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Conto - As meninas do viaduto

por Jorge Soares, em 21.09.13
As meninas do viaduto

Nem sei quantas noites faz que o farol do meu carro bate nos mesmos corpos  franzinos das meninas do viaduto. Há muitos anos, faço sempre este caminho para casa, todas as noites. Vou enxergando as silhuetas magras, quase  desnutridas, que  se  destacam na imundície da calçada. Sempre juntas, como pombas em bando, seriam meninas não fosse o sexo que já carregam rompido entre as perninhas malfeitas. Uma come pirulito, toda noite; outra, aninha uma boneca no colo. Duas, mais novinhas, vivem abraçadas, mesmo com tempo quente. Todo ano, percebo  que  algumas sumiram, algumas pintaram o cabelo, outras deixaram  de  sorrir.  Já  encontrei uma delas, moça feita, disputando o ponto com um travesti numa rua de comércio. Reconheci por um defeito no braço.

Observo o cafetão que não trabalha. Sentado na grama, ao lado de uma mulher  adulta, vigia disfarçadamente as meninas e, quando a polícia passa, finge ser o pai de uma família necessitada. A polícia também finge.

Do sinal fechado, eu fico vendo que, de tempos em tempos, uma das mais velhas vai lá e entrega ao homem um monte de notas miúdas. Depois, volta para tomar conta das outras. Descobri que essa menina mais velha é poupada dos programas. Só vai se o cliente exigir. Sua obrigação é fazer com que as menores  trabalhem. Faz tempo também que eu percebi que o pirulito serve para amansar o choro. Já a rebeldia é impedida com porrada mesmo. Briga de meninas de rua: quem dá bola?

Meu carro não desperta interesse. As unhas pintadas e os requebros caricatos se assanham somente para os homens. Qualquer um. Uns meses atrás, dei um flagrante. Só vi a mão chamando da janela de um carro, balançando a ponta de uma nota de R$10,00. A menina entrou no veículo rapidamente e eu não tive tempo de ver mais nada.

Semana passada, parei pra conversar com elas. Fiquei com medo do cafetão, mas segui a regra: paguei adiantado com uma nota de R$20,00. Nas minhas contas, dava para dois programas. Depois que o dinheiro trocou de mãos, ele nem se preocupou mais em saber o que eu queria. A regra é simples: a pequena recebe, a maiorzinha recolhe. Daí, a pequena entra no carro. É tudo num piscar de olhos. O carro fica parado, de faróis apagados, e ninguém que passe por ali tem coragem ou interesse de olhar lá dentro.

De perto, elas são ainda mais novas. Meu carro ficou com cheiro de álcool barato e de uma outra coisa que não identifiquei. Talvez thinner, talvez outro solvente. E antes que eu pudesse lhe dizer que só estava ali para saber da vida dela, fui avisada: 

— Tu não pode me apertá com força, nem batê. Pode mexer aqui em cima, ó... Mas  lá  em baixo tu só pode oiá. Se eu gritá o tio vem atrás de tu, viu?

Não tinha mais criança ali. 

De  repente, me deu vergonha de alguém me ver com aquela menina no carro. Todo o mundo sabe o que fazem os carros que param e apagam os faróis. Eu sei.

— Vai ficá aí me espiano, é, tia? Se não andá logo o tempo acaba. 

Antes do tempo acabar, meu estômago embrulhou. A maiorzinha chegou de novo perto do carro e eu estiquei a mão pra fora com outra nota de R$20,00. Não dava pra ir embora antes de saber se ainda tinha alguma coisa inviolada na menina. Nada. Dela só arranquei que queria crescer pra trabalhar numa boate e dançar em cima de um palco em forma de queijo, com um mastro pra agarrar com as pernas e ficar rodando, de biquíni prateado, bota e peito de fora. Queria ganhar um dinheiro só pra ela.

As meninas não chegam nem perto dos dez reais de cada programa. Ganham balinhas, bonecas baratas e uma noite de sono tardia numa cama de barraco. Isso se não for noite de o cafetão aparecer pra “conferir a mercadoria”.

Quando levantei a mão para afagar o cabelo da pequena, me lembrei que qualquer  gesto seria  mal-interpretado como uma  carícia  sexual. Parei a mão no ar e comecei novamente a sentir ânsia. Não tem coisa que me deixe mais impotente do que uma criança corrompida. 

