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Conto - Reflexão junto ao menino Jesus

por Jorge Soares, em 21.12.13

REFLEXÃO JUNTO AO MENINO JESUS

Menino Jesus, está chegando a data em que, simbolicamente, comemoramos o seu nascimento, e se tem uma coisa que gosto nesta época é de montar o presépio. Adoro fazer isto. Desde criança. E é com aquele mesmo prazer infantil que faço o meu presépio. Ponho você deitado na sua caminha de palha, com José e Maria, um de cada lado. Com a minha fértil imaginação, transformo o terreno árido onde você nasceu em campinas verdes e montanhas e vou colocando os pastores, os carneirinhos, a fazendeira que joga milho para as galinhas. Até rio tem no meu presépio, Menino Jesus. No meu tempo de infância, imitávamos a água com espelho. Hoje, veja, faço um riacho de verdade com água corrente passando por debaixo da ponte, com aquele barulhinho que adoro até a primeira meia hora, mas só até a primeira meia hora. Às margens do rio ficam os patinhos e sapinhos. Ponho os três Reis Magos com seus camelos vindo lá de longe, do leste, e a cada dia vou aproximando-os do estábulo. Ah, o estábulo! É aí que eu capricho mesmo. Meu estábulo fica lindo com suas vaquinhas, burrinhos, o pastor que carrega um carneiro em seus ombros, outro que toca uma flauta e lá na cumeeira o anjo, o maravilhoso anjo que estende uma faixa anunciando sua chegada. E faço o céu também, pois não faço? Um céu noturno cheio de estrelinhas e, claro, a estrela maior de todas que uns chamam d’Alva, outros de Vênus, outros ainda de Sirius. A brilhante estrela que os Reis seguiram para presenciar o seu nascimento, levando ouro, incenso e mirra. E fica lindo o meu presépio, principalmente no escuro, quando acendo as luzinhas e ele fica todo iluminado.

Bem, Menino Jesus, você deve estar se perguntando como é que eu consigo conciliar o dia e a noite ao mesmo tempo. O fato é que consigo e não é tão difícil assim, já que esta incoerência é fruto da própria incoerência de que sou feita. Sim, porque sou feita de luzes e de sombras. Agora, por exemplo, enquanto olho para sua figurinha fofa, linda, sou toda amor e adoração, cheia de boas intenções. Mas se meu vizinho jogar novamente cigarro aceso no meu jardim, sei que vou mandá-lo à merda, não sei antes levantar o dedo médio para ele.  Sou capaz de morrer pelos que amo da mesma forma que seria capaz de fuzilar sem piedade, se a lei o permitisse, todo político corrupto. Choro quando vejo imagens de crianças deformadas pela fome, mas tenho vontade de surrar os pivetes descalços que andam pelas ruas do meu bairro assustando as pessoas. Menino Jesus, sou capaz de desfiar milhares de exemplos da minha dualidade, dualidade de que não só eu sou feita, mas de que é feita toda a humanidade, toda a natureza, seja ela viva ou morta. Aliás, dualidade existente até em você, Menino Jesus. Veja se não tenho razão.  Você nos ensina a amar nossos inimigos, mas roga praga numa pobre figueira, fazendo-a secar, só porque a coitada não deu frutos. Você nos ensina a perdoar, mas se transgredimos você nos ameaça com a tortura do inferno, castigo tão cruel quanto inútil já que eterno e, se eterno, qual a sua finalidade?

Menino Jesus, não fique ressabiado comigo, mas preciso confessar que não é sempre que acredito na sua história. Às vezes, assim como este meu presépio, acho tudo meio fantasioso e incoerente. Mas, fantasioso ou não, incoerente ou não, o que interessa de verdade é a simbologia disso tudo, o que você, Menino Jesus, representa. Aliás, não só você, mas tantos outros que tantas outras religiões dizem existir. Para mim, vocês representam a força espiritual que nos criou, que nos sustenta e que nos leva quando chega a hora. E nesta força, que por falta de outra palavra chamo de Deus, eu acredito, como acredito! Acredito neste Deus todo poderoso tanto para o bem como para o mal. Acredito neste Deus, também Ele feito de luzes e sombras, afinal não fomos feitos à sua imagem e semelhança?

