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Conto - Eucaristía

por Jorge Soares, em 19.04.14

Eucaristia

 

Bárbara ama seu esposo. Mas deseja muito mais.

 

Nem ela sabe o que sente. Filhos e esposo não desconfiam da languidez dos pensamentos. O companheiro não usa como ela os porões da alma. Seu fascínio é arranhado pelas forças externas e por ela mesma, que não se desvenda.

 

Bárbara aclama São Jorge. Não há manifestação em que acredite mais, em que confie tanta profundeza e pele. As vizinhas foram se aproximando pelas respostas que nutriam alguma coisa, elas não sabiam o quê. Bárbara nunca soube de sua importância e assim foi melhor.

 

Acordou cedo, as pálpebras se abriram para o branco do teto, nem eram seis da manhã. Os ombros ajeitaram a cabeça dando a visão das samambaias que choravam do vaso ao chão. Levantou. Banhou o corpo com água quente. Passou um café forte acordando pelo cheiro a família. O chefe da casa saiu para o trabalho vestindo duas tonalidades de azul, cores que a empresa exigia de seus motoristas. Com cinco salários não era possível saciar os desejos de uma mulher e dois filhos. Por isso, Bárbara vende bijuteria e lingerie para as vaidades. Rendas beges, correntes e pingentes de bonequinhos representando a prole.

 

Sabia-se o sexo da ninhada pelo colar folheado a ouro. Bastava uma delas usar algo diferente para que desencadeasse uma uniformização no bairro. Unidas as mulheres. Quarentonas, dissolviam as tensões na calçada mesmo, debaixo do sol quente, conversando sobre violência, orixás e homens.

 

Desde a infância, Bárbara segue procissão pelo Santo Guerreiro. Caminha surda para os batimentos cardíacos do mundo. Caminha como sangue nas veias daquele que entrega a própria espada.

 

A chapa delgada e fria estanca a fome dos demônios.

 

O Guerreiro recebe glórias numa mesinha, baseada no corredor entre quarto e banheiro, é iluminada por grossas e brilhantes colunas de cera. Bárbara bate os joelhos em frente ao altar todos os dias, o cavaleiro de gesso repousa num tecido urdido por suas mãos.

 

A fé é seu pilar central.

 

Não teme a morte do corpo, mas as necessárias para se encaixar na órbita dos elétrons, no eterno.

 

O filho mais velho sugeriu ao pai que levasse a mãe ao médico, assustado que estava com o olhar longo e fixo que Bárbara dirigia durante horas para o altar.

Não havia nada de estranho na família, aliás, uma família exemplar com as conveniências sociais. Nenhuma doença que entregasse alguém para a morte, nenhum acidente, nenhuma ruptura. Nada que justificasse tal isolamento intenso e estranho.

 

Algo faz retorcer seu corpo nas oito horas em que dorme, assim igual só o parto. Quando não se lembra dos sonhos, amanhece preenchida de amor.

 

Quando se recorda, fica desperta, assombrada. Com medo do esposo, sente que o traiu deitada ao seu lado durante aquelas oito horas. Padece com a distância entre o sonho e o marido. Olha para o companheiro e vê em si a mãe virgem e idolatrada, a culpa seca seus fluidos corporais. Mas só quando olha para ele.

 

Por onde andará sua alma nas oito horas em que dorme o corpo?

 

Plena ou assombrada isola-se naquele corredor estreito para orar sem se importar com a passagem de quem quer que seja.

 

Na noite deste dia em que o filho se preocupava com a mãe, Bárbara sonhou mais uma vez, passou seu corpo de sonho por entre as grades do inconsciente. Lá, nas temidas delícias, Bárbara vestiu um longo azul. O cabelo era de negro mistério e macio de veludo toque. Sentou-se na perfeita arquitetura, no banco de uma capela.

 

Sua respiração se ordenou em palavras cantadas. Pontos cantados. Orava hipnótica melodia. As mãos espelhavam um lago, podia fertilizar com a pupila, irradiava. A capela a guardava da maldade não natural das coisas, daqueles que queriam entrar nem que fosse à machadada em seu paraíso.

 

Deslizando, saiu do templo para fazer as curvas do jardim. Mas um estrondo a interrompeu, na linha que destoa céu e terra, o dragão. A cauda réptil podia cortar até o nunca mais, sem chance de coagulação, de uma conciliação entre glóbulos brancos e vermelhos.

 

Aproximou-se de Bárbara.

 

E então, homem e cavalo cruzaram o caminho do irascível.

 

Vestindo metal, São Jorge dava a sua misericórdia. A lança afiada perfurou as asas do dragão, sem o domínio dos ares, o diabo desistiu de beber no cálice de Bárbara.

