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Conto, O primeiro beijo

por Jorge Soares, em 14.05.11

O primeiro beijo

 

Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.


- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.


Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.


O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir – era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.


E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.


E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.


E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.


Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.


O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava… o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.


De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.


Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.


E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.


Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida… Olhou a estátua nua.


Ele a havia beijado.


Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atónito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.


Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.


Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele…
Ele se tornara homem.


Clarice Lispector, in Felicidade Clandestina 

Retirado de Contos de Aula

publicado às 23:20

No Japão o nome de casada vem por lei

 

É certo e sabido, mal se divorciam querem a toda custa deixar de ser a "senhora de", e isso implica passar a ter no bilhete de identidade divorciada e todos os documentos para o nome de solteira.... Na empresa onde trabalho as minhas colegas querem, evidentemente, mudar: o login, o email, os utilizadores de todos os sistemas e se possivel qualquer referência ao apelido ... uma coisa simples, acham elas, uma dor de cabeça achamos nós. Estão a ver o que significa que por exemplo que a directora do departamento de compras mude de um dia para o outro de email?, ou que todas as aprovações num sistema de documentração passem de um dia para o outro a pertencer a outra pessoa?.. sim, porque para os sistemas não há mudanças de login.. há, passar a ser outra pessoa.... um pesadelo.. E não há norma que nos valha, porque há sempre alguém importante que consegue e que passa a ser o precedente.

 

Acreditem que eu já tentei muitas vezes  perceber o que leva uma mulher a adoptar o apelido do marido quando se casa, ninguém me consegue explicar, porque mesmo aquelas muito donas de si e senhoras do seu nariz, no momento do casamento é certo e sabido que passam a ser a senhora de "alguém". Conheço uma senhora que não contente com um, adoptou os dois apelidos do marido, quando se casou chateou meio mundo para que lhe mudassem os dados no emprego...., passados 4 ou 5 anos fartaram-se... e não parou de chatear até que não restava um único resquício dos nomes em lado nenhum.... não há pachorra.

 

Há lugares onde a coisa até tem foros de lei, senão vejam esta noticia que fala do japão que a Sandra me fez chegar via Facebook, a sociedade japonesa é muito mais conservadora que a nossa, reza a noticia que para metade da população as mulheres nem deviam nunca sair de casa para trabalhar.

 

A sociedade Portuguesa mudou muito desde há 35 anos para cá, passou muito tempo desde que até para viajar era necessária a autorização escrita do marido , em que as mulheres passavam da propriedade do pai para a do marido e é claro que passou o tempo suficiente para que "porque é costume" deixe de ser uma resposta aceitável.

 

As pessoas evoluíram, em especial as mulheres, tornaram-se autónomas, profissionais tão ou mais competentes que os maridos, o que as leva a que na hora de dar o nó se rebaixem deixarem de ser quem são e que passem a ser a senhora de alguém? Alguém me quer explicar?

 

Jorge Soares

publicado às 22:18

Mulheres portuguesas são as mais satisfeitas da Europa

 

Imagem do Público

 

 

A noticia é do El Mundo, foi citada pelo Expresso e depois repetida pela RTP, Público, etc ... Diz o estudo que as mulheres portuguesas são as mais satisfeitas da Europa quando se fala de sexualidade.

 

O Estudo que se chama  "O que querem as mulheres?" diz que 88% das entrevistadas disse que está satisfeita com com a sua vida sexual, sendo que 81% diz que tem relações sexuais pelo menos uma vez por semana... não é liquido que ter sexo uma vez por semana, ou duas, ou três, seja sinónimo de se ter bom sexo... pelo menos é o que eu acho.

 

A isto Júlio Machado Vaz responde o seguinte: "A verdade é que nestes questionários há uma tendência para se responder o que sabemos que fica bem dizer".

 

Quando há uns dias falei do problema da sexualidade entre adolescentes e do facto de termos 12 adolescentes por dia a dar à luz no nosso país, entre os comentários que me deixaram havia mais que um que diz que a culpa é dos pais, não há educação sexual na escola nem em casa e em casa não há porque os pais não podem falar aos filhos daquilo que não conhecem... Depois de ler os resultados do estudo, a conclusão será fácil... não são precisos conhecimentos sobre sexualidade para se ter uma vida sexual satisfatória....será?