Acredito na face iluminada de Deus quando percebo o milagre da vida e a perfeição do universo. Quando ouço uma sinfonia de Beethoven. Quando ouço a voz de Callas interpretando Verdi, ou mesmo quando ouço um samba de Noel. Quando leio um poema de Fernando Pessoa ou um texto de Clarice. Quando ouço a chuva cair alimentando a terra seca. Quando vejo um jardim cheio de flores das mais variadas formas e cores ou o sol se por num belo horizonte, iluminando as montanhas que o confrontam. Quando ouço o canto dos diversos tipos de pássaros que voltam em bando na primavera e vejo a perfeição dos ninhos que constroem. Acredito na face iluminada de Deus quando percebo a solidariedade do ser humano nas tragédias, a sua generosidade quando ajuda um amigo ou mesmo um desconhecido. Quando vejo o suor no rosto do homem que ergue a obra de um artista. Quando vejo o sorriso de uma criança ou quando me derreto ao ouvir os netos me chamando de vovó. Vejo a face iluminada de Deus na risada de um amigo, na emoção de uma torcida quando seu time é campeão, no balanço do meu peito quando recebo mensagens do homem que amo, na felicidade estampada no rosto de quem realiza um sonho.  São muitas as manifestações da face iluminada de Deus, assim como são muitas as manifestações da sua face sombria. A miséria, a fome de milhões de crianças, a fúria da natureza quando destrói e mata, a carnificina das guerras por motivos tão fúteis e tão estúpidos, o sofrimento de um amigo querido destroçado pela doença, o preconceito, a corrupção dos governantes, a inveja, a cobiça, o egoísmo e aqueles tantos outros pecados capitais dos quais somos vítimas. Sim, Menino Jesus, somos vítimas já que os pecados fazem parte da nossa natureza. Fomos criados assim e não temos culpa se Deus, nesta parte, errou o alvo. Errar o alvo é a origem da palavra pecado, né não? Soube que vem lá do grego (hamartia).

Se culpa temos é a de não fazer prevalecer o bem nessa eterna luta contra o mal. É o que deveríamos tentar diariamente.

Então, eu vou me ajoelhar diante de você, Menino Jesus, representante de Deus escolhido por mim, e que repousa tão lindo, tão terno no meu presépio. Não para lhe pedir paz, saúde, prosperidade e abundância como é costume nesta época. Tudo isso eu já peço e desejo para os meus amigos e parentes adorados, sempre e todos os dias. Este ano, nesta época, o meu pedido é outro: que saibamos entender esta dualidade, com ela conviver e dela fazer uso. Assim, nos tempos sombrios, quando as trevas dominam, saibamos olhar para o céu e apreciar as estrelas. Já, quando o tempo é de claridade, tanta que nos cega, saibamos meditar às sombras das árvores. Peço, ainda, Menino Jesus, que, no combate contínuo travado entre o bem e o mal, seja sempre a nossa face luminosa, a luz que existe em nós, a se sobrepor, triunfante e soberana, às trevas que nos habitam.

É o que desejo, do fundo do meu coração, para mim e para todos vocês.

Cecília Maria De Luca

 

