concentrar-me no trabalho. Estava completamente errado.

Desde o primeiro dia que as coisas funcionaram perfeitamente, pelo meio tive que ir buscar um monitor, um teclado e de renegociar o contrato de ligação à internet cá de casa (passei a ter o dobro da velocidade por um pouco mais que metade do preço). Com 2 pais em teletrabalho e duas estudantes com aulas à distancia, no inicio não era fácil.

Do meu ponto de vista as chaves do sucesso para o teletrabalho passam pelos seguintes pontos:

- Escolher áreas de trabalho separadas, eu fiquei com a mesa da sala, a minha meia laranja ficou com o escritório e as miúdas ficaram cada uma em seu quarto.

-Cumprir horários, continuei a levantar-me praticamente à  mesma hora que antes, como se fosse para ir para o escritório em Lisboa. Depois do banho e do pequeno almoço, vou andar 5 kms a pé, fiz isso todos os dias mesmo durante o  confinamento (vantagens de se viver no campo).  Os 50 minutos que eu antes passava todas as manhãs dentro do carro, agora passo-os a fazer exercício e a descomprimir. Por volta das 8:30 entro ao serviço e por volta das 17:30 desligo a ligação.. o teletrabalho deu-me quase duas horas diárias de vida extra, o tempo que antes passava nas viagens de ida e regresso.

-Estratégias de comunicação com o resto da equipa Apesar de a empresa não o exigir, fazemos uma reunião diária em que cada um fala dos assuntos que tem em mão, trocamos ideias e opiniões e muitas vezes discutimos soluções e estratégias. Apesar de cada um estar em sua casa, estas reuniões mantiveram-nos unidos e fizeram com que todos estejamos por dentro de todos os assuntos, sabemos sempre o que se está a passar e muitas vezes damos uma mão a alguém que precisa. É claro que também conversamos sobre o mundo.

-Estratégias de comunicação com os "clientes" - Como não há telefone fixo, a comunicação faz-se principalmente por mail e pelo skype, quando temos dezenas de mails a chegar e 5 ou 6 janelas de skype abertas a comunicação não flui,  a solução é sempre optar por passar da escrita para a voz, e o skype e o teams resolvem... e funcionou... menos quando os colegas tentam falar comigo às dez ou onze da noite... há pessoal que tem horários estranhos... lamento, a essa hora não atendo.

É claro que há coisas que se perdem, já lá vão seis meses e por vezes sinto a falta da proximidade com as pessoas, das conversas na cantina ao almoço ou à volta da máquina do café com os colegas das outras áreas... mas quanto a mim ganha-se muito em tempo,  em qualidade de vida, em dinheiro, em benefícios para o ambiente ....

É claro que o mundo não é perfeito. Ontem estava numa reunião com o meu chefe a preparar outra reunião que ia acontecer a seguir e de repente  ele ficou a falar sozinho... faltou a electricidade cá no bairro .. e lá se tiveram que adiar duas reuniões Quando isto acabar, sim, porque isto vai acabar alguma vez, talvez eu não queira ficar em casa todos os dias, mas vou querer de certeza ficar pelo menos 3 dias por semana, por mim, pela empresa, pela minha família e pelo mundo.

Jorge Soares

publicado às 22:10

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Imagem do Facebook da Marta

“Propomos que [a] todas as mulheres que abortem no Serviço Público de Saúde, por razões que não sejam de perigo imediato para a sua saúde, cujo bebé não apresente malformações ou tenham sido vítimas de violação, devem ser retirados os ovários, como forma de retirar ao Estado o dever de matar recorrentemente portugueses por nascer, que não têm quem os defenda no quadro actual.”  

É até difícil de comentar, é muito difícil de acreditar que em 2020, já na segunda década do século XXI, exista alguém que de forma séria(?) seja capaz de apresentar tal ideia para ser incluída no programa de um partido, mas aconteceu mesmo, em Portugal... em 2020. O autor do aborto de ideia existe mesmo e dá pelo nome de Rui Roque, ex-militante do Partido Nacional Renovador (2007-2014) e do Aliança (2019), actual militante do Chega, o partido de André Ventura.

Sim, é verdade que a moção foi rejeitada, mas acreditemos ou não, segundo o Observador, houve 38 militantes do tal partido que votaram a favor da ideia. É caso para dizer CHEGA!

Há muito quem acredite que nas próximas eleições o André Ventura e o partido(?) dele serão a terceira força política, a sério? Um partido que tem entre as suas fileiras pelo menos 38 pessoas que apoiam uma ideia destas pode mesmo a vir a ser importante em Portugal?  Vou emigrar para onde?

