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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
O termo apareceu-me hoje a meio da tarde via email, uma mãe contava o seguinte:
"Aguardamos apenas que o tribunal informe a conservatória para o podermos fazer. E é neste "apenas" que reside a questão: ando há semanas a ligar para a conservatória indicada pelo tribunal a perguntar se já receberam a nossa informação e, até há pouco quando fiz o último contacto, nada. Já fomos pessoalmente ao tribunal por duas vezes perguntar quando fariam a comunicação à conservatória - fomos informados que seria o mais breve possível que "davam prioridade a estes casos, vá ligando para a conservatória a perguntar" e que no máximo na semana seguinte deveria estar tudo tratado. Não está. Infelizmente, em relação ao atraso do tribunal, não há aqui nada de surpreendente. Acabamos por nos habituar. Agora o que me tem custado muito a engolir é a arrogância, a deselegância e mesmo a forma desagradável com que me atendem da conservatória. Tenho ligado uma vez por semana. Verificam que não têm a informação e invariavelmente sugerem-me, com maus modos, que ligue para a conservatória do assento de nascimento ou que vá perguntar ao tribunal. Hoje o argumento foi "porque estou a ver que a senhora está com muita pressa em tirar os documentos", seguido de "e porque é que está a ligar para aqui? Sabe quantas conservatórias há nesta zona?"
Ao testemunho desta mãe seguiram-se outros mais ou menos nos mesmo termos e a Rita, que já passou pelo mesmo, terminou o seu comentário com:
Vai chegar, embora demore os ´tuga timings!!!
Percebo a ideia da Rita, os "tuga timing" é a medida normal para a demora dos processos burocráticos neste país, aqueles que ninguém sabe bem quanto tempo demoram, tanto podem demorar uma semana como 3 ou 4 meses, também ninguém consegue explicar porque é que demora tanto, mas lá está, como sugere a Rita, mais tarde ou mais cedo termina por acontecer.
O mais estranho é que pelo que percebi dos vários testemunhos, podem ou não ser abreviados, tudo depende da nossa capacidade de chatearmos os funcionários na medida certa sem que eles se chateiem connosco, da nossa capacidade de pedinchar, do bom ou mau humor de quem nos atende naquele dia e sobretudo, da nossa capacidade de arranjarmos forma de alguém naquele dia fazer o jeitinho de procurar saber o que se passa com os documentos... que podem estar perdidos no tribunal, na repartição na que estamos ou noutro sitio qualquer.
A verdade é que já estamos todos resignados aos "tuga timings", mas não devíamos, não há motivo nenhum para que após uma sentença em tribunal os documentos não estejam de imediato ao dispor dos pais para que possam registar os seus filhos, se basta um papel do hospital para registar um bebé, porque é que não basta um papel do tribunal para registar um filho adoptado?
Quanto tempo demora a digitalizar uma sentença e enviar por email para uma conservatória? E porque é que estas coisas não tem um prazo máximo para estarem prontas? Se calhar tem, mas é em "tuga Timing"...
Tenho um colega que há coisa de um ano teve de renovar a carta de condução, está desde então à espera que ela chegue, tem um papel que vai carimbando que diz que pode conduzir, mas ninguém lhe sabe explicar quando chegará a carta... lá está tuga timings.... Já repararam que se pedirmos um cartão de crédito os bancos não demoram mais que dois ou três dias na entrega?... como é que imprimir uma carta de condução demora mais de um ano? "Tuga Timings"
Depois perguntamos-nos como é que este país não passa de um atraso de vida.
Jorge Soares
Já fez 4 anos em Fevereiro que a D. veio de Cabo Verde, 4 anos que para ela e para nós passaram num instante, neste tempo ela transformou-se de uma criança doce e sorridente, num diabinho cheio de garra e com uma enorme persistência (ela não é teimosa, é persistente) continua sorridente, mas é só quando quer e/ou lhe interessa.
Durante estes 4 anos ela esteve meio indocumentada, é incrível mas Portugal só passa um visto de seis meses às crianças que vem da adopção internacional, que depois dependendo da simpatia e boa vontade dos funcionários do SEF, se pode ou não renovar de três em três meses... em Setúbal há muita simpatia no SEF e nós renovamos os vistos até que não restavam folhas no passaporte...depois desistimos.
Entretanto em Cabo Verde o processo ia andando devagar, devagarinho e parado dependendo da vontade e das gravidezes da Juíza, da inércia dos advogados, do humor dos políticos de turno ...
Foram 4 anos em que aconteceram as coisas mais incríveis, em que fomos duas vezes a Cabo Verde, em que os país biológicos foram ouvidos umas 5 vezes no mínimo. O mais incrível foi quando só faltava passar a sentença e a juíza pediu um estudo das condições sociais da mãe que tinha entregue a criança para adopção internacional há mais de quatro anos... felizmente a senhora não ganhou o Euromilhões entretanto.
Achávamos nós que agora era só pegar na sentença ir ao registo civil e passar para o papel aquilo que há muito está nos corações de toda a família... julgava mal.
Na adopção nada é fácil, nem mesmo o registo dos nossos filhos, em primeiro lugar, independentemente da sentença e dela já ser legalmente nossa filha por decisão de um tribunal, temos que começar por pedir a nacionalidade, para isso temos que fazer um requerimento, entregar os documentos (os originais) e depois esperar.... meses... entretanto a criança que por sentença passou a ter outros pais, está algures no Limbo, porque a sentença até lhe mudou o nome e os documentos originais deixaram de ser válidos.
O mais engraçado de tudo isto é que entre os documentos a entregar está "uma prova da ligação à cultura portuguesa" ... gostava de perceber o que será ligação maior que ter pais e irmãos portugueses... mas eles querem mesmo o papel e sem ele não há nacionalidade portuguesa e portanto não há registo da criança....
Eu já tinha ouvido falar de burocracias ridículas, mas acho que esta bate todos os recordes.... prova de ligação à cultura portuguesa? a sério?
Para uma criança de seis anos não é complicado, afinal ela anda na escola e o documento de matricula deve ser suficiente, mas fiquei curioso, eu conheço quem tenha adoptado bebés de meses, como se prova a ligação à cultura portuguesa de um bebé de meses? Fomos perguntar... em desespero, os pais babados inscreveram online a criança como sócia de um clube de futebol e entregaram o comprovativo... passou... mas fiquei a pensar... e se o conservador fosse de outro clube? A criança ficava sem pais e sem país?
E achava eu que em cabo Verde são complicados.... vamos ver se este é o último post da longa série sobre a adopção da D...
Jorge Soares