 

São Jorge seguia a brisa vinda dos cabelos dela, perfume. Estava embriagado pelo fermento das uvas de Salomão.

 

Abraçada pela emanação, ela sabia que era seguida. Não fazia ideia de que aquele homem romperia o resto dos seus himens, membranas que a botavam em cápsula. O leste soprou as mechas negras da devota, São Jorge contemplava vestido e cabelos ondulando como o mar.

 

Entraram e fecharam as portas da capela.

 

Abrigaram-se no santo ninho e materializaram a completa união. Quando se tocaram os corpos, nada foi capaz de estagnar as forças. Acenderam a fornalha para a mistura das divinas substâncias.

Andréa del Fuego

(Minto enquanto posso)

 

(Ilustração: Anthony Christian - Lucinda)

 

Retirado de Trapiche dos outros

publicado às 21:04

Conto - Desejo

por Jorge Soares, em 18.01.14

desejo

 

Olhou-a pelo canto do olho. Timidamente. Nada. Nenhum gesto, nenhum sinal de que ela o percebia ali tão próximo. Tossiu, esperando que o barulho a fizesse virar-se. Ao contrário. Ela abaixou ainda mais a cabeça na direção da revista que a entretinha. Podia jurar que a tinha irritado. Será?

Era assim já havia um tempo. Ele se consumindo de paixão e de tesão a cada vez que entrava naquela sala apertada. Se esta sala fosse maior...

 

Se pelo menos as nossas mesas fossem mais afastadas... Tolice. Consumia-se dia após dia entre os batimentos acelerados e a vontade que crescia dentro das calças. E agradecia a Deus e ao diabo pela mesa de trabalho que encobria os seus desejos. Talvez se eu tivesse coragem de conversar com ela, se eu pudesse mostrar que sou um cara legal... Ilusão. Só os dois naquela sala apertada; e ele travado. Rotina. Ele, com seus documentos e processos. Ela, sempre ao telefone, no computador ou na sala do chefe.

 

No fim do ano, na festa da empresa, esbarrara nela uma ou duas vezes. De propósito. Só para pedir desculpas e obrigá-la a dar-se conta de que ele existia. Mas nem um muxoxo. Enquanto ainda dizia “desculpe”, ela já tinha sumido. Um inseto. Uma mosca. Era o que ele era. Não. Uma mosca chamaria a atenção pelo barulho irritante, mas chamaria a atenção. Ele, não. Não era mosca. Nem isso.

 

Naquela manhã, entrou na sala com ares de “hoje vai”. Perfume francês que só colocava para ir a festas ou a motéis baratos, das raras vezes em que aparecia uma mulher para transar. Roupa de missa; sapatos de Ano Novo; cabelos de boate — com topetinho feito a gel. "Topa sair comigo hoje?". Não, não estava bom. “E aí, gata, que tal um barzinho hoje?”. Que droga! Nem que tivesse 15 anos. “Escuta, tem tempo que ando querendo convidar você pra sair...”. Assim estava melhor, com reticências. Afinal, o máximo que podia acontecer era levar um fora. Um fora, esse era o problema. Não pela rejeição, à qual estava acostumado, mas por antever como seria a sua vida naquela sala apertada depois do fora. Convivência impossível, vergonha, frustração.

 

Desistiu, mais uma vez. Até a hora do almoço. Certo de que precisava dar um jeito no que sentia no coração e dentro das calças, tomou duas cervejas e um copinho de pinga durante a refeição. De comida mesmo, só umas três garfadas para forrar o estômago. Almoço de boteco: comida ruim, pinga barata. Que pena que não tenho grana pra mais um copinho, pensou, recontando o dinheiro. Conferiu o relógio de pulso e viu que ainda tinha uns trinta minutos, mas preferiu voltar para o escritório assim mesmo. Queria treinar o convite que faria a ela, antes de colocar na boca as balas de menta que comprara com o troco do almoço. Ah, hoje vai!, pensou, animado pelo álcool.

 

Assim que chegou, viu que o escritório ainda estava todo apagado. Dirigiu-se, então, à sala do chefe para fazer o que era de costume: quem chegasse primeiro, pela manhã ou depois do almoço, tinha a tarefa de ligar seu ar condicionado, arrumar sua mesa e recolher o lixo do cesto.

 

Entreabriu a porta. Silencioso e lento como sempre. E aí ouviu os gemidos. Parado na soleira, acostumou a vista à penumbra até conseguir enxergar os dois corpos contorcendo-se em sexo sobre a mesa de reuniões que ficava mais à direita, ao fundo. Macho e fêmea em sexo irrestrito. Sexo de braços, pernas, bocas e suor. Sexo com sons que ele nunca ouvira.

