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Conto, Caminhantes do Apocalíptico

por Jorge Soares, em 07.05.11
Caminhantes do Apocaliptico


Estava completamente estoirada e satisfeita, e isso, era de tal forma reconfortante que só lhe apetecia ficar ali deitada com aquela lassidão dormente, e o pensamento a deambular pelo que ocorrera e terminara há pouco. 
Olhou o relógio e verificou que tinha passado uma boa meia hora desde que ele a deixara, sorriu de novo e tentou memorizar cada momento, com receio de os perder. Queria lembrar-se de cada segundo, de cada êxtase, de cada vez que se viera. 
Quantas teriam sido? Umas dez, talvez… Fora um verdadeiro apocalipse anarquista. Tinha fodido com muitos gajos, até com mulheres em ocasiões especiais, mas um gajo como aquele era único.
Tinha-lhe dado momentos que nunca pensou serem possíveis de atingir. Sob aquele aspecto gótico, escondia-se um luxuriante rei do sexo, que o servia á la carte.

Com passos lentos, caminhou na direcção das vozes bem dispostas, e enquanto se aproximava, os pensamentos não despregavam daquele macho exemplar. 
Entrou e verificou que os três já lá estavam. Conversavam sobre um filme qualquer até que deram pela sua presença, calaram-se e olharam-na expectantes e inquiridores… 
Mostrou-lhes um sorriso denunciador e aberto, que os fez cumprimentarem-se e motivou a abertura de nova garrafa de champanhe, enquanto Helen subia o volume da música.
Nunca até hoje, Van Der Graaf Generator lhe parecera merecedor de atenção. 
O marido aproximou-se com um sorriso rasgado e confidenciou-lhe: - Estava a ver que não te querias juntar a nós, começava a ficar preocupado. Sorriu-lhe, descansando-o e deixou-se conduzir até ao sofá central onde Juvenal a esperava com uma taça de liquido borbulhante na mão.

Chegaram a casa, já noite cerrada de uma madrugada escaldante e pela primeira vez dirigiu-se ao marido: - Então, que achaste da Helen? - Fabulosa. Respondeu-lhe João de imediato. Acrescentando: Uma mulher extremamente fogosa, algo tímida no início, mas quando se libertou, foi uma experiência fantástica, sem dúvida a melhor parceira desde que nos iniciámos no swing, e só de pensar que esta era a primeira vez deles, deixa antever performances inigualáveis no futuro, talvez os convençamos noutra ocasião a fazermos uma sessão a quatro.
E tu, que dizes do Juvenal? - O mesmo que tu da Helen, começou aparentemente com alguns cuidados, mas com o meu incentivo rapidamente se descontraiu fazendo-me ir às nuvens várias vezes e deixa que te diga, mas o gajo é excepcionalmente dotado.
Muito mais que eu? Perguntou João. - Uns bons cinco centímetros, mas não é só por isso, é pela maneira como os usa… Não esteve ali só a meter-mo, não senhor, ele deu-me o melhor sexo que alguma vez tive.

Ao ver que João tinha parado, pensou que talvez tivesse falado demais, mas a relação deles sempre tinha sido muito aberta e como bons swingers que eram, sempre falavam do desempenho dos seus parceiros abertamente, sentindo-se privilegiados por terem conseguido ultrapassar todas as barreiras e todos os tabus desta sociedade acanhada e hipócrita, além de que, desde que começaram a swingar há quatro anos, a relação entre eles tinha melhorado imenso e por isso perguntou-lhe: - Que se passa? Parece-me que ficaste contrariado com o elogio que fiz ao Juvenal…
- Não foi o elogio em si, foi a forma, o jeito e o brilho nos olhos com que o fizeste, nunca te tinha visto elogiar assim nenhum swinger, nem ninguém, dá ideia, que desta vez te envolveste de forma diferente. 
- E então… devias ficar satisfeito por finalmente ter encontrado um parceiro que me satisfaz plenamente, o que já aconteceu contigo, e pelo que me disseste a Helen também não se saiu nada mal, pois dizes que foi a melhor até agora, por isso, deve ter sido excepcional.