— Tu não é cana que eu sei... Mas tu deve ser dessas muié que qué tirá a gente da rua, né?

Quem dera! Parei no ponto delas por curiosidade. Para fingir que me importo. Para ser diferente de quem passa e vai embora. 

Depois disso, me afastei do viaduto das meninas por várias semanas. Mas acabei voltando, porque continua a ser o caminho mais curto até em casa. A  cada  vez  que  o  sinal  fica  vermelho,  o  cafetão  se  levanta  e  fica  me  encarando  até  eu  ir  embora.  Não  sei  por  quê.  Eu continuo inútil.

(Esta crônica faz parte do meu livro "Do todo que me cerca", lançado em 2012 pela Editora Patuá, São Paulo, Brasil)

 

Cinthia Kriemler


Retirado de Samizdat

publicado às 21:08

O que quer Isaltino Morais?

por Jorge Soares, em 02.10.11

Isaltino Morais só espera que os crimes prescrevam

Imagem do Público

 

É verdade que todos temos direito à presunção da inocência, ninguém é culpado até que a sentença transite em julgado, é e deve ser esse o espirito da lei... e em caso de duvida beneficia-se o réu... terá sido isso o que fez com que Isaltino Morais saisse em liberdade após pouco mais de 24 horas.

 

Estive a reler os posts que já escrevi sobre este assunto, um deles mereceu até um comentário num blog da primeira divisão em que alguém me avisava que era prematuro eu estar a atirar foguetes antes de tempo, porque ninguém é condenado, antes de o ser...e até ao lavar dos cestos .... tudo pode acontecer... quer-me parecer que eu devia ter dado ouvidos ao ilustre bloguer.

 

Acho que a estas alturas já meio mundo terá percebido que para Isaltino e a sua defesa, o lavar dos cestos termina quando os crimes prescreverem, a forma como meticulosamente esperam até ao ultimo momento para dar entrada dos recursos, mostra que mais que mostrar a inocência, o que se tenta é o arrastar do processo, dar tempo ao tempo, deixar que as pessoas esqueçam e que a justiça não faça o seu trabalho.

 

Hoje no Público alguém diz que existe a possibilidade de os crimes pelos que o senhor foi julgado e condenado podem prescrever em 2012, isso explica muitas coisas. 

 

Ninguém me tira da cabeça que o senhor há muito que deveria ter tido vergonha na cara e abandonado a governação da Câmara de Oeiras, todos somos inocentes até prova em contrário, mas será que a prescrição dos crimes torna alguém inocente? para mim não.

 

Mas muito mais triste que tudo isto é ver as entrevistas de rua em Oeiras e ouvir muita gente que diz: "ele não tira só para ele", ou "ele tira mas faz muitas coisas", ou " ele tem obra feita, ninguém é perfeito". Depois de ouvirmos coisas destas, o que podemos esperar dos nossos governantes?, se já nem exigimos que sejam sérios e honestos, como nos podemos espantar com coisas como as que acontecem na Madeira?, entramos no reino do vale tudo? A partir de agora tudo será permitido a quem nos governa desde que façam umas rotundas e umas fontes?

 

Triste o país em que os cidadãos já não tentam mostrar que são inocentes e sim aproveitar as falhas do sistema para saírem impunes, e pobre do povo que ante esta atitude, bate palmas.

 

Jorge Soares

publicado às 21:40

Afinal de quem é a culpa da crise em Portugal?

por Jorge Soares, em 27.03.11

Quem foge aos impostos rouba ao país e a todos nós

 

A maioria das pessoas culpa os governos e os políticos da situação em que vivemos, na realidade eles tem culpa, mas não têm a culpa toda, primeiro porque quem os colocou lá fomos nós, nós que votamos por eles, e haverá muito pouca gente que não tenha votado no partido que ganhou em alguma das eleições dos últimos 30 anos, e é também culpa dos que cada vez mais decidem que não querem saber, os que não votam. Não votar é contribuir para que sejam elegidos os mesmos, não iliba de nada a ninguém.

 

Mas há muitos mais culpados, num destes dias num post da Suspeita  que tinha o sugestivo título de A queda do Império, podíamos ler o seguinte:

 

"Então o senhor doutor advogado, profissional ao serviço da lei, para impor a dita e ajudar a implementar a justiça onde ela teima em não existir, cobra 60 euros sem recibo e com o dito 73,80 Euros!"

