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Conto - As incertezas de Crpt

por Jorge Soares, em 31.01.15

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Quando Crpt se religou, encontrou-se sentado na zona de acesso às partidas aéreas da cidade arqueológica de Ur. De imediato, detetou o imperativo de entregar uma mensagem impregnada na área encriptada, dirigida ao arqueólogo “Gilgamesh”. A instrução de ação era clara — “A mensagem deve chegar à Casa Branca na véspera de Natal do ano 2899” —, mas o que isso significava era um completo enigma. Por enquanto.

 

Tratou de consultar mentalmente a enciclopédia interna de acesso expedito. Ficou a saber que Natal era uma primitiva data religiosa, que se transformara numa festividade frívola, realizada pelo solstício de inverno do hemisfério norte, e que o significado principal de Casa Branca era o de um antigo edifício de comando mundial situado numa das zonas irradiadas na última Guerra do Petróleo. A escavação arqueológica do local iniciara-se havia uns vinte anos e era uma das mais prometedoras da Zona Oriental.

 

Para o esclarecimento de data tão bizarra, não havia qualquer pista. Decorria o ano 643 da era de Wu Wang e, seguindo a instrução à risca, tinha mais que tempo de a cumprir — 2256 anos e dois dias, mais precisamente. Isso era uma eternidade. Provavelmente, nem o seu corpo duraria tanto, apesar de ser fabricado com as mais dúcteis e resistentes ligas biometálicas e com tratamentos autorregeneradores. O seu trabalho quase permanente nas zonas irradiadas expunha-o a corrosões intensas. “Para quê, enviar uma mensagem com um prazo de entrega de milénios?”, perguntava-se. Havia, com certeza, um erro na data indicada. Ou, quiçá, uma charada a resolver na própria instrução de ação, que o destinatário sob pseudónimo prenunciava. Qualquer das hipóteses era pouco verosímil, dado o rigor normativo habitual das comunicações. Quando acontecia um erro, era invariavelmente da responsabilidade de um Homem.

 

Uma pergunta começou a dominá-lo: “o que esperaria dele o comando da Delegação de Kandahar, numa situação como esta?” Enviou um pedido mental de iluminação ao Conselho Central, mas, mais uma vez, o silêncio foi a resposta. Dantes, acreditava obter revelação, quando pedia ajuda em momentos de incerteza, mas havia muito tempo que uma ausência absoluta de sinal era a norma. Sentiu-se abandonado por um momento, mas depois reagiu, confiando no permanente controlo da Delegação, ainda que silencioso, sobre o seu livre-arbítrio.

 

 

 

* * *

Joaquim Bispo 

Ilustração de Rodolfo Bispo: https://www.facebook.com/rodolfo.bispo.77

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:26


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