Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Conto - Uma noiva para o João do Campo

por Jorge Soares, em 05.04.14

 



Era uma vez um rapaz que vivia sozinho no campo e raras vezes ia à cidade. Falava apenas com as cabras, os pássaros e as árvores, a não ser na festa dos rebanhos. Chegado à idade de casar, não conhecia ninguém que quisesse viver com ele, e pensava que todas as raparigas preferiam ficar na cidade, em vez de ir viver para o campo, onde, às vezes, faz muito calor e muito frio, e não há luz à noite. Então o João – assim se chamava o rapaz – foi falar com o rei, dizendo:

 

– Meu rei, já tenho vinte anos e ainda sou solteiro. Não sei de ninguém que queira casar comigo. Peço-te que me arranjes uma noiva para viver, dia e noite, lá no campo onde moro.

 

O rei ficou muito admirado por alguém do seu reino não ter com quem casar e disse:

 

– Daqui a três dias, volta aqui, mas traze a coisa mais bonita que o campo tem, como prenda para a tua noiva.

 

João assim fez. Daí a três dias, voltou ao palácio com um braçado de malmequeres. Ao lado do rei estavam três pretendentes, que ele tinha arranjado, entre as solteiras da cidade. Uma disse:

 

– Não gosto de malmequeres, que me fazem espirrar!

A segunda disse:

– Tenho muitos, lá em casa, mais bonitos que esses!

A terceira disse:

– Os malmequeres são as minhas flores preferidas. Caso contigo.

 

No dia seguinte, fez-se uma grande festa e casaram-se os noivos que, por fim, partiram para o campo. Durante uma semana, viveram os dois muito alegres. Corriam, rebolavam nos prados, jogavam às escondidas e riam-se a valer. Depois, o casal começou a ficar triste, porque esperava que o casamento fosse diferente. A rapariga dizia que o João não gostava dela, o que era um pouco verdade. Achava-a muito delicada, muito “menina da cidade”. Começou a desejar que a sua noiva fosse mais robusta e gostasse de jogar à bilharda, à pedrada, e a outros jogos de rapazes do campo. Resolveram pedir ao rei que os descasasse e lhes arranjasse outros noivos. Assim fizeram.

 

Contaram ao rei o que tinha acontecido e ele ficou muito pensativo. Disse ao João:

 

 – Volta daqui a três dias, mas traze a coisa mais saborosa que o campo tem, como presente para a tua noiva.

João assim fez. Daí a três dias voltou com uma saca de peras, muito cheirosas e suculentas. Ao pé do rei, estavam três pretendentes. A primeira disse:

– As frutas doces fazem-me engordar.

A segunda disse:

– Para comer peras, fico em minha casa!

A terceira disse:

– As peras são a minha fruta preferida. Caso contigo.

 

Assim se fez e, depois da festa, os noivos partiram para o campo. Durante uma semana correram, saltaram, riram e brincaram muito. Depois começaram a ficar tristes. A rapariga dizia que o João já não gostava dela, e era verdade. Achava-a demasiado suave e frágil. Parecia-lhe que havia de preferir uma que fosse mais vigorosa e gostasse de jogar às quedas e ao jogo do pau.

 

Contaram tudo ao rei, que os descasou e que, depois de pensar um bocado, disse ao João:

– Volta cá daqui a três dias, mas traze a coisa mais divertida que há no campo, como lembrança para a tua noiva.

João voltou no dia combinado, com um par de cajados. A primeira das novas pretendentes disse:

– Que jogo tão rústico! Eu só gosto de jogos de tabuleiro.

A segunda disse:

– Que bruto; ainda alguém se magoa!

A terceira disse:

– O jogo do pau é o meu favorito. Caso contigo.

O rei, então, disse:

– Ide para o campo e voltai só daqui a um mês. Se então me disserdes que continuais a querer casar-vos, assim farei, mas só se gostardes de viver um com o outro.

 

Os noivos assim fizeram. Durante a primeira semana, não fizeram outra coisa senão jogar ao jogo do pau. Depois jogaram à pedrada, ao braço-de-ferro e ao salto a pés juntos, zonzos de alegria. João estava feliz. Finalmente encontrara alguém com os mesmos gostos. E também gostava do seu corpo, que era musculado e rijo, à maneira do campo. Passaram a dar muitos beijinhos e decidiram dizer ao rei que, agora sim, estavam bem um para o outro e queriam casar.

 

Mas, antes, a noiva confessou:

– João, eu, na verdade, não sou uma rapariga; sou o filho do rei. O meu pai, avisado por um mágico, fez que eu sempre me tenha vestido de princesa e ninguém no reino sabe que eu sou, na verdade, um príncipe. Quando te vi, gostei do teu ar campestre, e quando soube das tuas dificuldades com as outras raparigas, percebi que talvez fosse eu a pessoa que te pudesse contentar. E realizar-me contigo. Eu próprio, também me queria casar. Então, pedi ao meu pai para me deixar vir para o campo contigo.

 

João, apesar de surpreendido, aceitou e beijou apaixonadamente o amor da sua vida. Estavam ambos felizes e isso era o que na verdade interessava.

 

Quando se completou um mês, voltaram ao palácio e contaram ao rei que estavam decididos a casar. Houve uma grande festa e o rei, em pessoa, casou a princesa com o João, perante todo o povo. Todos se divertiram e um dos mais animados era o rei, que, finalmente, via o seu filho feliz.

 

 

 

–––––––   –––––––   –––––––

 

A perceção tradicional sobre a homossexualidade considerava que esta orientação se devia a erros de educação e outras influências do meio e que, portanto, evitando esses erros e essas influências se obtinham indivíduos heterossexuais, ou que, reeducando os já afetados, seria possível a “cura”. A reflexão sobre esta problemática, no entanto, tem vindo, aos poucos, a considerar que a tendência para se ter atração sexual por pessoas do mesmo sexo tem origem genética, sobretudo. Estudos neste sentido vão sendo divulgados e o crescimento desta conceção na mentalidade geral da sociedade vai fazendo compreender o sofrimento de quem nasce homossexual e se vê discriminado em muitos dos direitos de cidadão comum. Algumas sociedades levam a tentativa de melhorar este estado de coisas às leis.

 

Há quatro anos, o parlamento português instituiu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A lei foi aprovada na especialidade no dia 11 de fevereiro de 2010 e entrou em vigor a 5 de Junho. Deste modo, Portugal passou a ser o oitavo país do mundo a realizar, em todo o território nacional, casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo, juntando-se aos Países Baixos (2001), Bélgica (2003), Espanha (2005), Canadá (2005), África do Sul (2006), Noruega (2009) e Suécia (2009). Posteriormente também Islândia (2010), Argentina (2010), Uruguai (2013), França (2013), Nova Zelândia (2013) e Brasil (2013) optaram por semelhante consagração legislativa.

Joaquim Bispo

Retirado de Samizdat

publicado às 21:54


Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.



Ó pra mim!

foto do autor


Queres falar comigo?

Mail: jfreitas.soares@gmail.com






Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2009
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2008
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2007
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D