Retirado de Samizdat

publicado às 20:42

Conto - Natal é todo o ano

por Jorge Soares, em 07.12.13
Natal é Todo o ano
Imagem minha do Momentos e Olhares
– Todo o ano? Qual Natal, pai, o dos nascimentos ou o das prendas?
– O nosso, que não fazemos outra coisa senão presépios, anjinhos e outras figurinhas alusivas, em barro.
– Estas meias-pinhas não têm muito que ver com o Natal…
– Meias, não, Tiago. As metades de baixo que estás a moldar… Pressiona bem esse barro no molde para não ficar com falhas. Dizia eu, as tuas metades mais as de cima, ali da tua mãe, unidas e retocadas por mim, fazem pinhas inteirinhas e, depois de irem ao forno, ficam bem bonitas.
– Eh!
– É uma peça barata para oferecer como gentileza, nesta época. Não é um presente de marido para mulher ou de avô para neto, mas é uma boa ideia para oferecer entre colegas de trabalho, ou entre amigas. Como sabes, há até empresas que as compram às dezenas para acompanhar outras prendas aos empregados.
– Sim, eu sei, não é a primeira vez que venho ajudar; mas o que é que têm que ver com o Natal?
– O Natal reteve muitas das práticas das festas pagãs dos antigos, para festejar o solstício do inverno. Mantém uma grande ligação ao campo, à floresta. E pinha lembra floresta. Não é, Teresa?
– Com certeza. E fogo. Sequinha, é a melhor acendalha que há. Nas aldeias, ainda hoje se acendem grandes madeiros, no adro da igreja. Já viste, lá na Amieira, o povo todo à volta da fogueira na noite de Natal! Pinha, fogueira e Natal andam associados.
– E essas bolinhas?
– Azevinho. Algumas pessoas também ornamentam as casas com ele, quer as ombreiras das portas, quer as lareiras e as mesas. Estas bagas, que hão de ser pintadas de vermelho, e estas folhas, aqui em cima da pinha, são de azevinho.
– Salvo seja, mãe!
– Olha que não estão nada más! Zé, tens aqui mais cinco.
– Aonde é que vamos passar o Natal este ano?
– Então, vamos à Amieira! O ano passado foram os tios que vieram cá…
– À Amieira?! Ganda seca! Porque é que não vamos para o Algarve?
– O Natal é a festa da família, Tiago. Se não estivermos reunidos nesta altura, só nos vemos nos enterros.
– Tiago, oca bem essa metade! Se o barro ficar muito grosso estala na cozedura.
 Fogo! Os tios só me oferecem livros com histórias que não interessam nem ao Menino Jesus.
– Se calhar não te fazia mal nenhum lê-los, em vez de estares sempre agarrado à consola de jogos.
– Bela consola, esta! Estou todo consolado! Já deito pinhas pelos olhos!
– Tiago Manuel! Não menosprezes este trabalho. Cada uma rende pouco, mas se vendermos seiscentas como no ano passado… Dão mais do que meia dúzia de presépios como aquele ali, que já me leva uns cinco dias de trabalho. Ali, debaixo daquele pano húmido! A propósito, lembras-te de a tua mãe dizer que não era muito lógico o pastor levar uma lebre no braço?
– Sim, até apostaste com ela um lanche na pastelaria. As apostas forretas do costume! O que é que tu dizias, mãe?
– Que fazia mais sentido ser um cabrito ou um borrego. Se é um pastor…
– Pois! Mas, o que me parecia ver na estampa da Adoração dos pastores do pintor Gregório Lopes era uma lebre. No domingo de tarde, enquanto estavas para o cinema, eu e a tua mãe fomos de propósito ao Museu de Arte Antiga tirar as teimas. Realmente, ver o quadro ali mesmo à nossa frente, é outra coisa! Fiquei convencido de que é um cabrito. Perdi! Sempre me tinha parecido uma lebre.
– Não ganhei grande coisa nessa aposta. Se fosse o Euromilhões! Zé, o que é que tu gostavas que eu te desse, agora no Natal, se me tivesse saído muito dinheiro?
– Uma autocaravana.
– Assim, levas uma camisa, oh-oh!
– Eu quero uma viola elétrica.
– Para quê? Tu não sabes tocar!
– Como é que eu posso aprender? A ver telediscos?
– Já tens uma acústica, de madeira.
– E toco! Mas a música agora tem de ter amplificação e encher o espaço.
– Era só o que nos faltava – barulheira. Eu gosto pouco de barulho.
– Então um leitor de mp4. Com auscultadores.
– O que é que achas, Teresa?
– Eu não me importo. Só tenho medo que ele fique surdo como o filho do vizinho. Andava sempre com aquilo nos ouvidos, que não dava por ninguém. E ao teu irmão, o que é que havemos de dar?
– Isso é que é mais difícil! Ele já tem tudo. Também não lhe vamos dar uma moto de água, para andar na barragem, que é só no que ele fala agora!
– Tem de ser uma coisa boa!
– Mesmo que ele já tenha, mãe?
– Uma camisola faz sempre falta. Mas das boas, que lá o frio até corta. Fancaria é que não. Como uns brincos de pechisbeque que o teu pai me deu uma vez.
– Gostaste deles, confessa!
– Eh! Estávamos casados só há um ano. Não ia dizer que não gostava ou que não queria. Estão para ali. Passa-me essa espátula, Tiago.
– Já estou cansado…
– E se fizéssemos uma pausa para lanchar, Zé?
– Sabem o que me apetecia agora, com esta conversa? Uma filhó.
– Ainda bem que falas nisso. Este ano, estamos a atrasar-nos. A ver se daqui a bocado vou comprar farinha. No sábado que vem, amasso-as, e à noite fritamo-las.
– Eu viro-as.
– E eu espalho o açúcar por cima, posso?
– Vai parecer o presépio.
– Falta o burro e a vaca. Não querem convidar os vizinhos do rés-do-chão?
– Tiago Manuel!
– Tiago Manuel…