Vamos lá ver, se às mulheres que abortam vão-lhes retirar os ovários, aos palermas que vão pelo mundo fazendo filhos a torto e a direito vão cortar-lhes os tomates?  E aos que  apesar dos testes de ADN se negam a reconhecer os filhos e nunca pagam a pensão de alimentos deixando as mães a criar e educar as crianças  sozinhas vão cortar-lhe o coiso? E o que propõe fazer aos violadores?

Independentemente de a moção ter sido rejeitada ou não, convém percebermos que é deste tipo de pessoas que se faz um CHEGA, o populismo é isto.  Falar contra os ciganos, contra quem sobrevive com um RSI, com um subsidio de desemprego. O populismo é meter todas as pessoas no mesmo saco, porque os ciganos são todos iguais e nenhum gosta de trabalhar, porque as pessoas só recebem subsídios de desemprego porque não querem trabalhar e claro, as mulheres só abortam porque querem, não é por falta de educação sexual em casa, na escola, na sociedade, ou porque a miséria as obriga a dizer sim, mesmo quando querem dizer não.... porque as mulheres são todas iguais e cabem todas no mesmo saco, como os pobres, os refugiados, os emigrantes.

No outro dia algures a meio de uma caminhada alguém me disse que ia votar no Ventura só porque sim, só para chatear... bom, é nisto que essa pessoa vai votar, só para chatear.

Nestas alturas fico triste e deixo de acreditar no mundo.

Jorge Soares

publicado às 22:40

Profissionais de Saúde fizeram homenagem a Jorge Alexandre

Imagem de  aqui

 

Se não podes mudar o teu destino, muda a tua atitude

Amy Tan

Hoje a meio da tarde alguém me veio com a noticía, o Rui, um conhecido, uma pessoa mais ou menos da minha idade, com quem trabalhei em alguns  projectos no passado, está internado com Covid19. 

Há muita gente por aí que passado este tempo todo continua a achar que isto é só uma gripe, que é tudo um exagero, que usar máscara é uma parvoíce e que por trás de tudo isto há um interesse qualquer , de empresas, de países, sei lá. Cada um é livre de pensar e achar o que quiser, mas há coisas às que não se consegue escapar nem passar ao lado.

Não é possível escapar ou passar ao lado de quase um milhão de mortos , não é possível passar ao lado de sistemas de saúde colapsados, de médicos que tem que escolher quem vai morrer ou tentar sobreviver num ventilador, do sofrimento dos profissionais de saúde no caos em que se tornou a saúde pública um pouco por todo o mundo.

Mudar estas coisas não está nas nossas mãos, ou se calhar está!  Ir pelo mundo de uma forma responsável,  está nas mãos de cada um de nós, usar máscara, manter distancias, evitar aglomerações de pessoas, lavar as mãos frequentemente, é algo que acredite-se ou não nas teorias da conspiração, acredite-se ou não na gravidade ou veracidade do vírus, está nas mãos de cada um de nós e pode fazer a diferença para o mundo.

Voltando ao inicio do texto, é verdade que o Rui é uma pessoa de risco e por isso a doença afectou-o de forma mais dura, mas mesmo não sendo nós pessoas de risco, todos temos pais, avós, tios, irmãos, filhos, amigos, conhecidos! Muitos podem ser até pessoas de risco sem o saberem. Vamos ser responsáveis? Vamos pensar nos outros e na sua saúde e segurança antes de no nosso bem estar e nas nossas crenças?

Jorge Soares

PS: Vamos ver se  é desta que consigo reviver o blog.

publicado às 21:03

Álvaro de Campos ODE TRIUNFAL

por Jorge Soares, em 14.01.19

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À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica 
Tenho febre e escrevo. 
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, 
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. 

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! 
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! 
Em fúria fora e dentro de mim, 
Por todos os meus nervos dissecados fora, 
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! 
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, 
De vos ouvir demasiadamente de perto, 
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso 
De expressão de todas as minhas sensações, 
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! 

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical - 
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força - 
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, 
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro 
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas 
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão, 
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta, 
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem, 
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes, 
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando, 
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma. 

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! 
Ser completo como uma máquina! 
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo! 
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, 
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento 
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões 
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável! 

Fraternidade com todas as dinâmicas! 
Promíscua fúria de ser parte-agente 
Do rodar férreo e cosmopolita 
Dos comboios estrénuos, 
Da faina transportadora-de-cargas dos navios, 
Do giro lúbrico e lento dos guindastes, 
Do tumulto disciplinado das fábricas, 
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão! 

Horas europeias, produtoras, entaladas 
Entre maquinismos e afazeres úteis! 
Grandes cidades paradas nos cafés, 
Nos cafés - oásis de inutilidades ruidosas 
Onde se cristalizam e se precipitam 
Os rumores e os gestos do Útil 
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo! 
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares! 
Novos entusiasmos de estatura do Momento! 
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas, 
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos! 
Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific! 
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis, 
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots, 
E Piccadillies e Avenues de L'Opéra que entram 
Pela minh'alma dentro! 

