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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Imagem de aqui
Ontem à noite o noticiário abriu com imagens da Cidade de Espírito Santo no Brasil, com a policia em greve a violência e o crime desataram-se. No ecram sucedem-se as imagens de violência, lojas pilhadas, tiroteios e corpos espalhados. Não soubéssemos que tudo isto se passa no Brasil e bem que podiam ser imagens das guerras civis da Síria ou do Iraque, tal o grau de violência que nos entra pelos olhos dentro.
As últimas imagens são as dos camiões militares a despejar soldados armados até aos dentes enviados pelo governo brasileiro para tentarem tomar conta da situação.
Por momentos voltei à Caracas de 27 de Fevereiro de 1989, quando os protestos pelo aumento dos transportes degeneraram numa espiral de violência que deixaram centenas de mortos e milhares de lojas saqueadas. Recordo que a situação só começou a acalmar quando o governo despejou milhares de soldados como os da fotografia por toda a cidade.
Ontem não foi fácil explicar aos meus filhos o que se estava a passar nas imagens da televisão, após perceberem a questão foi imediata:
- Cá pode acontecer?
Não, cá não pode acontecer, primeiro porque por cá a policia não pode fazer greve e segundo, porque, mesmo que a polícia fizesse greve, o nível de violência e civismo da sociedade portuguesa não tem nada a ver com os do Brasil ou da Venezuela.
Há quem ache que em Portugal há criminalidade e insegurança, é nestas alturas, quando temos um nível de comparação com o que se passa noutros países e noutras sociedades, que percebemos que afinal... vivemos no céu... só que não sabemos.
Jorge Soares
3000 sillas vacías para siempre, 3000 cadeiras vazias para sempre.
Protesto público contra a delinquência na praça Saddel em Caracas, 3000 cadeiras vazias para sempre, correspondem às mais de 3000 pessoas que foram vitimas de assassinato por parte de delinquentes comuns na Venezuela só durante o mês de Janeiro.
Os protestos que acontecem há mais de um Mês na Venezuela tiveram o seu início numa manifestação contra a violência que aconteceu após a violação de uma estudante dentro do recinto da Universidade de los Andes em Mérida.
É contra isto que se protesta na Venezuela, contra a violência que todos os anos mata milhares de pessoas no país, muitas mais que em algumas guerras civis, e contra um sistema e um governo que durante 15 anos não foram capazes de combater a violência a corrupção e a delinquência.
Jorge Soares
Imagem do Público
Já lá vão muitos anos desde que em Caracas fiz os exames nacionais do secundário, na altura não havia telemóveis nem SMS's, mas havia fotocópias e lembro-me perfeitamente que no dia anterior ao exame de matemática um dos meus colegas chegou à escola com um monte de folhas que ele garantia que lhe tinham sido dadas pelo primo de uma amiga que para o conseguir tinha dormido com alguém do ministério da educação.
Num país em que tudo funcionava com esquemas e corrupção a história não era assim tão estranha... passamos o dia a resolver o teste, foi um excelente treino para o dia seguinte, mas não, aquele não era o exame.. convenhamos que como esquema para levar miúdas para a cama não está nada mal.
Hoje ao ler no público que alguém denunciou que no norte do país Dezenas de alunos terão sabido o que ia sair no exame de Português lembrei-me desta história, mas também me lembrei de outra coisa.
O ano passado no teste de Português saiu o poema Na casa defronte de mim, de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, poema que eu utilizei para acompanhar uma das minhas fotografias, esta, no Momentos e Olhares. Nesse dia o post teve milhares de visitas, coisa que eu achei muito estranho até que ao fim do dia sairam as noticias sobre o teste de Português. Na altura fui verificar os logs do blog, as visitas a este post específico começaram logo a seguir à meia noite e foram aumentando durante a madrugada, sendo que na hora em que o teste é retirado dos envelopes selados, já a coisa ia em algumas centenas.
Ora, é suposto os exames serem guardados pela GNR e pela PSP e serem entregues por elementos destas instituições de segurança directamente nas salas, alguém me explica como é que por volta da meia noite já eu tinha visitas no blog à procura do poema que estava no exame? E se "durante o tempo em que o teste está a ser respondido, os professores vigilantes de cada sala não podem sair nem ter meios de comunicação na sua posse (telemóveis ou computadores com acesso à internet, por exemplo)", como é que durante a manhã as visitas já iam em milhares? Resta saber se o ano passado a coisa também foi através de SMS ou se terá sido outro o método.
Gostei muito de viver em Caracas, muito do que sou, muito do meu pensar e sentir vem dali, mas estas coisas deixam-me seriamente preocupado... é que não me estou a ver a ser governado por um Hugo Chavez qualquer.
Jorge Soares
Imagem minha do Momentos e Olhares
Este ano as minhas férias foram mais calmas e sem casos para o blog... mas foi por muito pouco. Estávamos em Londres quando tudo começou, por mero acaso o nosso hotel ficava nas Doclands, bem a Sul, longe dos bairros a norte da cidade onde tudo começou, não demos por nada... a não ser que ao fim da tarde daquele dia havia bastantes carros da policia apressados e com as sirenes a tocar enquanto passeávamos pelas imediações de Trafalgar Square.