 

Joaquim Bispo

 

Retirado de Samizdat

publicado às 17:35

3 semanas de férias no natal

 

Imagem do Público

 

O ministério da educação voltou a alterar o calendário escolar, no próximo ano lectivo no natal as aulas terminarão no dia 13 de Dezembro, uma sexta-feira, e só recomeçarão no dia 6 de Janeiro. 3 longas semanas de férias. Será que o senhor ministro me pode explicar o que fazem as famílias com as crianças durante essas três semanas?


Cá em casa são três, uns avós estão a 300 , os outros estão a 200 Kms e já não tem vida nem paciência para terem lá os netos durante tanto tempo, felizmente ainda somos os dois empregados, pelo que assim de repente temos um problema, o que fazer com 3 crianças de 13 de Dezembro a seis de Janeiro?


Deixar os 3 encerrados em casa enquanto vamos trabalhar é uma opção, mas acho que a protecção de menores não ia gostar, meter férias durante esse período seria só transferir o problema para o verão ou a Páscoa.. além que de que a minha meia laranja tem férias obrigatórias em Agosto... resta-nos fazer contas e tentar arranjar um ATL que fique em conta... e lá se vai o subsidio de natal.

 

Alguém me explica que sentido faz as crianças terem 3 semanas de férias num período em que os pais não podem ficar com eles?, ou será que o governo planeia que daqui até Dezembro o desemprego será tanto que todas as crianças terão pelo menos um dos pais em casa?

 

E que tal em vez de estarem a inventar períodos de férias pensarem em resolver coisas mais importantes como o apoio escolar para os alunos com dificuldades, ou arranjar uma politica de manuais escolares que não obrigue os pais a deixarem um salário no inicio de cada ano escolar? Ou arranjar forma de garantirem a segurança dentro da escola?.. ou....

 

Jorge Soares

publicado às 22:14

Outro Natal

por Jorge Soares, em 25.12.12

Outro natal

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

 

Outro natal,
Outra comprida noite
De consoada Fria,

Vazia,
Bonita só de ser imaginada.
Que fique dela, ao menos,
Mais um poema breve
Recitado Pela neve
A cair, ao de leve,
No telhado.
Miguel Torga
Portalegre
Dezembro de 2011
Jorge Soares

publicado às 18:48

A todos um bom natal

por Jorge Soares, em 24.12.12
A todos um bom natal

Pois é isso, que seja um bom natal para todos vós

 

 

João Só & Abandonados, a todos um bom natal

Jorge Soares

publicado às 12:03

Conto - Presentes de Natal

por Jorge Soares, em 22.12.12

Presente de natal

 

Nestor de Holanda


As noites de Natal existem para me mostrar que os anos têm sido arrancados das folhinhas. E me lembram de que já vou carregando, no corpo, na alma, no coração, as tatuagens do tempo.

Houve o Natal dos carneirinho manso, que meu pai me deu para ser saudade hoje. Houve o da flauta, o do velocípede, o da bicicleta.

Depois, o das obras de Júlio Verne.

Mais adiante, o da Enciclopédia e Dicionário Internacional.

Um dia, fui visitar casa amiga. E a empregada me anunciou:

— Aí está um rapaz.

Desde então, o Natal se foi transformando em pijamas, camisas, gravatas, lenços.

Noutra visita:

— Aí está um moço.