 

E vocês que acham?, 88% é um número realista, ou como diz O Murcon,  as pessoas exageraram nas respostas ao inquérito?

 

Jorge Soares

publicado às 22:11

Conto: Sade, o Lata de Água II

por Jorge Soares, em 16.10.10

Conto: Sade, o Lata de Água

Imagem da internet

 

Continuação do Conto.. podem ler o inicio aqui

 

- Júlia, quero saber: quem o dono da grávida?
- Armando, você jurou que nunca havia de perguntar
- Agora já quero esse nome. Não podes dar parto sem eu saber a verdade do pai dessa criança.
Júlia permaneceu calada e arrumou-se outram vez na cama. Ele sacudiu-a com violência.
- Vais-me dar porrada? - assustou-se ela.
- Quando não disseres, vou-te dar.
- Não serei eu sozinha a batida. E capaz que vais aleijar o teu filho.
Ele olhou para si mesmo: estava de joelhos, parecia estar de rezas. Um homem que exige não fica na posição dos que pedem. Levantou-se e foi acender o xipefo. Na sombra falou-lhe, já calmo:
- Dorme, Júlia, eu não quero ouvir esse nome. Mesmo quando te pedir outra vez: nunca fales essa pessoa.
Ela sorriu, destapou o lençol e mostrou aquele redondo da lua na barriga.
- É seu filho, Sade. É seu.
A criança nasceu. Ele confirmou, então, a suspeita de um sentimento: o miúdo era um estranho, um remendo na sua honra. Mas um remendo vivo, chorosa testemunha das suas fraquezas. As vezes gostava-o e ele era seu. Outras, o bebé era um intruso que o vencia.
Na vizinhança ninguém desconfiava da identidade do pai. Mas Sade estava cada vez mais inseguro: olhava a criança e parecia que ela sabia de tudo. Quis um filho para esconder vergonha. Agora, tinha um filho que ameaçava o segredo da sua vida. Cada vez mais era difícil aquela morada. Ciumava dos cuidados que a mulher dedicava ao pequeno rival. O futuro atrapalhava-o como um caminho escuro. Mais e mais vezes batia na mulher, cada vez mais passeava nas bebidas. Nunca bateu no miúdo. As porradas que lhe queria dar destinava-as na mulher.


Sentiu a fora do vento na porta e acordou da lembrança. Sempre que se recordava trabalhavam facas dentro da alma. Estava proibido de ir ao passado. E tudo por causa de Júlia, raio de mulher. Fechou a porta com a decisão da fria.
- Sua puta!
E desatou aos pontapés. Queria feri-la, transferir para ela as dores que sentia. Caíram latas, num barulho enorme. Ele não esmoreceu: debruado sobre a cama insultava-a, cuspia-lhe, ameaçava-a da morte derradeira. Os vizinhos. ele já sabia, não viriam acudir. E, aquele noite, a raiva era de mais. Havia de lhe bater até sangrar. Puxou do cinto e usou-o com tanta vontade que o balanço o fez cair sobre a mesa. Pratos e copos caram, rasgando outra vez o silêncio da noite.
De repente, sentiu um barulho na porta. Quando olhou esse algum já tinha entrado. Era Severino, o chefe do quarteirão.
- Que queres, Severino?
- Calma, Sade. Para quê tudo isso?
Ele respirava como se alimentasse muitas almas.
- Senta-te, Sade.
Ele obedeceu. Nos suspiros cicatrizava o fogo da alma.
- Porque que você sempre faz isto? Já viu bater assim numa mulher?
Ele não respondeu. Tentava baixar aquela quentura dentro do peito. Ficou assim uns minutos, até que respondeu:
- Eu não estou a bater em ninguém.
Severino não percebeu. Deve ser está grosso, vai começar uma conversa de muitas coisas. Sade insistiu.
- Não há ninguém nesta casa. Só sou eu sozinho.
Severino olhou em volta, desconfiado. Não havia, realmente, ninguém.
- Pode ver em todo o lado. A Júlia não está, há muito tempo que foi-se embora. Eu não estou a bater contra ninguém.
- Desculpa, Sade. Pensei...
E como não encontrasse palavras decidiu-se a sair. Andava de costas como se a surpresa fosse uma cobra ameaçando saltar-lhe.
- Severino?
- Sim, estou a ouvir.
- Eu faço isto não sei porquê. E para vocês pensarem que ela ainda está. Ninguém pode saber que fui abandonado. Sempre que bato não é ninguém que está por baixo desse barulho. Vocês todos pensam que ela não sai porque sofre da vergonha dos vizinhos. Enquanto não...
Severino tinha pressa de sair. Sade estava com os braços desmaiados, caídos ao lado do corpo. Parecia que a carne se mudara em madeira e que a desgraça havia esculpido nela. Severino saiu, fechando a porta com o cuidado que se guarda para o sono das crianças.
Lá fora uma multidão aguardava das notícias. O chefe do quarteirão, com um gesto vago, espalhou a sua voz:
- Já podem ir. A mamã Júlia está bem. Ela está pedir que voltem para vossas casas, dormirem descansados.
Alguém protestou:
- Mas Severino. .. Afinal, como é?
O chefe do quarteirao, com sorriso atrapalhado:
- Eh, pá, você já sabe como são essas nossas mulheres.