João compreendeu as razões de Marta, mas havia qualquer coisa na forma como ela tinha elogiado o Juvenal, que ultrapassava alguns limites do que era usual, via-se que ela estava diferente, ao contrário de todas as outras vezes, em que depois de se despedirem, se distanciavam mentalmente dos parceiros até novo encontro, desta vez não, e isso era para ele evidente, evidente até demais, já que, Marta não parecia desejá-lo junto a si, parecia satisfeita. Ao contrário do que era costume, hoje parecia não precisar das suas carícias e de saber que ele ainda a amava, e por isso ficou a remoer por alguns instantes em tudo o que se tinha passado. Lembrava-se que quando aceitou a taça de champanhe do Juvenal, esta lhe ter acariciado a mão e os olhares se terem fixado demoradamente, ao ponto de Marta enrubescer, ele tinha levado isso, em conta de alguma timidez que ela por vezes ainda revelava, mas via agora que não, não era timidez, havia ali alguma coisa mais.

Marta, parecia nem dar conta do silêncio preocupado do marido, os seus pensamentos navegavam já em outras águas.
A recordação dos momentos com Juvenal era muito intensa, de tal forma que parecia senti-lo ainda dentro dela, as suas enormes mãos a apalpar-lhe as mamas, intercalando as carícias suaves, com apalpaços viris, enquanto a comia por trás. 
Estes pensamentos foram o suficiente para se sentir de novo molhada, o que a fez sair daquele estado sobressaltada, verificando que o João estava plantado à sua frente a olhá-la, e os seus olhos eram reveladores do que sentia, tinha percebido o seu abandono aos pensamentos e tinha constatado o desejo a dominá-la.

Quando falou, disse: - Acabou! Não o vês mais. 
Marta sentiu um choque dentro de si e o sangue a percorrer-lhe todo o corpo, a sua cara estava agora afogueada e olhava para o João chispando centelhas de ódio e raiva, gritou-lhe: - Não te atrevas, meu cabrão de merda… João levantou a mão com intenção de lhe dar um estalo, que não chegou a surgir, alguém lhe agarrara o braço com uma força tremenda. Espantado olhou-o… Que faria ali o Juvenal? 
Este tinha um sorriso trocista quando falou: - Não te canses, porque nunca irás perceber bem.
Lembras-te do acordo que assinámos no nosso segundo encontro? João lembrava-se mas não via que interesse poderia ter aquele documento no caso, aquilo não tinha ponta por onde se lhe pegasse, não passavam ao que lhe pareceu de desenhos marados e só o assinou por eles terem sido irredutíveis, aliás, ele assinaria qualquer coisa para foder uma mulher com a Helen.

Juvenal olhava-o agora de cima dos seus dois metros de altura que lhe pareciam o dobro devido à posição que a torção de braço o obrigara a tomar. Começou a ter receio daquele homem, antes amável e de extrema simpatia. 
Com um sorriso irónico, Juvenal falou com uma voz sibilosa que o arrepiou: - Somos fragmentos do Uno Mal’ak, enviados do espaço-tempo pela Mãe Impronunciável, com a missão de desviar braços dos Anjos da Esfera Eterna para a Celestial ordem Luciferária, e Ela, construiu com o seu desejo iniciático uma ponte entre o espaço-tempo.

João não sabia o que pensar, aquilo tinha algo de satânico e diabólico, os seus olhos seguiam agora Marta que se aproximava de Helen que ele não tinha percebido antes no fundo da sala. Sentiu que não dominava a situação porque não a percebia, e porque era obrigado por aquele braço de ferro a ajoelhar de tal forma que a sua face esquerda estava espalmada no chão. 
Por fim Juvenal falou de novo: - Tu ficas, sabemos das tuas qualidades como preparador de almas neste decaído universo. 

Tu serás a Minha Palavra!

 

Espreitador 

 

Retirado de Rua dos contos

publicado às 23:25

Conto, Desencontros

por Jorge Soares, em 30.04.11

 

 Desencontros

 

Fabrício sabia que Marta não o amava, já o sabia antes de casarem e por isso aceitava o seu mutismo aos serões. Para ele tê-la ali parecia ser o suficiente, mas o desgosto de não ser correspondido minava-lhe os pensamentos. A cada dia que passava mais a amava, começava a tornar-se uma doença esta adoração sem retorno.
Lembrava-se bem do dia em que começara a ter ciúmes, e desde esse momento que vivia num inferno do qual não sabia sair nem parecia querer.

