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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Retirado de Samizdat
Joaquim Bispo
Retirado de Samizdat
Imagem do Público
O ministério da educação voltou a alterar o calendário escolar, no próximo ano lectivo no natal as aulas terminarão no dia 13 de Dezembro, uma sexta-feira, e só recomeçarão no dia 6 de Janeiro. 3 longas semanas de férias. Será que o senhor ministro me pode explicar o que fazem as famílias com as crianças durante essas três semanas?
Cá em casa são três, uns avós estão a 300 , os outros estão a 200 Kms e já não tem vida nem paciência para terem lá os netos durante tanto tempo, felizmente ainda somos os dois empregados, pelo que assim de repente temos um problema, o que fazer com 3 crianças de 13 de Dezembro a seis de Janeiro?
Deixar os 3 encerrados em casa enquanto vamos trabalhar é uma opção, mas acho que a protecção de menores não ia gostar, meter férias durante esse período seria só transferir o problema para o verão ou a Páscoa.. além que de que a minha meia laranja tem férias obrigatórias em Agosto... resta-nos fazer contas e tentar arranjar um ATL que fique em conta... e lá se vai o subsidio de natal.
Alguém me explica que sentido faz as crianças terem 3 semanas de férias num período em que os pais não podem ficar com eles?, ou será que o governo planeia que daqui até Dezembro o desemprego será tanto que todas as crianças terão pelo menos um dos pais em casa?
E que tal em vez de estarem a inventar períodos de férias pensarem em resolver coisas mais importantes como o apoio escolar para os alunos com dificuldades, ou arranjar uma politica de manuais escolares que não obrigue os pais a deixarem um salário no inicio de cada ano escolar? Ou arranjar forma de garantirem a segurança dentro da escola?.. ou....
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Outro natal,
Outra comprida noite
De consoada Fria,
Pois é isso, que seja um bom natal para todos vós
João Só & Abandonados, a todos um bom natal
Jorge Soares
Nestor de Holanda
As noites de Natal existem para me mostrar que os anos têm sido arrancados das folhinhas. E me lembram de que já vou carregando, no corpo, na alma, no coração, as tatuagens do tempo.
Houve o Natal dos carneirinho manso, que meu pai me deu para ser saudade hoje. Houve o da flauta, o do velocípede, o da bicicleta.
Depois, o das obras de Júlio Verne.
Mais adiante, o da Enciclopédia e Dicionário Internacional.
Um dia, fui visitar casa amiga. E a empregada me anunciou:
— Aí está um rapaz.
Desde então, o Natal se foi transformando em pijamas, camisas, gravatas, lenços.
Noutra visita:
— Aí está um moço.
Notem que, no caso, moço é mais velho que rapaz...
Meu Natal passou a faturar abotoaduras, alfinetes de gravata, carteiras de cédulas ou de níqueis, cintos e agendas.
Agora, quando visito algum amigo, as empregadas me anunciam:
— Aí está um senhor.
Quando o dono da casa é cortês, ri:
— Que senhor, que nada, Maria. É o Iolando. Entra velho.
O velho em tom fraterno, remoça mais a gente. Acho horrível ser senhor.
Assim, o último Natal me deixou mágoa estranha. Porque pessoa querida, das que sempre me presentearam no nascimento do Cristo, apareceu com uma caixinha embrulhada em papel multicolor. Todo alegria, abri o embrulho e a caixinha.
Eram uns suspensórios!...
Retirado de Releituras
Imagem de aqui
Mamãe Noel
Martha Medeiros
Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.
(Dezembro de 1998).
Imagem de aqui
Sem dizer uma palavra, o homem deixou a estrada andou alguns metros no pasto e se deteve um instante diante da cerca de arame farpado. A mulher seguiu-o sem compreender, puxando pela mão o menino de seis anos.
— Que é?
O homem apontou uma árvore do outro lado da cerca. Curvou-se, afastou dois fios de arame e passou. O menino preferiu passar deitado, mas uma ponta de arame o segurou pela camisa. O pai agachou-se zangado:
— Porcaria...
Tirou o espinho de arame da camisinha de algodão e o moleque escorregou para o outro lado. Agora era preciso passar a mulher. O homem olhou-a um momento do outro lado da cerca e procurou depois com os olhos um lugar em que houvesse um arame arrebentado ou dois fios mais afastados.
— Péra aí...
Andou para um lado e outro e afinal chamou a mulher. Ela foi devagar, o suor correndo pela cara mulata, os passos lerdos sob a enorme barriga de 8 ou 9 meses.
— Vamos ver aqui...
Com esforço ele afrouxou o arame do meio e puxou-o para cima.
Com o dedo grande do pé fez descer bastante o de baixo.
Ela curvou-se e fez um esforço para erguer a perna direita e passá-la para o outro lado da cerca. Mas caiu sentada num torrão de cupim!
— Mulher!
Passando os braços para o outro lado da cerca o homem ajudou-a a levantar-se. Depois passou a mão pela testa e pelo cabelo empapado de suor.
— Péra aí...
Arranjou afinal um lugar melhor, e a mulher passou de quatro, com dificuldade. Caminharam até a árvore, a única que havia no pasto, e sentaram-se no chão, à sombra, calados.