 

Mia Couto in Vozes anoitecidas

 

Retirado de: Contos de Aula

publicado às 20:55

Conto: Sade, o Lata de Água

por Jorge Soares, em 09.10.10

Sade O Lata de Água

 

Imagem da Internet

 

Tarde de madeira e zinco. Com telhados pendurados, a cacimba a raspar-lhes. Molhadas, as pálpebras da tarde parecem soltar morcegos.
No bairro de caniço a paisagem beijada só pela morte. Sade regressa a casa, tropeçando pragas. É rasteirado pela cerveja, toda a tarde entornada no seu desespero.
- Amigos? Caraças, são os primeiros a lixarem um gajo!
Estoiram risos nos umbrais das portas.
- Riam, cabrões.
Remexe os bolsos. Cigarros: nada. Fósforos: nada. As mãos impacientes interrogam o vestuário. Apetecia-lhe o fumo, precisava da força de um cigarro, da segurança dos gestos já feitos.
- Olha o Lata de Água. A mulher nem sai da casa, desde que ele meteu-se na bebida.
Não era verdade. As mulheres sempre recebem o prémio de se ter pena delas. Sacanas dos vizinhos. Só estão perto quando querem espreltar desgraças. No resto ninguém lhes conhece.
Entrou em casa e fechou a porta. A mão ficou no trinco, distraída, enquanto ele passeava os olhos naquele vazio. Lembrou-se dos tempos em que a encontrou: foram bonitos os dias de Júlia Timane!
Tinha havido muito tempo. Estava sentado numa paragem à espera de nada, dessa maneira que só os bêbados esperam. Ela chegou e sentou-se ao lado. A capulana que trazia sobre os ombros parecia pouca para um frio tão comprido. Começaram de falar.
- Sou Júlia, natural de Macia.
- Não tens marido?
- Já tive. Por enquanto não tenho.
- Foram quantos os maridos?
- Muitos. Tenho os filhos, também.
- Onde estão esses filhos?
- Não estão comigo. Os pais levaram.
Ele ofereceu o casaco para a cobrir do frio. Ela ajudou-o a encontrar o caminho para casa. Mas acabou por ficar aquela noite. E as outras noites também.
Quando souberam que andava com ela, condenaram-no. Ela estava muito usada. Devia escolher uma intacta, para ser estreada com seu corpo. Ele não quis ouvir. Foi então que passaram a chamá-lo de Lata de Água. Em toda a parte, alcunha substituiu o nome. A água aceita a forma de qualquer coisa, não tem a própria personalidade.
Com o tempo foi-se apercebendo de uma coisa grave: ela não lhe dava filhos. Isto ninguém podia saber. Um homem pode ter barba, não-barba. Agora filhos tem que tirar: um documento exigido pelos respeitos.
Um dia disse-lhe:
- Temos que ter um filho.
- Não podemos, você sabe.
- Temos que arranjar maneira.
- Maneira, como? Se eu não tenho a culpa? O hospital explicou o problema: você que não tira os filhos.
- Não estou a falar de culpa. Já estudei o problema, a solução já descobri: abastece-se lá fora, mulher.
- Não estou perceber.
- Estou-te dizer: dorme com outro. Eu não vou zangar. Só quero um filho mais nada.
A noite ela saiu. Voltou muito tarde. As noites seguintes ela fez o mesmo. Foram muitas noites.
Ele perguntou:
- Uma vez não chega?
- Não quer um filho? É bom garantir.
- Faça lá maneira que vocês sabem. Mas rápido, não quero falta de respeito.
Júlia engravidou-se. Ele festejou a notícia. Aquelas primeiras semanas foram muito felizes. Até que uma vez ele acordou-a no meio da noite:
- Júlia, quero saber: quem o dono da grávida?