 

Pensou em sair bem devagar, pé ante pé. Depois, em sair e voltar para bater à porta. Por último, em sair e esquecer o que vira. No entanto, continuou ali, na porta, no escuro, consumindo a beleza daquelas nádegas que cavalgavam um corpo que bem podia ser o seu. Mas não era.

 

Ele e um medo súbito de ser visto. Ele e um medo covarde de que sua respiração entrecortada pudesse ser ouvida. Ele e um medo horrível de ser despedido e de ter que passar a viver sem ela, sem a sala apertada, sem o tesão embaixo da mesa. Foi quando lembrou que não era inseto. Não era mosca. Não fazia barulho. Nem isso. E seus olhos mergulharam novamente naquelas nádegas galopantes.

 

Cinthia Kriemler

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:50

Tinha lido a noticia no Ionline em modo muito resumido, mais um daqueles estudos que mostram que ainda há muito dinheiro nas universidades, desta vez associa-se o QI, dos homens, que as mulheres não sofrem disso, à infidelidade, mas gostei muito mais da versão que a Liliana Coelho apresentou no A vida de saltos altos, vejamos:

 

TRaição é burrice, sabia?Devo-vos dizer, cada vez gosto mais da ciência. Afinal, burras não são as mulheres que ganham um par de chifres. Mas sim os homens. Segundo um estudo da revista Social Psychology Quarterly,divulgado pela BBC, a infidelidade masculina é o mais elementar sinal de burrice


Homens que traem as mulheres têm por norma um QI (quociente de inteligência) mais baixo, pelo que inversamente, o comportamento fiel do macho é a prova da evolução da espécie. (Percebem agora porque é que gostamos dos inteligentes?)

 

O estudo sustenta que homens mais espertos têm uma relação de exclusividade sexual, pelo facto de respeitarem a parceira e questionarem crenças.

 

Para o autor da investigação, Satoshi Kanazawa, especialista em psicologia evolutiva da London School of Economics, durante a história o mundo masculino foi maioritariamente poligâmico, realidade que hoje cinge-se praticamente aos países muçulmanos - sinal de que a espécie humana está a evoluir.

 

Já a fidelidade feminina não equivale a maior inteligência, uma vez que as mulheres sempre foram mais monogâmicas.(Lamento amigas dos saltos altos, mas aqui tenho que discordar...traição feminina é burrice à mesma!!)

 

Ora, dada a realidade actual, eu concluiria que a humanidade evolui de forma estranha, não sei se há um estudo sobre o assunto, mas eu diria que na fase de evolução actual da nossa sociedade, não haverá grande diferença entre os números da infidelidade masculina e feminina, de onde concluímos que as mulheres em lugar de evoluir, estão a ficar tão burras como os homens. É claro que cá para mim e por muitos estudos que se façam, nada disto tem a ver com inteligência e sim com educação e respeito por  pessoas e comprosmissos.. mas quem sou eu para contrariar estudos cientificos?

 

Mas uma coisa é certa, se os homens tem um comportamento de macho primário, as mulheres são muito mais subtis e sonhadoras, vejam lá este outro post da Paula Cosme Pinto no mesmo blog:

 

O pecado mora no Vaticano

 

Calendário com padres do vaticano.... foi o Vaticano que despertou o lado mais libidinoso que há em mim. Rodeada de morenos extra-perfumados, com óculos Ray Ban, a minha atenção recaiu sobre o homem da batina. Lamento ser tão pouco católica no que toca a isto das atracções, mas ali estava ele: cabelo curto, com aquele sotaque italiano de bradar aos céus, vestido de preto até aos pés, com uma cruz ao peito, sorriso aberto, olhar misterioso e penetrante... mas, para bem dos meus pecados, tudo menos engatatão. Caso para dizer: graças a Deus!

 

Enquanto o Papa falava na janela, os meus pensamentos eram tudo menos religiosos. Qualquer entrada num confessionário naquela fase teria sido uma versão luso-italiana do "Crime do Padre Amaro". Nem com mil "Pai Nossos" de enfiada eu conseguiria voltar a ter lugar no céu. Faço o meu ar mais imaculado enquanto penso no eterno desejo pelo fruto proibido: Afinal, porque será que queremos sempre aquilo que não podemos ter?

 

Ou seja, nós somos machos e pouco inteligentes, mas elas gostam mesmo é do fruto proibido. 

 

Jorge Soares

PS:Hoje é sexta e eu estava mesmo a precisar de um post suave e divertido

PS2:Bom fim de semana

publicado às 21:35


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