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule! 
Tudo o que passa, tudo o que pára às montras! 
Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos; 
Membros evidentes de clubes aristocráticos; 
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes 
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete 
De algibeira a algibeira! 
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa! 
Presença demasiadamente acentuada das cocotes 
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?) 
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente, 
Que andam na rua com um fim qualquer; 
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos; 
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra 
E afinal tem alma lá dentro! 

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!) 

A maravilhosa beleza das corrupções políticas, 
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos, 
Agressões políticas nas ruas, 
E de vez em quando o cometa dum regicídio 
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus 
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana! 

Notícias desmentidas dos jornais, 
Artigos políticos insinceramente sinceros, 
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes - 
Duas colunas deles passando para a segunda página! 
O cheiro fresco a tinta de tipografia! 
Os cartazes postos há pouco, molhados! 
Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca! 
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos, 
Como eu vos amo de todas as maneiras, 
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto 
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!) 
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar! 
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós! 

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura! 
Química agrícola, e o comércio quase uma ciência! 
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes, 
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria, 
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios! 

Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos! 
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar! 
Olá grandes armazéns com várias secções! 
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem! 
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem! 
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos! 
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos! 
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos! 
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. 
Amo-vos carnivoramente. 
Pervertidamente e enroscando a minha vista 
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis, 
Ó coisas todas modernas, 
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima 
Do sistema imediato do Universo! 
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus! 

Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, 
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes - 
Na minha mente turbulenta e encandescida 
Possuo-vos como a uma mulher bela, 
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama, 
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima. 

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas! 
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios! 
Eh-lá-hô recomposições ministeriais! 
Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos, 
Orçamentos falsificados! 
(Um orçamento é tão natural como uma árvore 
E um parlamento tão belo como uma borboleta). 

Eh-lá o interesse por tudo na vida, 
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras 
Até à noite ponte misteriosa entre os astros 
E o mar antigo e solene, lavando as costas 
E sendo misericordiosamente o mesmo 
Que era quando Platão era realmente Platão 
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro, 
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele. 

Eu podia morrer triturado por um motor 
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída. 
Atirem-me para dentro das fornalhas! 
Metam-me debaixo dos comboios! 
Espanquem-me a bordo de navios! 
Masoquismo através de maquinismos! 
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho! 

Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby, 
Morder entre dentes o teu cap de duas cores! 

(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta! 
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!) 

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais! 
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas. 

E ser levado da rua cheio de sangue 
Sem ninguém saber quem eu sou! 

Ó tramways, funiculares, metropolitanos, 
Roçai-vos por mim até ao espasmo! 
Hilla! hilla! hilla-hô! 
Dai-me gargalhadas em plena cara, 
Ó automóveis apinhados de pândegos e de..., 
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas, 
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria! 
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto! 
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro, 
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam, 
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto 
E os gestos que faz quando ninguém pode ver! 
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva, 
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome 
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos 
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas 
Nas ruas cheias de encontrões! 

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma, 
Que emprega palavrões como palavras usuais, 
Cujos filhos roubam às portas das mercearias 
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! - 
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada. 
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa 
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão. 
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães 
Que está abaixo de todos os sistemas morais, 
Para quem nenhuma religião foi feita, 
Nenhuma arte criada, 
Nenhuma política destinada para eles! 
Como eu vos amo a todos, porque sois assim, 
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus, 
Inatingíveis por todos os progressos, 
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida! 

(Na nora do quintal da minha casa 
O burro anda à roda, anda à roda, 
E o mistério do mundo é do tamanho disto. 
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente. 
A luz do sol abafa o silêncio das esferas 
E havemos todos de morrer, 
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo, 
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa 
Do que eu sou hoje...) 

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante! 
Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus. 
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios 
De todas as partes do mundo, 
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios, 
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas. 
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado! 
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores! 

Eh-lá grandes desastres de comboios! 
Eh-lá desabamentos de galerias de minas! 
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos! 
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá, 
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões, 
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim, 
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa, 
E outro Sol no novo Horizonte! 

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto 
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo, 
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje? 
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento, 
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro, 
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico, 
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes 
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais. 

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar, 
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, 
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, 
Engenhos brocas, máquinas rotativas! 

Eia! eia! eia! 
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria! 
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente! 
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez! 
Eia todo o passado dentro do presente! 
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia! 
Eia! eia! eia! 
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita! 
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô! 
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me. 
Engatam-me em todos os comboios. 
Içam-me em todos os cais. 
Giro dentro das hélices de todos os navios. 
Eia! eia-hô! eia! 
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade! 