O sol ardia sobre o pasto maltratado e secava os lameirões da estrada torta. O calor abafava, e não havia nem um sopro de brisa para mexer uma folha.
De tardinha seguiram caminho, e ele calculou que deviam faltar umas duas léguas e meia para a fazenda da Boa Vista quando ela disse que não agüentava mais andar. E pensou em voltar até o sítio de «seu» Anacleto.
— Não...
Ficaram parados os três, sem saber o que fazer, quando começaram a cair uns pingos grossos de chuva. O menino choramingava.
— Eh, mulher...
Ela não podia andar e passava a mão pela barriga enorme. Ouviram então o guincho de um carro de bois.
— Oh, graças a Deus...
Às 7 horas da noite, chegaram com os trapos encharcados de chuva a uma fazendinha. O temporal pegou-os na estrada e entre os trovões e relâmpagos a mulher dava gritos de dor.
— Vai ser hoje, Faustino, Deus me acuda, vai ser hoje.
O carreiro morava numa casinha de sapé, do outro lado da várzea. A casa do fazendeiro estava fechada, pois o capitão tinha ido para a cidade há dois dias.
— Eu acho que o jeito...
O carreiro apontou a estrebaria. A pequena família se arranjou lá de qualquer jeito junto de uma vaca e um burro.
No dia seguinte de manhã o carreiro voltou. Disse que tinha ido pedir uma ajuda de noite na casa de “siá” Tomásia, mas “siá” Tomásia tinha ido à festa na Fazenda de Santo Antônio. E ele não tinha nem querosene para uma lamparina, mesmo se tivesse não sabia ajudar nada. Trazia quatro broas velhas e uma lata com café.
Faustino agradeceu a boa-vontade. O menino tinha nascido. O carreiro deu uma espiada, mas não se via nem a cara do bichinho que estava embrulhado nuns trapos sobre um monte de capim cortado, ao lado da mãe adormecida.
— Eu de lá ouvi os gritos. Ô Natal desgraçado!
— Natal?
Com a pergunta de Faustino a mulher acordou.
— Olhe, mulher, hoje é dia de Natal. Eu nem me lembrava...
Ela fez um sinal com a cabeça: sabia. Faustino de repente riu. Há muitos dias não ria, desde que tivera a questão com o Coronel Desidério que acabara mandando embora ele e mais dois colonos. Riu muito, mostrando os dentes pretos de fumo:
— Eh, mulher, então “vâmo” botar o nome de Jesus Cristo!
A mulher não achou graça. Fez uma careta e penosamente voltou a cabeça para um lado, cerrando os olhos. O menino de seis anos tentava comer a broa dura e estava mexendo no embrulho de trapos:
— Eh, pai, vem vê...
— Uai! Péra aí...
O menino Jesus Cristo estava morto.
Rubem Braga
Retirado de Releituras
Segundo o Sol, Governo decidiu dar 'bónus' aos portugueses depois de ano difícil ao dar mais uma tolerância de ponto nos dias de natal e ano novo.. não percebi.
Entre feriados e férias, este mesmo governo que agora virou mãos largas e até dá bónus, tirou-me a mim e ao resto dos portugueses 7 dias, dizem eles que foi a mando da Troika e em nome de algo que ninguém sabe muito bem o que é mas que eles chamam de produtividade... e agora vem dar assim de mão beijada dois dias de férias extra ao estado? Então e a produtividade? Então e a Troika?, quando é que negociaram este bónus que não nos contaram nada?
Esta semana foi aprovado o pior orçamento de estado dos últimos 40 anos. Hoje as noticias falavam de um corte extra de quatro mil milhões que tem de ser decidido até Fevereiro para dar de prenda de natal atrasada aos senhores da Troika quando eles cá voltarem, consta que os cortes vão ser na saúde e na educação, há quem diga que vão aparecer propinas no ensino secundário.. e depois disto tudo estes senhores vem com mais dois dias de férias?
Todos sabemos que o ano que vem vai ser de eleições autárquicas e há que começar a adoçar a boca aos funcionários públicos, mas convenhamos que é preciso falta de vergonha para se vir com uma coisa destas depois de tanta conversa sobre a produtividade dos portugueses e a competitividade do país.
Quando alguém voltar com a conversa de que vivemos acima das nossas necessidades, já sabem do que se trata... é das tolerâncias de ponto, de dois dias com o estado parado em quanto o resto do país está a trabalhar ou para poder passar o dia com a família, teve que abdicar dos dias de férias no verão.
É a isto que eu chamo, governar pelo mau exemplo.
Jorge Soares
Imagem do Público
Desculpem lá a insistência, mas ler coisas destas no dia em que os senhores deputados da maioria aprovaram o orçamento de estado com o maior aumento de impostos da história, deixa-me mais ou menos fora de mim.
Se acharam mal os duzentos e cinquenta mil Euros das luzinhas em Lisboa, o que dizer de um gasto de dois milhões de Euros entre luzes de natal e fogo de artíficio para a passagem de ano novo?
Sabem aquela história de que há quem viva acima das suas possibilidades?... pois, é isto, há quem não tenha dinheiro para mandar cantar um cego... mas continue a torrar o dinheiro dos outros em luzinhas e bombinhas...
Crise?.. qual crise? ... isso é lá para o contenente!
Jorge Soares