 

.... Continua

 

Mia Couto in Vozes anoitecidas

 

Retirado de: Contos de Aula

publicado às 21:05

Conto: O derradeiro eclipse II

por Jorge Soares, em 25.09.10

O derradeiro eclipse

 

 

Continuação do conto o Derradeiro Eclipse de Mia Couto, primeira parte aqui

 

.....

 

Cumpridos os compridos amores Justinho se estira na cama, consolado. Fecha os olhos, menino após o seio. Depois, olha para cima e é fulminado por uma visão: dois homens flutuam de encontro ao tecto. Estão redondos, insuflados como balões.
- “Mulher quem é aquilo?
- “Que aquilo?”
Levanta-se em gesto de lamina e se espanta ainda mais ao reconhecer os desditosos ditos. E quem eram? O padre e o feiticeiro. Esses mesmos a que Justinho confiara a guarda de sua esposa. Esses mesmos estavam ali perspregados no tecto.
- “Vocês, logo vocês?
- “Marido, está falar com quem?”
Gaguejadiço o marido aponta o tecto. A mulher acredita que ele está em ataque de religiosidade, aspirando proximidades com o céu. Justinho insanou-se, epiléctrico?
Acera ainda correu atrás do tresloucado marido. Mas o homem, de venta peluda, se eclipsou pelo escuro. Nem demorou: voltou com testemunhas. Fez introduzir uns tantos no quarto e apontou os autores do flagrante. Os outros ficaram, parvos da cara, sem nada vislumbrarem. Só Justinho via os voáveis amantes de sua mulher. E lhe explicam o padre e o feiticeiro não são possíveis ali Eles se ausentaram em breve excursão à cidade. Todos os viram partir, todos lhes acenaram à saída do machimbombo.
Os vizinhos lhe asseguram os bons comportamentos de Acera. Despedem-se, cuidando de o seguir, doente que estava o viajante. Dava até azar ter um desvairado daqueles no lugar. Mesmo o enfermeiro reformado lhe trouxe uns comprimidos de arrefecer o sangue. Justinho aceitou ficar estendido, a apurar descansos. Dava forma à cabeça, ajustava o pensamento à existência.
E todos e tanto insistiram que ele deixou de ver gente suspensa no tecto. Aos poucos se libertou das visões, manufacturas de suas ciumeiras. Noites há em que, de sobressalto, se levanta. Escuta risos. O padre e o feiticeiro se divertem à sua custa? Escuta melhor: não é gargalhada, é um pranto, um pedido de socorro. Incapazes de descer, os homens aprisionados no tecto lhe pedem uma aguinha, migalha de entreteter fome e sede. Os pobres já são só ar e osso.
A voz de Acera o traz à realidade: “venha marido, se deite. Se acalme. Não quer dormir comigo? Durma em mim, então. Não me quer atravessar? Me use de travesseiro. Isso, descanse, meu amor”. E o tempo passava, compondo semana e mais semana. Justinho não melhora. Mais e mais escuta as lamentações dos dois que agonizam dentro das suas paredes.
Até que, uma noite, ele acordou estremunhado. Não eram já os gemidos dos moribundos mas uma estrangeira acalmia. Olhou por entre o escuro e viu Acera vagueando, o pé pedindo licença ao silêncio. O marido nem se mexeu, desejoso de decifrar a misteriosa deambulação da mulher. Então ele viu que Acera subia para um banco e, com um cordel, amarrava o padre e o feiticeiro pela cintura. E assim, atados como balões, ela os transportou para fora de casa. No quintal, Acera limpou no rosto do padre uma lágrima e beijou a face do feiticeiro. Depois, largou os cordéis e os dois insufláveis começaram a subir pelos ares, atravessando nuvens e extinguindo-se no céu e nas pupilas espantadas de Justinho Salomão.
Nessa noite, os habitantes da vila assistiram à lua se obscurecer naquilo que viria a ser um derradeiro e permanente eclipse.