 

Marta não se dava conta do inferno em que ele vivia, tinha-o avisado que não o amava, tinha usado de toda a sinceridade antes de casarem e ele sabia que só casavam porque precisava da estabilidade que lhe podia proporcionar, não encontrava portanto a razão ou qualquer motivo para ele ter mudado tanto. Começara por querer saber tudo o que ela fazia, com quem saía, onde ia, a que horas regressava, e mostrava uma grande impaciência sempre que ela lhe dava respostas evasivas, só por não lhe apetecer estar sempre a explicar tudo, ou por não poder dizer o que lhe ia na alma.

Hoje, olhava para ele sentado no sofá junto à lareira, tinha desistido de sair, antevendo o rol de perguntas a que seria submetida e decidira ficar sossegada em casa, mas agora olhava-o com o lume reflectido na cara, parecia-lhe outro homem, aquele casaco de lareira que lhe comprara, ficava-lhe muito bem, dava-lhe um ar aconchegante, másculo e ela não resistia a olhá-lo.
Estava naquilo, fazia talvez uns bons dez minutos quando ele reparou e a olhou, ela desviou os olhos para o lume e ele pensou no que ela estaria a pensar, talvez a engendrar alguma mentira para lhe dizer que precisava de sair naquela hora, ou então a pensar como o detestava e como estava presa ao seu dinheiro. Devia odiá-lo por ser tão dependente, mas ela tinha aceite as condições, sabia que ele a amava e que estava disposto a tudo para a ter junto a si, por isso, o mínimo que lhe pedia era que estivesse em casa quando ele estava, nada mais.

Marta, viu que ele tinha retomado a anterior posição e voltou a olhá-lo, pensou que se ele não fosse tão frio talvez ela até o pudesse amar, hoje era um desses dias, sentia-se bem a olhá-lo, senti-lo ali, calmo e sereno, era isso que com o passar dos dias a tinha atraído, a sua calma, o nunca elevar a voz, a inteligência, a educação, e o porte imponente do seu metro e oitenta, mas as coisas não tinham corrido nesse sentido e por isso muitas vezes saía para não ficar ali a desejá-lo, tinha alturas em que se sentia descontrolada, sabia que se ele a abraçasse ela se renderia aos seus braços, mas ele nunca o fizera.

Nisto ele fechou o livro que lia e perguntou-lhe: Vais sair? Ao que ela respondeu, com a voz mais natural e suave que conseguiu: Não, hoje apetece-me ficar em casa.
Bem, nesse caso vou deitar-me, este livro do Lobo Antunes está a dar-me sono, até amanhã. Até amanhã respondeu Marta, sabendo que só o veria na manhã seguinte, já que sempre tinham dormido em quartos separados.

Enquanto se dirigia para o quarto, pensava em como só lhe apetecia agarrá-la e obrigá-la a fazer amor ali junto à lareira, esse desejo tornara-se tão forte que decidira sair de ao pé dela, não fosse Marta perceber o desejo que o invadira.

Quando Fabrício entrou, já Marta sentada à mesa da cozinha terminava o pequeno-almoço. Fabrício viu-a e ficou contente ao pensar que teria a sua companhia.
Cumprimentou-a, fazendo um esforço para que não parecesse seco nem ansioso, a primeira preocupação foi tentar não demonstrar sentimentos que a levassem a sair dali.

Marta olhou-o, e pareceu-lhe que tinha dormido mal, estava com um ar cansado, lembrou-se que também ela deveria estar assim, ficara na sala depois de ele se recolher até altas horas, não tinha sono e apeteceu-lhe ouvir aquele CD que tinha comprado na semana anterior, numa das suas saídas sem destino e com o único propósito de não ficar em casa ao pé dele, era o último disco do seu cantor romântico preferido, o Dear Heather do Cohen, e aos primeiros acordes de Go no more, pensou, no quanto a sua vida se tinha transformado, o que antes lhe parecia uma vida normal e estável, estava agora a revelar-se exactamente o contrário, começava a acreditar que gostava dele, ainda que tudo fizesse para combater os sentimentos que teimavam em assaltá-la, a voz de Cohen enchia o espaço à sua volta e ao som de Because of finalmente as lágrimas soltaram-se.