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa! 
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia! 

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá! 

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá! 
Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o! 

Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z! 

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte! 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa .

publicado às 21:52

 

Feliz natal a todos os que alguma vez nos sentimos ouriço cacheiro e a todos os amigos que nos ajudaram a esconder os picos.

 

Jorge Soares

 

publicado às 14:30

 

Vídeo do Observador, carreguem na imagem para ver

Acho que não há palavras para o que vemos aqui, estes senhores foram eleitos para representar o povo  e estão na assembleia da república a denegrir o povo. 

 

Sei que são ambos do PSD, não faço ideia porque distritos foram eleitos mas era engraçado ir perguntar a quem os elegeu, quem votou no partido deles nesses distritos, se foi para isto que os elegeram e se se sentem representados nestes comportamentos.

 

Evidentemente deviam deixar os lugares de deputados de imediato, isto para além de mais é fraude.

 

Triste a imagem destes politicos, depois querem que votemos neles?

 

Jorge Soares

 

publicado às 07:51

Conto - A Constituição de Tal

por Jorge Soares, em 24.11.18

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Foto: Faces em ovos de galinha, série criada por kozyrev-vjacheslav 

 

Domingo, oito da noite. Rua pequena, cidade grande. O tropel de cinco ou seis pares de botas não tem testemunhas senão a própria vítima. Socos, pontapés, massacre. Um grito de medo, muitos de impotência. 
 
Mais tarde, no leito de um hospital público, não é a dor que enlouquece o paciente, mas as palavras que estacionaram em seus ouvidos, como mantras do mal: Viado! Viado aidético!
 
João José Manuel Raimundo de Tal tem a cabeça rachada em três lugares. Ou, para falar no jargão médico, sofreu traumatismo craniano. Sofre, ainda, da incredulidade de que tudo tenha mesmo acontecido. 
 
Esse cenário de violência homofóbica repete-se dia sim outro também nas cidades, nos jornais e na história dos que apanham por serem diferentes do que lhes tenta impor a massa obtusa. Apanham por serem o que são. Pessoas. Como a bailarina cujos dedos do pé são feios e tortos. Como o mecânico cujas unhas estão sempre negras de graxa. Como a freira cuja fé repele os homens da Terra para se entregar à Trindade dos céus. Vontades libertadas por prazer, hábito ou fé. Escolhas. 
 
Enquanto isso, no hospital público, João José Manuel Raimundo de Tal, cidadão trabalhador, filho de alguém, irmão de alguém apalpa a cicatriz que desce pela face. Vidro cortado; enterrado com sadismo em sua bochecha. Quer entender também a cusparada que levou antes do corte. Porque cuspe é mais que dor de corte. É humilhação. E compreender a dor de desespero que arde e coça dentro do peito. Mais que a cicatriz.
 
O policial de plantão cumpre o seu papel. Anota nome, endereço, detalhes e dá a queixa como prestada. Segue para o próximo caso. Um travesti de programa. Estupro seguido de esfaqueamento. Ninguém responde por ele. O traveeti foi morto e o policial com a prancheta se aborrece porque acredita que preencher a papelada é tarefa menor. Ele pega bandido. Papel é coisa de babaca. Mas tem muito crime e poucos homens para cobrir a megalópole, cada vez mais inchada. 
 
João José Manuel Raimundo de Tal consegue um advogado. Um doutor que lhe conta a que leis vai recorrer para colocar atrás das grades os agressores, capturados em razão de novos ataques a homossexuais. De Tal presta atenção às palavras bonitas da Constituição brasileira. E acredita que, perante a lei, é igual a qualquer outro homem, protegido do preconceito, da surra, do cuspe na cara. Não sabe ainda que, no Brasil, a incoerência, o deboche e o ódio não acontecem pelo texto ilibado da lei, mas pela prática diária da impunidade, pelo abrandamento das penas, pela vilania disfarçada em bons modos. 
 
No tribunal, os skinheads são julgados. Seis meses depois. E condenados a prestar serviços à comunidade. Mas João José Manuel Raimundo de Tal não se impressiona com a morosidade da Justiça. Nem com o número de crimes similares de que são acusados os nazistas de cabeças-raspadas. Nem a pena branda. O que mais lhe chama a atenção é o juiz que profere a sentença sem olhar na sua direção ao menos uma vez. O juiz que repudia a homossexualidade de João José Manuel Raimundo de Tal. Mas que se faz de imparcial, porque é um homem de leis. 
 
A dor do traumatismo passou. A da cicatriz de dentro continua. Sem previsão de passar. É dor de preconceito. 
 
Cinthia Kriemler

publicado às 19:42


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