Notem que, no caso, moço é mais velho que rapaz...

Meu Natal passou a faturar abotoaduras, alfinetes de gravata, carteiras de cédulas ou de níqueis, cintos e agendas.

Agora, quando visito algum amigo, as empregadas me anunciam:

— Aí está um senhor.

Quando o dono da casa é cortês, ri:

— Que senhor, que nada, Maria. É o Iolando. Entra velho.

O velho em tom fraterno, remoça mais a gente. Acho horrível ser senhor.

Assim, o último Natal me deixou mágoa estranha. Porque pessoa querida, das que sempre me presentearam no nascimento do Cristo, apareceu com uma caixinha embrulhada em papel multicolor. Todo alegria, abri o embrulho e a caixinha.

Eram uns suspensórios!...


Retirado de Releituras

publicado às 21:28

Conto - Mãe Natal

por Jorge Soares, em 15.12.12

Mãe Natal

Imagem de aqui


Mamãe Noel

 Martha Medeiros


Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.

Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.

Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?

Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?

Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.

(Dezembro de 1998).


Retirado de Releituras

publicado às 21:07

Conto de Natal

por Jorge Soares, em 08.12.12

Presépio

Imagem de aqui


Sem dizer uma palavra, o homem deixou a estrada andou alguns metros no pasto e se deteve um instante diante da cerca de arame farpado. A mulher seguiu-o sem compreender, puxando pela mão o menino de seis anos.

— Que é?

O homem apontou uma árvore do outro lado da cerca. Curvou-se, afastou dois fios de arame e passou. O menino preferiu passar deitado, mas uma ponta de arame o segurou pela camisa. O pai agachou-se zangado: 

— Porcaria...

Tirou o espinho de arame da camisinha de algodão e o moleque escorregou para o outro lado. Agora era preciso passar a mulher. O homem olhou-a um momento do outro lado da cerca e procurou depois com os olhos um lugar em que houvesse um arame arrebentado ou dois fios mais afastados.

— Péra aí...

Andou para um lado e outro e afinal chamou a mulher. Ela foi devagar, o suor correndo pela cara mulata, os passos lerdos sob a enorme barriga de 8 ou 9 meses.

— Vamos ver aqui...

Com esforço ele afrouxou o arame do meio e puxou-o para cima.

Com o dedo grande do pé fez descer bastante o de baixo.

Ela curvou-se e fez um esforço para erguer a perna direita e passá-la para o outro lado da cerca. Mas caiu sentada num torrão de cupim!

— Mulher!

Passando os braços para o outro lado da cerca o homem ajudou-a a levantar-se. Depois passou a mão pela testa e pelo cabelo empapado de suor.

— Péra aí...

Arranjou afinal um lugar melhor, e a mulher passou de quatro, com dificuldade. Caminharam até a árvore, a única que havia no pasto, e sentaram-se no chão, à sombra, calados.

O sol ardia sobre o pasto maltratado e secava os lameirões da estrada torta. O calor abafava, e não havia nem um sopro de brisa para mexer uma folha.

De tardinha seguiram caminho, e ele calculou que deviam faltar umas duas léguas e meia para a fazenda da Boa Vista quando ela disse que não agüentava mais andar. E pensou em voltar até o sítio de «seu» Anacleto.

— Não...

Ficaram parados os três, sem saber o que fazer, quando começaram a cair uns pingos grossos de chuva. O menino choramingava.

— Eh, mulher...

Ela não podia andar e passava a mão pela barriga enorme. Ouviram então o guincho de um carro de bois.

— Oh, graças a Deus...

Às 7 horas da noite, chegaram com os trapos encharcados de chuva a uma fazendinha. O temporal pegou-os na estrada e entre os trovões e relâmpagos a mulher dava gritos de dor.

— Vai ser hoje, Faustino, Deus me acuda, vai ser hoje.

O carreiro morava numa casinha de sapé, do outro lado da várzea. A casa do fazendeiro estava fechada, pois o capitão tinha ido para a cidade há dois dias.

— Eu acho que o jeito...

O carreiro apontou a estrebaria. A pequena família se arranjou lá de qualquer jeito junto de uma vaca e um burro.