 

Mia Couto em Contos do Nascer da terra

Retirado de Contos de Aula

publicado às 20:48

Conto: O derradeiro eclipse

por Jorge Soares, em 18.09.10

O derradeiro eclipse

 

Justinho Salomão era ratazanado pela dúvida sem método. O homem sofria de ser marido, lhe pesavam as frias sombras da desconfiança. A mulher, Dona Acera, é linda de fazer crescer bocas, águas e noites. Devorado pelo ciúme, Justinho emagrecia a pontos de tutano. Lastimagro, cancromido, ele para se enxergar precisava procurar-se por todo o espelho. Justinho fazia comichão às pulgas. Um dia, o padre o avisou à saída da missa:
- “Seja prestável na atenção, Justinho: sua alma é como um fumo que não tem lugar onde caiba”.
Raios picassem o padre que nunca falava direito. O que o sacerdote sabia era do domínio incomum: Acera era demasiado mulher para esposa. Justinho suspeitava mais dos argumentos que dos factos. Seria a esposa mais desleal que um segredo? A resposta era sombra sem luz nem objecto. Em véspera de viagem, a suspeição do marido se agravava. Desta vez, um longo serviço de visitações o vai obrigar a geográfica ausência. Acera recebe, tristonha, a notícia:
- “Quanto tempo você me vai sozinhar?”
Um mês. A mulher contorce o bâton, abana as mechas. Até uma lágrima lhe crocodileja a pálpebra. O marido ainda mais se aflige perante tanto inconsolo. Será verdade ou conveniência de fingimento? Quem, tão novo, guelra tão ensanguentada, pode se aguentar em guardos de fidelidade? Na véspera de partir, o marido se decidiu certificar em garantia de lealdade. Primeiro se dirigiu à Igreja e solicitou socorro do padre português. O religioso torce as mãos, reticente e, como era hábito, barateou filosofia:
- “Bem, não sei. Para cruzar as pernas é preciso que haja duas...
- “Duas quê?
- “Duas pernas, ora essa”.
E prosseguiu divaguando, água em líquidos carreiros. Justinho esperava que o sacerdote o tranquilizasse. Lhe dissesse, por exemplo: vai em paz, você está bem casado, mais anelado que Saturno. Mas não, o padre ondulava a testa de suposições.
- “Não sei, não. Quem mais espreita não é o próprio sol?
- “Explique-se melhor, senhor padre.
- “Quer que seja mais claro? Me responda, então: onde o chão está mais limpo não é em casa de mortos?”
Justinho não respondeu. Voltou costas e saiu da igreja. Ainda se afastava e a voz irada do padre se faz ouvir:
- “Já sei para onde vais, criaturazita. Vais ter com o feiticeiro! Mas verás o que os meus poderes, aliás os poderes divinos, irão fazer com esse bruxo tropical!”
Um arrepio ainda atravessou Justinho. Mas ele não toldou passo no caminho para o feiticeiro e pediu que lhe assegurasse. Heresia bater nos ambos lados da porta? Se um mortal tem mais que um deus-pai não pode ter mais que uma crença?
- “Isso não posso. Vontade de mulher está acima dos meus poderes. Posso, sim, destinar castigo nos abusadores.
- “E como?
- “Hei-de tratar sua casa”.
E foi executado o tratamento: uma pequena cabaça à entrada da residência de madeira e zinco. Desrespeitoso que entrasse haveria de sofrer muitas consequências. O marido ainda tem acanhamento na consciência:
- “Eles... eles irão morrer?”
O feiticeiro ri-se. O que iria suceder eram inchaços e gases, tudo inflando as entranhas do culposo intrometedor. No final dos serviços e depois de saldadas as contas, o feiticeiro hesita no momento da despedida:
- “Você, antes de mim, consultou o senhor padre? E ele o que disse de mim?”
Justinho subiu as omoplatas, fosse um assunto superior a suas competências. O feiticeiro virou costas e se afasta, enquanto comenta:
- “Esse padre ainda vai chorar como a galinha. Conhece a história da galinha que comeu o colar das missangas só para a outra galinha não usar?”
Passaram-se dias e Justinho lá partiu. A viagem demora mais que ele pretende. Quando regressa, a mulher está à espera dele, à entrada. Vestido do gosto dele, penteada a presente, corpo todo na conveniência do marido. Até o botão cimeiro está desempregado, distraído sobre o decote. Acera, toda ela, está às ordens da saudade dele. Se engolfinham, enredando pernas nos suspiros, confundindo lábios e suores, vidas e corpos.

