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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Terá sido há mais de dois anos que eu recebi um mail de alguém da SIC em que me era pedida ajuda para encontrar um casal que estivesse a iniciar um processo de adopção internacional e estivesse disposto a ser seguido durante todo o processo. Tal como faço sempre, encaminhei o pedido para os candidatos à adopção que conheço, mas nunca pensei que alguém estivesse disposto a participar em algo deste tipo, a adopção é um assunto muito sério, na maioria dos casos colocam-se inclusivamente problemas legais e de privacidade da criança e dos adoptantes.
Tal como a maioria das pessoas que adoptaram fiquei chocado com a reportagem da SIC sobre a suposta "adopção" de uma criança em Cabo Verde.
Em primeiro lugar convém perceber que o que se vê na reportagem não é uma adopção, Portugal e Cabo Verde adoptaram a convenção de Haia, para haver adopção a criança tem que ser entregue a quem adopta através de um processo legal que terá sempre que envolver um tribunal. No caso apresentado a criança é entregue ao casal português directamente pelos pais, com a intermediação de um conhecido e sem qualquer intervenção das autoridades de Cabo Verde.
Eu não coloco em causa a honestidade de todos os intervenientes neste caso, mas sem a intermediação das autoridades portuguesas e de Cabo Verde, como é que se consegue garantir que a criança não foi entregue a troco de dinheiro?
Mas há muitas mais coisas que me chocam, qual é a ideia de ir entrevistar a família biológica da criança, mostrar que há miséria em Cabo Verde? Qual é a novidade nisso? Mostrar que o que estão ali a fazer está certo? Desculpabilizar quem é capaz de passar por cima de todas a leis para conseguir aquilo que quer?
Como é que a senhora pode dizer que não tinha conhecimento da forma em que deveria tratar do processo? Eles eram candidatos em Portugal, não perguntaram às assistentes sociais o que era necessário para um processo de adopção internacional? Não lhes foi explicado que o processo teria sempre que ir através da segurança social de Portugal para a de Cabo verde?
Durante a reportagem falam várias vezes em justiça, então e a justiça para todas as outras pessoas que estavam à espera antes deles? Não conta? Então e a justiça e as leis que dizem como deve ser tratada uma adopção internacional entre Portugal e Cabo Verde, não interessa?
Passamos a vida a dizer que os processos de adopção em Portugal são demorados, há casais em Portugal à espera há quatro e cinco anos, pelo que percebi a este casal foi-lhes proposta pela segurança social portuguesa uma criança com dois anos e meio, criança que eles não aceitaram. Entre os muitos comentários que li, alguém dizia que aquela criança de Cabo Verde tem direito a ser feliz, então e a criança portuguesa que lhes foi proposta não tem direito a ser feliz? Só eles tem direito a ser felizes?
Afinal qual é o propósito da adopção, arranjar bebes perfeitinhos para os casais? Mas não deveria ser arranjar famílias para as crianças que precisam?
Eu adoptei em Cabo Verde, pela via legal, o processo foi para Cabo Verde algures em 2008, a criança foi-nos entregue pelo tribunal em 2011, tivemos que lá voltar em 2012 para ser ouvidos pelo juiz que tinha o processo, os pais biológicos foram ouvidos umas cinco vezes, e a adopção foi decretada em 2014... é justo que um processo de adopção tenha estes passos todos? Se calhar não, mas é assim que funciona e é a forma de garantir que não se brinca com a vida das crianças.
Era bom que estes senhores se mentalizassem para o que se segue, depois do que eu vi e ouvi na reportagem, tenho muitas duvidas que algumas vez seja decretada esta adopção, entretanto a criança está em Portugal, o visto com que veio é válido por seis meses e dependendo da boa vontade dos funcionários do SEF, será renovável ou não cada três meses, nós desistimos das renovações quando enchemos todas as folhas do passaporte e a nossa filha passou a estar indocumentada... e o nosso processo tinha seguido todos os passos legais..
Quanto à SIC, com esta reportagem que puxa à lágrima fácil mas que mais que informar desinforma, deviam ter vergonha de chamar a este caso adopção, meus senhores isto não é uma adopção, o que mostraram na reportagem não tem nome, e a forma como expuseram a vida desta criança e da sua família biológica mostrando os lugares e as pessoas daquela forma, é uma enorme falta de respeito.
Já agora deveriam ter esclarecido que esta criança não veio para Portugal adoptada, terá vindo entregue em confiança judicial e que isto não tem nada a ver com adopção e vai passar muito tempo até que esta criança seja adoptada... se é que alguma vez o será.
Para quem estiver interessado a reportagem pode ser vista aqui
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Tal como expliquei no outro dia no post "As vidas não se deixam a meio", estivemos em Cabo Verde para mais um passo do já longo processo de adopção da D.
Apesar dos vários posts que já aqui escrevi sobre o assunto ou talvez graças a eles, continuo a receber muitos mails e comentários aos posts com perguntas de quem olha para Cabo Verde como uma alternativa aos demorados processos nacionais.
Já aqui falei sobre os processos de adopção neste país, foi neste post cuja leitura recomendo, mesmo a quem não está interessado em adoptar..
Como também já disse antes, Cabo Verde adoptou a convenção de Haia a 1 de Janeiro de 2010, o processo da D. entrou em tribunal em Dezembro de 2009 e por aquilo que vou sabendo, terá sido ela a última criança a vir para Portugal. Com a adopção da convenção de Haia as regras mudaram e é suposto que após a reorganização política, social e judicial, os processos fiquem muito parecidos com o que são por cá.