De resto, no centro da cidade era um dia normal, como o era o dia seguinte, o nosso último dia na Cidade e em que fomos ao museo de história natural.
Pilhagens e destruição não são novas para mim, eu estava em Caracas a 27 de Fevereiro de 1989 quando o fim dos subsídios aos transportes públicos ditou um aumento brutal dos preços e o inicio de uma revolta popular que em 3 ou 4 dias deixou centenas de mortos, uma cidade pilhada e num caos completo. A Venezuela era a democracia mais antiga da América Latina e os ecos daquele dia ainda se escutam hoje... sendo que Hugo Chavez será a mais forte das recordações.
O que aconteceu em Londres pode ser lido de muitas maneiras, há quem fale de desespero da população mais pobre que mal consegue sobreviver, há quem no extremo oposto fale da falta de educação e princípios cívicos, de uma sociedade sem valores... acredito que a verdade estará algures a meio.
É difícil acreditar que seja o desespero e a falta de bens básicos o que leva à pilhagem de lojas de electrónica e de moda, também é difícil acreditar na falta de educação quando entre quem foi detido temos estudantes das melhores universidades, filhos das melhores famílias, engenheiros, assistentes sociais, crianças de 11 anos....
Londres é uma cidade cheia de cultura e de culturas, pelas suas ruas passeiam-se em aparente harmonia todas a raças e credos que se possam imaginar... não sei até que ponto será fácil manter em equilíbrio uma tal babel de pessoas e culturas. O que vi da cidade não me dá evidentemente para ter a perspectiva do que há mais além, o que está por trás das fachadas e do turismo. Mas a minha experiência de vida diz-me que este tipo de coisas é sempre sinal de algo mais..... não sei se a nossa sociedade estará preparada para entender e aprender com tudo isto... sei sim que o resultado pode ser muito mau.
Será que para além de que policias desarmados não são uma boa solução para resolver casos destes, alguém terá tirado alguma lição do que se passou em Londres no inicio de Agosto? .... tenho sérias dúvidas.
Jorge Soares
Na semana passada quando escrevia o post sobre o céu em que vivemos, vieram-me à memória os meus tempos de estudante em Lisboa.
Depois de 15 dias a morar num quarto em Sete Rios e do episódio que contei naquele post sobre o Tu e o você mudei-me para um quarto na Rua do Poço dos negros. Há dias em que vou recordando factos e acho que poderia escrever um livro com algumas das coisas que me aconteceram nos quartos em que vivi em Lisboa.
Depois da primeira experiência falhada, a minha mãe lá na santa terrinha desencantou alguém que tinha família em Lisboa que tinha um quarto para alugar. Era um quarto minúsculo, com uma janela que dava para o interior do prédio, era num quarto andar de um prédio muito antigo e a precisar de obras. No inverno eu tiritava com o frio e no verão morria com o calor... mas era muito barato e as pessoas eram simpáticas. Felizmente o meu quarto ficava por baixo das aguas furtadas e não chovia lá dentro, mas na cozinha, na sala e em alguns dos outros quartos...chovia como na rua. Morei lá quatro anos, até que decidiram fazer obras no telhado e eu fui despejado.
Era um prédio com uma vizinhança pintoresa. No 3 andar vivia uma senhora que alugava quartos a meninas.... bom, pelo menos isso foi o que me disseram..... Com o tempo percebi que o termo meninas era mesmo eufemismo, no verão eu dormia com a janela aberta, e elas também, o resultado era que muitas noites eu acordava de madrugada com os gritos.... uma das meninas era extremamente barulhenta.... e tinha muitas visitas.
No segundo andar havia uma pensão de africanos, além do corrupio de entradas e saídas de pessoas, eram frequentes as zaragatas e as festas que entravam pela noite dentro.
No primeiro andar não havia problemas, soube muito mais tarde que vivia uma senhora sozinha, soube isto porque um dia ela morreu e o senhorio selou o apartamento, não fossem os do primeiro andar estender a pensão... mas sobre mortes neste prédio.... já falarei noutro dia... que também dá pano para mangas.
Como disse eram pessoas simpáticas, por especial favor eu pagava 10 contos pelo quarto, o apartamento era enorme, tinha uns 8 quartos, e eles pagavam 2 contos de aluguer..e passavam a vida a queixar-se quando o senhorio aumentava os 3 ou 4 % de lei. O raio do Homem não fazia obras.....
Como disse no outro dia, uma das coisas que mais me impressionou quando cheguei a Lisboa era a aparente facilidade com que decorriam os negócios da droga. De inicio eu achava estranho que fosse a hora a que fosse que eu chegasse a casa, nas ruas e vielas ali à volta havia uns fulanos que estavam por ali, nas portas de alguns prédios, com o tempo eu percebi que o negocio era ali, em plena luz do dia. De resto, com o meu ar de turista nórdico, bastava ir dar uma volta pela baixa de Lisboa para atrair as ofertas... .... somos um país estranho. Eu tinha vivido 10 anos em Caracas, estudei sempre em escolas publicas, o prédio onde morava era mesmo encostado a uma favela...e acreditem em mim, nunca vi ou ouvi alguém falar de consumo de drogas... cá...... enfim.
