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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Imagem minha do Momentos e Olhares
A pálida Luz da Manhã de Inverno
A pálida luz da manhã de inverno,
O cais e a razão
Não dão mais 'sperança, nem menos 'sperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem menos sossego sequer,
Para o meu 'sperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.
Fernando Pessoa
Poesias inéditas
Chegou o inverno
O Sado e o céu em Setúbal
Jorge Soares
O moço era estranho.
Jogava futebol na divisão principal. Quando entrava em campo, fazia uns trejeitos com a mão direita sobre o peito. Ninguém se atrevia a perguntar-lhe se era tique ou comichão.
Às vezes, puxava um fio dourado, atado ao pescoço, donde pendia um T, e beijava-o. É certo que o nome dele é Teodoro, mas tanto narcisismo parecia um bocado bacoco.
Quando falhava um golo à boca da baliza, havia mais bizarria. Em vez de verificar as botas, olhava para o céu e levantava os braços. Após uma dessas vezes declarou que contava com uma graça que não surgiu. Aparentemente, era um auxílio que devia vir de cima. Ninguém entendeu que um jogador tão experiente esperasse que um golo que entrasse na baliza com ajuda externa pudesse ser validado pelo árbitro.
Era estranho.
Há quatro anos, foi vítima de uma daquelas coincidências em que alguns insistem em ver intencionalidade: quando levantou os olhos ao céu, em vez da graça esperada, veio uma garça. Foi atingido em cheio no olho direito por uma cagadela fétida e volumosa. A força do impacto e uma infeção posterior reduziram-lhe consideravelmente a visão.
Sem visão binocular, teve de abandonar o futebol e renunciar a qualquer outro desporto com bola. Agora dedica-se ao xadrez. Quem o quiser ver, vai encontrá-lo de cabeça baixa, atento ao tabuleiro, sem temer as armadilhas do acaso. No xadrez não há acasos, só a luta de duas mentes perante um jogo totalmente exposto. Nunca mais ninguém o viu a fazer trejeitos sobre o peito ou a levantar os olhos ao céu.
Joaquim Bispo
retirado de Samizdat
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Crepúsculo
Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes...
E os lírios fecham... Meu Amor, não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes...
O Silêncio abre as mãos... entorna rosas...
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando...
E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando...
Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
Imagem Minha do Momentos e Olhares
À noite,
Há fadas pelo céu,
Gigantes como eu,
Cuidado!
Há sombras na janela,
Peter Pan dança na estrela,
Não acordes na viagem.
Conta-me uma história
De tesouros e luar,
És capitão da Areia,
E pirata de Alto Mar
Agora,
As cortinas têm rostos,
São fantasmas bem-dispostos,
Cuidado!
O Super-homem está a caminho,
Traz o Panda e o Soldadinho,
Fecha os olhos e verás.
Às vezes
Há dragões que têm medo
E é esse o seu segredo,
Cuidado!
Vivem debaixo da cama,
Brincam com o Homem-aranha,
Vais levá-los no teu sono.
Conta-me uma história
De tesouros e luar,
És capitão da areia,
E pirata de alto mar
Conta-me uma história
Onde eu entro devagar,
És capitão da areia
Diz-me onde me vais levar
Pedro Abrunhosa
Capitães da Areia
Cambados, Galiza, Espanha
Agosto de 2010