 

Continua.

 

Mia Couto em Contos do Nascer da terra

Retirado de Contos de Aula

publicado às 21:00

Conto: Os negros olhos de Vivalma

por Jorge Soares, em 21.08.10

Os olhos negros de vivalma

 

Imagem Minha do Momentos e Olhares

 

Há mulheres que procuram um homem que lhes abra o mundo. Outras buscam um que as tire do mundo. A maior parte, porém, acaba se unindo a alguém que lhes tira o mundo.
Este foi o destino de Vivalma, mulher entre as mulheres, cheia de desgraça, nem o Senhor punha oração nela. Mulher gorda, exibia os seios em cacho, carnes de muito volume e herança. Tanta redondeza, aliás, suprimia a curva. Viva] na era esposa do latoeiro Xidakwa, homem zangadiço e com nervo florindo na pele.
A volumosa senhora saía de manhã para o serviço de sentar no bazar, em banca rente ao chão. Eram tão poucas e abreviadas as coisas que vendia que ela nunca fazia as contas. A vida é um por enquanto no que há-de vir. Vivalma se deixava no assento, mais vagarosa que orvalho. Até a mão dela poupava esforços, num mesmo gesto de ida e volta: para lá, enxotava mosca; para cá, chamava cliente. Seus braços eram tão curtos que nem era capaz de arregaçar as mangas.
Pois Vivalma se dava a conhecer pelo modo como zarolhava, olho deitado abaixo. Razão de que o marido lhe batia, por dádiva daquela palha. Nem carecia de motivo: o murro era a língua dele, vingança de lhe fugirem desejos de sua vista. Todos se admiravam: Xidakwa até que parecia tranquilinho, sonholento, incapaz de violência. Mas os hematombos no rosto da mulher, o sangue pisado lhe enchendo a quotidiana pálpebra dela, eram provas indesmentíveis. Todos punham a devida pena na vendecora. Tão batidinha, coitada. E ainda por cima, sempre no mesmo olho. As colegas lhe sugeriam:
- “Você podia pedir a ele para variar-se: cada vez num lado, cada vez no outro”.
Ela sorria, parecia isenta de pensamento. A gordura era sua única resposta. Ela sabia: mais se engorda, menos se sofre. Com o volume a dor vai ficando mais e mais distante, perdida lá nas curvas das entranhas. As vendedeiras lhe puxavam o brio:
- “Mas você Vivalma, nem viva nem alma?”
Quem fala consente? E a mulher gorda suspirava:
- “Deus me reze, minhas amigas”.
Ela é que sabia. Xidakwa, seu marido, enganava era nas aparências. Ele era um mosca-viva, esgazelado, tratando-lhe a berro e fogo. Outros já lhe tinham chamado as atenções. Mas o latoeiro varria os reparos, explicando:
- “A vida é dura de mais para aceitar carícia: cabedal se cose é com dedal”.
As colegas do bazar insistiam:
- “Ora, Vivalminha, lhe deixe de vez, esse homem não vale uma vida. Você é como o nariz: toda a vida no meio, sem nunca fazer escolha”.
Em silêncio, Vivalma amealhava suas razões. Não que houvesse segredo: para ela, aquela era a ordem do mundo, estavam-se cumprindo destinos. Nem ela nem ele teriam tempo para uma outra ocasião. O mundo dele era de outra razão, um confim. Ele lhe queria à razão de pontapés? Que fosse. Ela não tinha querer nem ser. E quem não tem vontade, não tem lamento.
E era sem lamento que ela regressava a casa, tardes a fio, sempre última das vendedoras. Demorava os vinte e quatro ponteiros no caminho. Perto de casa colhia uma flor mas, ao entrar no portão, a deitava no chão. No pátio se acumulavam pétalas brancas, secreto e perfumado lençol da noiva que nunca houve.
Até que, um dia, o olho negro de Vivalma se apresentou piorado, em feio e ampliado derrame. As vendeiras transbordaram-se. Não, aquilo era de mais! E se conluiaram para desafiar o marido violento. Sem que Vivalma suspeitasse, umas delas lá foram a casa de Xidakwa. Enquanto pisavam aquele mar de flores desfeitas souberam o espantável: que o dito marido, Xidakwa, há tempo que se fora, amanteado com outra. As vizinhas diziam e comprovavam. Os tais derrames que Vivalma exibia no rosto eram por ela mesma fabricados, sem infligência de mais ninguém.
As vendedores regressaram ao bazar, caladas, sob uma bategazinha de Verão. A chuva caía tristonha como um luto, cada gota uma mulher em Outono, chuviuvinha. Ingrata é a morte que não agradece a ninguém. Vivalma teatrava, para que ninguém suspeitasse de seu abandono? Pois as amigas se compustararam em igual disfarce. Na Natureza ninguém se perde, tudo inventa outra forma.
Sucedeu, por astúcia do acaso, o seguinte percalço: a nova mulher de Xidakwa ouviu dizer que Vivalma continuava a revalidar suas equimoças, olho da cor do chão. Se assim era, quem mais poderia ser o batedor senão o dito latoeiro? E a moça, mais nascida que a gorda vendedeira, contraverteu caminho e foi agasalhar outra felicidade.
O homem, desconcertado, voltou a casa para afinar contas com Vivalma. Se admirou de ver o pátio varrido, limpo das habituais florinhas. Os vizinhos se surpreenderam, depois, a ouvir os gritos dele, batendo em sua original esposa.
Manhãzinha seguinte, viram Vivalma sair de casa, canteirando pelo jardim, a encher as mãos de petalazitas brancas. Haveria quê nessas flores: alegria de quem se ilude vencer? Ou eram pequenitas raivas, desapercebidas como lágrimas em seu rosto molhado? Só ela, a matinal vendedeira, sabe do valor dessas minusculinhas naturezas em seus dedos decepadas. Dizem, finalmente, que sob o véu de seus enegrecidos olhos havia, nessa manhã, uns fiapos de satisfeição. Poderá ela, alguma vez, ser sabida? Se, como diz nenhuma canção, a água corre com saudade do que nunca teve: o total,
imenso mar.