Cohen, já há muito se tinha calado quando ela percebeu o silêncio que reinava, tinha mergulhado em mil pensamentos e nem dera por isso, lembrava-se da curiosidade que sentiu em saber o que ele estaria a fazer sozinho no quarto, e como tentara espreitá-lo em vão, visto ele ter fechado a porta, ainda sentiu a tentação de bater, mas conteve-se.

Absorvida por estes pensamentos ouviu a sua voz: - Marta! Marta, que se passa? Estás bem? - Estou sim, respondeu. Desculpa, estava imersa em pensamentos parvos. - Alguma coisa em que possa ajudar, perguntou Fabrício. - Não meu querido, não podes. Deu-se conta nesse instante de como o havia tratado, mas agora nada havia a fazer, estava dito.
Fabrício tinha recebido aquele meu querido directo no coração, ela nunca tinha usado aquela palavra com ele, se bem que a usasse com alguns amigos mais chegados, mas com ele tinha imenso cuidado de não proferir qualquer tipo de intimidade ou carinho.
Atrapalhado, começou a tratar do café virando-lhe as costas, e os pensamentos da noite anterior começavam agora a martelar-lhe o cérebro. Recordava-se porque se tinha retirado mais cedo dando a desculpa, do Lobo Antunes lhe dar sono, uma mentira inocente que se ela o conhecesse teria logo detectado, ele adorava Lobo Antunes, jamais se imaginaria a adormecer lendo-o, e isso provava que ela nem sabia minimamente do que ele gostava. Quando chegou ao quarto não se conteve, chorou como uma criança infeliz, tal a desilusão que sentia com o rumo da sua vida, lembrava-se de lhe parecer ouvi-la junto à sua porta, mas imaginou-se a enlouquecer, o quarto dela ficava na ala oposta do seu, só poderia estar com alucinações.

O zumbido da chaleira da água para o café, trouxe-o de novo à realidade e com um olhar de soslaio verificou se ela ainda lá estava. Estava. Não se tinha mexido e sentiu-se contente por isso, talvez ela ficasse enquanto tomava o pequeno-almoço.
Enquanto se sentava, ela perguntou-lhe: - Desde quando é que o Lobo Antunes te dá sono? Ele não esperava aquela pergunta e nem tinha jeito para mentiras, decidiu no momento dizer a verdade: - Foi uma desculpa para me retirar, estava a custar-me estar ali contigo e não invadir o teu espaço, o Lobo Antunes é que pagou, mas não sabia que tinhas conhecimento do meu gosto por ele? - Mas tenho Fabrício, assim como de outros gostos teus, não devias ter-te retirado, ontem apetecia-me companhia.

Fabrício atónito, recebeu aquelas palavras como terra para um náufrago, sentiu uma leve esperança invadir-lhe o coração, mas logo recordou as palavras e ela não tinha dito que lhe apetecia a companhia dele, mas sim companhia, isso era plural, só lhe apetecia companhia e não devia estar com disposição de sair, ou então, nenhuma das amigas estava livre para a acompanhar.
- Fabrício! Ouviste o que eu disse? - Desculpa Marta, disseste que ontem te apetecia companhia, eu ouvi. - Mas era a tua, não era a de mais ninguém. - A minha? - Sim a tua, ontem apetecia-me a tua companhia.

Ela tinha sido clara, era à companhia dele que se referia, não de qualquer outra pessoa, agora o seu coração tinha disparado, e a custo disse: Ontem, quando estava no quarto ouvi música, estavas a ouvir o quê? - O novo CD do Cohen o Dear Heather que comprei a semana passada, respondeu. - Ah, esse romântico inveterado, não sabia que gostavas, é um disco que já saiu à algum tempo, talvez no início do ano, não é novo. - Sim, mas é o último e eu ainda não o tinha, como não me fizeste companhia, tive de recorrer a ele.