No dia seguinte de manhã o carreiro voltou. Disse que tinha ido pedir uma ajuda de noite na casa de “siá” Tomásia, mas “siá” Tomásia tinha ido à festa na Fazenda de Santo Antônio. E ele não tinha nem querosene para uma lamparina, mesmo se tivesse não sabia ajudar nada. Trazia quatro broas velhas e uma lata com café.

Faustino agradeceu a boa-vontade. O menino tinha nascido. O carreiro deu uma espiada, mas não se via nem a cara do bichinho que estava embrulhado nuns trapos sobre um monte de capim cortado, ao lado da mãe adormecida.

— Eu de lá ouvi os gritos. Ô Natal desgraçado!

— Natal?

Com a pergunta de Faustino a mulher acordou.

— Olhe, mulher, hoje é dia de Natal. Eu nem me lembrava...

Ela fez um sinal com a cabeça: sabia. Faustino de repente riu. Há muitos dias não ria, desde que tivera a questão com o Coronel Desidério que acabara mandando embora ele e mais dois colonos. Riu muito, mostrando os dentes pretos de fumo: 

— Eh, mulher, então “vâmo” botar o nome de Jesus Cristo!

A mulher não achou graça. Fez uma careta e penosamente voltou a cabeça para um lado, cerrando os olhos. O menino de seis anos tentava comer a broa dura e estava mexendo no embrulho de trapos:

— Eh, pai, vem vê...

— Uai! Péra aí...

O menino Jesus Cristo estava morto.


Rubem Braga


Retirado de Releituras

publicado às 21:09

Zé Natal

 

Segundo o Sol, Governo decidiu dar 'bónus' aos portugueses depois de ano difícil ao dar mais uma tolerância de ponto nos dias de natal e ano novo.. não percebi.

 

Entre feriados e férias, este mesmo governo que agora virou mãos largas e até dá bónus, tirou-me a mim e ao resto dos portugueses 7 dias, dizem eles que foi a mando da Troika e em nome de algo que ninguém sabe muito bem o que é mas que eles chamam de produtividade... e agora vem dar assim de mão beijada dois dias de férias extra ao estado? Então e a produtividade? Então e a Troika?, quando é que negociaram este bónus que não nos contaram nada?

 

Esta semana foi aprovado o pior orçamento de estado dos últimos 40 anos. Hoje as noticias falavam de um corte extra de quatro mil milhões que tem de ser decidido até Fevereiro para dar de prenda de natal atrasada aos senhores da Troika quando eles cá voltarem, consta que os cortes vão ser na saúde e na educação, há quem diga que vão aparecer propinas no ensino secundário..  e depois disto tudo estes senhores vem com mais dois dias de férias?

 

Todos sabemos que o ano que vem vai ser de eleições autárquicas e há que começar a adoçar a boca aos funcionários públicos, mas convenhamos que é preciso falta de vergonha para se vir com uma coisa destas depois de tanta conversa sobre a produtividade dos portugueses e a competitividade do país.

 

Quando alguém voltar com a conversa de que vivemos acima das nossas necessidades, já sabem do que se trata... é das tolerâncias de ponto, de dois dias com o estado parado em quanto o resto do país está a trabalhar ou para poder passar o dia com a família, teve que abdicar dos dias de férias no verão.

 

É a isto que eu chamo, governar pelo mau exemplo.

 

Jorge Soares

publicado às 22:18

4 milhões

Imagem do Público 

 

 

Desculpem lá a insistência, mas ler coisas destas no dia em que os senhores deputados da maioria aprovaram o orçamento de estado com o maior aumento de impostos da história, deixa-me mais ou menos fora de mim.

 

Se acharam mal os duzentos e cinquenta mil Euros das luzinhas em Lisboa, o que dizer de um gasto de dois milhões de Euros entre luzes de natal e fogo de artíficio para a passagem de ano novo?

 

Sabem aquela história de que há quem viva acima das suas possibilidades?... pois, é isto, há quem não tenha dinheiro para mandar cantar um cego... mas continue a torrar o dinheiro dos outros em luzinhas e bombinhas...

 

Crise?.. qual crise? ... isso é lá para o contenente!

 

Jorge Soares

publicado às 22:09


Ó pra mim!

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