 

Mia Couto,
Contos do nascer da Terra

 

Retirado de Contos de Aula

publicado às 21:00

Conto: A Minha primeira Morena

por Jorge Soares, em 14.08.10

 

A minha primeira Morena

Imagem da Internet

 

Enfim chegara o grande dia! Minhas mãos magras de menino se retorciam numa ansiedade ainda desconhecida, e suavam com o calor da espera que me ardia no rosto, nos olhos, nas pernas, no pulmão. Era um dia de sol típico dos verões de dezembro. Sentado no canto esquerdo da modesta sala, entre o sofá de couro e a cadeira de balanço do meu avô materno, eu segui religiosamente as instruções do meu pai: — Me espera sentado ali. Não faz arruaça. Veste uma calça comprida — e assim eu estava, sentado ali, sem fazer arruaça e com a melhor calça que eu tinha na época, esperando que meu pai voltasse rápido, ou que o tempo parasse de brincar de esconde-esconde comigo no relógio de madeira da parede. Aqueles 15 minutos demoraram mais de dez horas na minha alucinação infantil. 

Quando ouvi o portão da frente ranger, meu coração disparou feito bola de gude jogada com força, feito boiada estourando no pasto, feito bomba de festa de São João. Eu não sabia se obedecia as ordens do meu pai, invariavelmente severo e carrancudo, ou se cumpria a sina da minha vontade e me destrambelhava porta afora. Com medo de perder o jogo aos 45 do segundo tempo, controlei as pernas bambas e permaneci imóvel no local a mim destinado. 

Os passos mais densos do meu pai, cruzando o alpendre, indicavam que ele trazia consigo mais do que levara quando saiu. A barulheira aturdida da molecada da rua demonstrava que o que ele carregava era de muito valor para os nossos 10, 11, 15 anos. Meus 12 Natais passados pareciam se concentrar naquele instante.

No momento em que meu pai cruzou a porta da frente, estranhamente esqueci o pacote em suas mãos. O olhar daquele homem sério demais para seus poucos cabelos brancos, bravo demais para a minha sensibilidade infantil, longe demais para o amor da minha mãe, que havia morrido pouco antes, mostrava agora qualquer beleza desconhecida, entre o orgulho de satisfazer o filho e o desejo de expressar um amor que não se confessa. E eu o amei infinitamente.