Fabrício pensava se as palavras que ouvia da boca da Marta seriam reais, não notava nenhum tom de brincadeira, seria esta uma estratégia para em seguida o meter no seu lugar? Não podia ser! Ela não o amava, isso era um facto, mas tinha sido sempre de uma educação extrema, estaria a falar verdade? Encheu o peito de ar e perguntou-lhe: Tens a certeza que era mesmo a minha companhia que ontem querias? - Era! - Desculpa a pergunta Marta, mas porquê? Ela ficou em silêncio enquanto o fitava nos olhos e ele ficou a olhar para ela à espera de uma resposta que não vinha, tinha uns olhos lindos, que muito raramente tinha oportunidade de ver tão perto e tão demoradamente, os seus olhares costumavam ser fugidios, mas agora, ela continuava a olhá-lo fixamente, sem demonstrar intenção de os desviar e ele pensou no quanto a amava, como lhe apetecia beijá-la. De repente, Marta mostrou intenção de se levantar, e ele pensou que devia ter desviado o olhar, ela devia ter pensado que ele a provocava e ia-se embora. Balbuciou uma desculpa, quando Marta se encaminhou na sua direcção que era a da porta da cozinha, ela, levou um dedo à boca em sinal de silêncio, chegada ao pé dele, parou, e perguntou-lhe olhos nos olhos e com a cara quase colada à sua: Ainda me amas Fabrício? Ele sentindo-se desfalecer murmurou: - Mais do que tudo na vida.
Marta, colocou as mão suavemente na sua cara, e ele sentiu o seu perfume inundá-lo quando ela o beijou.

 

Espreitador

 

Retirado de Rua dos contos

 

publicado às 22:15

Conto, O Maneirinho

por Jorge Soares, em 23.04.11
O Maneirinho

 

Dircelina, lembrava-se bem daquele dia, tinha chegado com a maleta de mão, e por companhia trazia a sua cor negra, a pouca escolaridade e o estigma de um país em guerra. Vinha para trabalhar, neste, que era visto por lá, como a árvore das patacas, e por via disso, a esperança tinha-lhe feito companhia durante toda a viagem, e já antes, nos preparativos que antecederam a partida a aconchegara, lhe soprara quente no peito e lhe dissera em surdina: vais conseguir.


Para trás ficava a família; mãe, duas filhas pequenas e quatro irmãos, um deles estropiado e que era tudo o que a guerra não tinha levado, mas nisso não quis pensar, aquela, era a altura das grandes tarefas o momento que ambicionou e não tinha receio de confrontar, para isso, contava com outra grande amiga: a vontade inabalável de vencer.

 

Aquele emprego, que um antigo amigo do seu pai lhe arranjara, não era o que pensava, esteve para o recusar, não o fez por causa da fome miserável que já há dez dias e dez noites a acompanhava, mas hoje, dez anos passados, sabia que tinha ganho a grande prova. A tristeza do primeiro dia em que se deitou com um cliente e depois todos os outros que seguiram, eram passado, assim como as lágrimas que abriram sulcos nas suas faces de ébano. O desejo dos homens, pelo seu corpo esguio e musculado do trabalho na sanzala, tinha-lhe garantido uma posição privilegiada entre as escravas do Maneirinho, e desde muito cedo traçara o seu plano.

 

A vinda da família, acontecera já depois de ter conseguido casar-se com o Maneirinho, a seguir, foi um passo, até o convencer a investir o dinheiro ganho com a escravatura e outros expedientes, num restaurante que ela e a mãe passaram a gerir, por fim, ele começou a gostar daquele chá que com receita da sua avó a mãe lhe ensinou a fazer, e que provocava no Maneirinho o estado esfusiante de alucinada embriaguez, e foi nesse estado que o convenceu ser ele capaz com a força do querer, parar o rápido Lisboa-Sintra.


Ainda lhe notou a incerteza no olhar, quando no meio da linha viu o comboio aproximar-se, mas ela, postada no apeadeiro, deu-lhe a força que faltava, gritando-lhe, és capaz meu querido, tu és capaz de tudo.

 

Espreitador

Retirado de Rua dos contos

publicado às 21:05


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