 

Um advogado que rouba ao estado, que nos rouba a todos para enriquecer ilicitamente. Já todos teremos passado ou ouvido falar em casos destes, médicos, dentistas, pequenos empreiteiros que fazem obras nas casas e que tem um preço com IVA e outro sem IVA, no outro dia ouvi uma história de alguém que fez uma piscina e que para além de não pagar o IVA das obras, até a água com que a encheram foi através de um esquema.

 

No outro dia fui tomar o pequeno almoço ao café da esquina, paguei quase 3 Euros mas reparei que na caixa registadora o valor foi 60 cêntimos.. mais um roubo, em IVA e IRC. Quantos de nós vamos a um restaurante e não pedimos factura?, a maioria das máquinas registadoras tem um sistema que permite a anulação do serviço, e é isso que acontece na maior parte dos casos, nós pagamos e o dinheiro entra todo por baixo da mesa... roubo, ao estado e a todos nós.

 

De quem é a culpa de tudo isto?, será dos políticos?, ou será nossa que deixamos que isto aconteça e na maior parte dos casos até somos cúmplices do roubo? Todo este dinheiro somado dava de certeza absoluta para acabar com a crise e para fazer deste um país de jeito.. mas somos nós que escolhemos, queremos continuar a roubar e/ou a pactuar com quem rouba, ou queremos um país de jeito?

 

Jorge Soares

publicado às 21:47

Josefa, Morreu a combater o fogo

 

A culpa será dos incendiários, de quem lhes paga em nome de interesses mais ou menos obscuros, ou de quem não limpa a floresta como expliquei neste post a propósito dos incêndios em Oliveira de Azeméis. A culpa será do calor, da incúria de quem tem atitudes irresponsáveis e deploráveis, ou como dizia alguém nos comentários ao meu post,  poderá ser simplesmente uma forma de a natureza se renovar...

 

No fim, como todos os anos a culpa morrerá solteira, com as primeiras chuvas de Setembro por entre as cinzas começará a aparecer o verde da renovação e simplesmente esquecemos o inferno do verão... pelo menos até ao próximo verão e até ao próximo inferno. À medida que o verde desponta na floresta queimada serão esquecidos os problemas, a falta de meios, a má coordenação, a falta de acessos,  tudo....  A vida segue, e nós tentaremos seguir com ela.... quase todos, porque há pelo menos 2 pessoas para quem  a vida não segue, para os dois bombeiros que já morreram no combate ao inferno, a vida não segue, a vida terminou ali.. no combate.

 

Perderam-se duas vidas, para além de muita floresta e de alguns bens,  perdeu-se uma parte do futuro do nosso país.  A floresta renasce, renova-se, os bens substituem-se por outros... as vidas que se perderam não se recuperam nunca. Nesta altura deveríamos todos fazer um exame de consciência, parar para pensar....  o que fazer para evitar que estas coisas aconteçam?

 

"Josefa, 21 anos, a viver com a mãe. Estudante de Engenharia Biomédica, trabalhadora de supermercado em part-time e bombeira voluntária. Acumulava trabalhos e não cargos - e essa pode ser uma primeira explicação para a não conhecermos. Afinal, um jovem daqueles que frequentamos nas revistas de consultório, arranja forma de chamar os holofotes. Se é futebolista, pinta o cabelo de cores impossíveis; se é cantora, mostra o futebolista com quem namora; e se quer ser mesmo importante, é mandatário de juventude. Não entra é na cabeça de uma jovem dispersar-se em ninharias acumuladas: um curso no Porto, caixeirinha em Santa Maria da Feira e bombeira de Verão. Daí não a conhecermos, à Josefa. Chegava-lhe, talvez, que um colega mais experiente dissesse dela: "Ela era das poucas pessoas com que um gajo sabia que podia contar nas piores alturas." Enfim, 15 minutos de fama só se ocorresse um azar... Aconteceu: anteontem, Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar, cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. A morte de uma jovem é sempre uma coisa tão enorme para os seus que, evidentemente, nem trato aqui. Interessa-me, na Josefa, relevar o que ela nos disse: que há miúdos de 21 anos que são estudantes e trabalhadores e bombeiros, sem nós sabermos. Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?"

Por FERREIRA FERNANDES, Diário de Notícias

 

Um enorme bem haja  a todos os bombeiros que dia a dia arriscam as suas vidas para proteger as nossas e o nosso futuro..e por favor, tenham cuidado!

 

Jorge Soares

publicado às 20:30


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