— Toma! Demorou, mas ta aí — disse para mim, disfarçando a humanidade que nos inundava. E foi então que me concentrei no embrulho, quase do meu tamanho. Arranquei o papelão que a cobria com uma quase ira, um desejo incontrolável. Quando a vi, preta como o cabelo da vizinha mais bonita, quase desmaiei. Era linda! Mais linda que a coisa mais linda que eu já havia visto até então (e penso hoje, mais de 30 anos depois, que nunca mais tive tal deslumbre). Com o devido consentimento do meu pai, levei-a pra fora. Passei entre os olhares dos garotos vizinhos sem notar qualquer inveja e sem querer provocá-la. Montei-a com a paixão que nos finge donos e senhores do que é amado, quando somos na verdade meros serviçais. E com a inquietude da minha infância tão cheia de descaminhos, voei pelas ladeiras do bairro, sentindo no rosto o vento que a vida soprava em mim. 

Anos mais tarde, nas aventuras hormonais do meu primeiro amor, senti a mesma incerteza de descoberta, o mesmo atropelamento de sentidos, e quase levei um tapa na cara da namorada quando disse, cheio de orgulho: amo você tanto quanto amei minha primeira bicicleta. Quem entende as mulheres?

 

Giovana Manfredi

 

Retirado de Releituras

publicado às 21:00

Conto: A lista de uma balzaquiana

por Jorge Soares, em 07.08.10

 

A Lista de uma balzaquiana

 

Imagem do Momentos e olhares

 

Pegou papel, caneta e listou. Base, sombra, rímel, delineador, blush e batom. O vermelho para valorizar um dos traços que mais chamava a atenção. Sais, esfoliantes, creme anti-celulite, óleo para o corpo, perfume francês e óleo de silicone para os cabelos. O importado, não queria ver um só fio em pé. Massagem, limpeza de pele, peeling, banho de lua, manicure, pédicure e depilação. Para ficar com a pele lisinha. Sapato salto agulha, calça preta, blusa decotada e saia. Justa e curta, tinha que ousar mais. Academia, dança de salão, caminhadas no parque, triatlon, check-up com um clínico geral e sutiã meia-taça. Afinal, passara dos 30. Yoga, relaxamento, budismo, livros de auto-ajuda e terapia. O auto-conhecimento era a sua meta. Camões, Vinicius, Chico, Bocage e Kamasutra. O romantismo e a sexualidade também tinham que fazer parte do enredo. Djavan, Fred Mercury, Bob Marley e Elis. Um pouco de música para a alma. Aulas de Italiano, Francês, Alemão, palestras, workshops e cursos de especialização. Para se intelectualizar ainda mais. Auto-estima, espontaneidade, otimismo, sorriso nos lábios e bom humor. Ia parecer mais leve. Respeito, fidelidade, carinho e paciência. Fundamental na vida a dois. Shoppings, centros culturais, exposições, barzinhos da moda, churrascos, casas noturnas, viagens à praia, ao campo e quaisquer outros pontos de encontro. Lugares estratégicos para não faltar oportunidades. Encontros virtuais, disque-amizade, agência de encontros e rede de amigos. Talvez algum possa ajudar. Catolicismo, protestantismo, espiritismo e umbanda. Sua fé não tinha limites. A lista era vasta. Certos itens já tinha e os sabia explorar como um mestre com total domínio de sua arte e conhecimento. Alguns eram o mero sacrifício latente, mas não valia a pena admitir e desistir. A cada dia, a cada item que cumpria e repetia, era o degrau mais próximo da felicidade. Pensava. Não tinha medo. Era o objetivo mais obsedante que havia tido até então. Podia demorar. Ia acontecer. Cansara de ficar sozinha. Do trabalho para casa, da casa para sabe lá onde tamanha infelicidade lhe levava. Até o fim do ano sonhava. Prometeu. Iria à luta. Tudo estava listado. Tudo que achava necessário. Daquele ano não passava. Balzaquiana? Sim. E queria um marido encontrar.

 

Layza Portes

 

Retirado de Releituras

publicado às 21:02


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