Como sei que há muita gente interessada, questionei o nosso advogado sobre este assunto e a resposta foi muito clara. Desde 2010 que não há adopção em Cabo Verde, as palavras dele foram que as autoridades políticas e judiciárias não são favoráveis à adopção internacional e portanto as coisas continuam mais ou menos como no inicio de 2010.
Sei que há muita gente que continua a enviar processos para Cabo Verde, na minha opinião estas pessoas deverão continuar a apostar na adopção nacional e noutros países, nos próximos tempos dificilmente serão adoptadas mais crianças em Cabo Verde.
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Depois de quase três anos, fomos buscar a D. em Fevereiro de 2010, voltamos a Cabo Verde para finalmente sermos ouvidos pelo juiz do processo de adopção.
Por cá queixamo-nos da lentidão da nossa justiça, mas tudo na vida é relativo, e se por cá é lento, em Cabo Verde as coisas medem-se de outra forma, e apesar de que nesta altura já a nossa filha viveu mais tempo cá connosco que lá no lugar onde nasceu, a verdade é que para todos os efeitos legais, ela continua a ter outros pais.
Por muito que se diga que pai é quem cria e quem ama, a verdade é que para o estado Português e para todos os estados e todas as suas burocracias, o que conta é o que diz no passaporte...e acreditem, conta mesmo muito.
Por exemplo, mesmo que a nossa segurança social tenha toda a documentação do tribunal de Cabo Verde e já tenha feito toda a avaliação social do processo, o SEF não quer saber disso para nada, porque mesmo que todo o mundo saiba que estes processos nos tribunais de Cabo Verde demoram anos, as crianças vem com um visto de 3 meses, renováveis por mais 3, e por mais 3... e por muito que os funcionários do SEF sejam simpáticos e cheios de boa vontade, a verdade é que cada três meses lá temos que ir nós e a criança fazer as filas e passar pelo menos uma manhã com toda a burocracia e a papelada...e pelo que sei temos sorte, porque há quem veja o visto negado e tenha filhos ilegais até que finalmente as coisas se resolvam.
E andamos nisto há três anos e quem sabe por quanto tempo mais teremos que andar, porque irmos a um tribunal de luxo rodeado de miséria numa terriola perdida no mapa, para assinarmos um papel que diz que sim, que nós queremos mesmo adoptar uma criança que só nos conhece a nós como pais, foi só mais um pequeno passo... e faltam muitos outros pequenos passos que quem sabe quando serão dados..
E não importa muito que o que esteja em causa seja o bem estar de uma criança, porque os estados, as instituições, os juízes, os funcionários, os advogados, não querem saber dessas coisas...
Das duas vezes que estive em Cabo Verde fiquei com a sensação que aquele é um país com um povo cheio de bondade e simpatia, mas é um país em que tudo parece ficar a meio, parece que de tão lento que as coisas funcionam, algures no processo alguém se esquece do objectivo inicial e as coisas ficam por ali... deve ser por isso que há tantas casas a meio construir, a meio rebocar, a meio pintar...
Para ser sincero, de vez em quando acordo a pensar que um destes dias alguém se esquece que há um processo de adopção que está a meio e tudo fica assim ... para sempre... e não adianta gritar com o advogado, ou o juiz, porque depois de esquecido, não há volta a dar... fica assim, a meio, como a maioria das casas do país, a meio construir , com o aço à vista, e sem telhado.
espero que eles saibam que as crianças não são casas e as vidas não se deixam a meio ....
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e olhares
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar
Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz
Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Vira também
Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego
Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar
Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti
Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver
Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego
Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Zeca Afonso
Algures numa praia na Ilha de Santiago
Cabo Verde
Fevereiro de 2010
Jorge Soares
Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos
Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz
Charles Chaplin
Praia, Cabo Verde
Fevereiro de 2010
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
"Anoitece...
É tarde !...e quando anoitece
Cai o silêncio na Ria
Ressurge quando amanhece
Com aves em cantoria
Em noites maravilhosas
Com brisas de maresia
Medito trechos em prosa
Num quadro de Poesia
Adormeço ao som do mar
Durmo deitado na areia
Num sonho de Amor Primeiro
Na esperança de te encotrar
Neste meu leito de areia
Que é cama de Marinheiro"
João Severino
Imagem minha do Momentos e Olhares
Menino Negro
Porque não sorris
À vida,
Menino negro?!
Ela espera por ti
E quer dar-te,
Comovida,
O melhor que ela tem:
O Amor,
A Esperança,
Serão a tua herança
Neste mundo de dores.
Sorri à vida,
Menino negro,
Sorri à Vida!
Ela espera por ti.
Nos teus olhos,
Que a noite inveja,
Nascem estrelas
De mil cores
Em arco-íris de Alegria
E de Bonança...
Menino negro,
Sorri à vida!
Ela espera por ti
E não se cansa
De esperar por ti
Cada dia...
in POEMAS DE UMA VIDA
Maria Rita Valente-Perfeito
Retirado de Sorrisos sem Cor
Cabo Verde
Fevereiro de 2010
Jorge Soares
Imagem do Público
Morreu a diva dos pés descalços, a voz das mornas e coladeras, uma voz que descobri tarde mas que me cativou porque me fazia lembrar alguns dos sons da minha adolescência, e que fiquei a admirar de uma forma diferente depois da minha viagem a Cabo Verde o ano passado, porque percebi como havia tanto de um país e de um povo nas suas músicas... porque depois de lá estarmos é dificil deixar de sentir sódade.
É um dia triste para Cabo Verde e os caboverdianos, é um dia triste para quem gosta de boa música, um dia que nos deixará sodade, pela pessoa, pela voz, pela sua música e pelo que representava para o seu país e o seu povo.
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Dois Horizontes
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.
(Machado de Assis, in "Crisálidas")
Pôr do sol em Cabo verde
Fevereiro de 2010
Jorge Soares