Jorge
Imagem retirada da internet
Vista de Caracas
Hoje ia falar sobre Guantanamo.... fica para amanhã, estava a ver o telejornal e mudei de ideias.
No outro dia em conversa com uma amiga sobre viver na cidade da eterna primavera, ela perguntava se eu não queria lá voltar. É uma pergunta que me fazem muitas vezes..... a resposta é não.
Vivi 10 anos em Caracas, foram sem duvida anos muito felizes, sobretudo porque foram os anos que marcaram a minha personalidade e a minha forma de ser..... uma cidade moderna, bonita e onde eu vivia bem. Porquê não quero voltar? já lá vamos.
Hoje no telejornal deram a noticia de um senhor que assaltou uma bomba de gasolina, chegou a pé com uma arma na mão, retirou o dinheiro da caixa, 140 Euros e fugiu a pé. O lugar tinha vigilância privada, o vigilante e alguns populares seguiram o homem, este virou-se apontou a arma....e foi à sua vida..... confesso, desatei às gargalhadas. Desculpem...mas isto é para rir.... este deve ser o unico país do mundo onde alguém assalta a pé, um sitio com vigilância, leva uns trocos e vai à sua vida.. a pé.... isto é para rir. Já agora, o vigilante estava lá para quê?
Mas este não é caso unico, no outro dia em Palmela havia uma operação STOP, havia mais de 150 policias numa rotunda, a uns 50 metros da sitio onde estava o aparato policial todo, há um hipermercado, não é que 3 caramelos decidem assaltar o supermercado? É evidente que mal entraram o alarme tocou e havia dezenas de GNRs a correr para lá... é claro que foram apanhados.... não é para rir?
Vivi 5 anos em Lisboa, morava na rua Poços dos Negros em São Bento, estudava no IST na Alameda, saia da Faculdade tarde e a más horas, ia a pé pela Almirante Reis ou pelo Saldanha, havia sempre muitissima gente na rua...a noite toda, nunca senti o menor temor.... nunca ninguém me chateou.... nunca senti o menor perigo.
Em Caracas todos os prédios tem grades... em todas as portas e janelas, o prédio pode ter 15 andares, podem ter a certeza que há grades em todas as janelas...de todos os andares. Há grades na porta do prédio e em todos os apartamentos. E isto era há 20 anos... agora há vigilantes armados na entrada das ruas. Depois das 9 da noite não há transportes publicos, na rua não há pessoas, só carros e não se para nos semáforos.
As pessoas que vivem em Portugal não fazem ideia do que é viver num sitio sem segurança, durante anos em Lisboa eu ia pela rua e sabia absolutamente tudo o que se passava à volta, sentava-me no Cais das Colunas e sabia perfeitamente quem era o traficante e o comprador... essa é outra coisa, vivi 10 anos em Caracas, ao lado de um bairro de lata e nunca vi droga, ou um drogado... em Lisboa, bastava passar em alguns lugares que era certo e sabido que vinha alguém oferecer-me droga...coisas do primeiro mundo.
É claro que existe criminalidade em Portugal...mas acreditem em mim, não tem nada a ver, vivemos no céu.... só que a maioria das pessoas não sabe.
Tenho muitas saudades de Caracas e da venezuela.... mas não conseguia lá ir... nem sozinho, muito menos com a familia, porque não conseguia voltar a viver naquele clima de terror e muito menos seria capaz de sujeitar a minha familia a isso.... porque depois de vivermos no céu.... dificilmente voltamos ao inferno
Jorge
Qué triste, se oye la lluvia
en los techos de cartón
qué triste vive mi gente
en las casas de cartón
Viene bajando el obrero
casi arrastrando los pasos
por el peso del sufrir
¡mira que es mucho el sufrir!
¡mira que pesa el sufrir!
Arriba, deja la mujer preñada
abajo está la ciudad
y se pierde en su maraña
hoy es lo mismo que ayer
es su vida sin mañana
"Ahí cae la lluvia,
viene, viene el sufrimiento
pero si la lluvia pasa,
¿cuándo pasa el sufrimiento?
¿cuándo viene la esperanza?"
Niños color de mi tierra
con sus mismas cicatrices
millonarios de lombrices
Y, por eso:
qué tristes viven los niños
en las casas de cartón
qué alegres viven los perros
casa del explotador
Usted no lo va a creer
pero hay escuelas de perros
y les dan educación
pa' que no muerdan los diarios
pero el patrón,
hace años, muchos años
que está mordiendo al obrero
oh, oh, uhum, uhum
Qué triste se oye la lluvia
en las casas de cartón
qué lejos pasa la esperanza
en los techos de cartón
Ali Primera
Y por que no se callan?
Jorge