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Conto - cinco minutos

por Jorge Soares, em 12.07.14

Conto, cinco minutos

 

OS OLHOS. SIM, OS OLHOS FORAM a primeira coisa que eu tinha visto. Estava um pouco afobada naquele dia. Dia de feira e eu nunca gostei de dias de feira. Quando era menorzinha e mainha fazia aquela questão de que a seguisse ao supermercado, ficava fula. Batia o pé, não queria nem gostava, mas mainha sempre foi daquele seu jeito irredutível, quase déspota russa – feliz somente por ser esclarecida, mas sem qualquer vontade de condescendência. Pensando bem por esses lados, acho que virei uma réplica de mainha.

 

          Mas o fato é que nunca gostei dos dias de feira. Ultimamente, já adulta, tinha três empregadas em casa, mas agora com a carga de direitos que elas têm não dá mais pra mantê-las todas e ainda atualizar meu closet.  Resolvi eu mesma fazer esse trabalho que nunca considerei digno de mim.

 

          No entanto, o grande problema que tive não foi o de realizar essa tarefa comesinha. O grande trabalho que tive, e nem imagino como, foi ter descoberto essa face minha que nunca pensei que estivesse tão latente em mim. Essa face minha que agora penso e nem imaginava que um dia poderia pensar – coisas assim.

 

          Tinha abaixado a alça do carrinho de compras pra não ter que segurá-lo no elevador. Estava esbaforida somente com a ideia de ter de sair de casa para aquilo e não ter sequer uma filha para obrigar a me seguir para dar-me ao menos alguma decente companhia. E pensando isso vi as portas do elevador se abrirem ao chegar à garagem. Inclinei-me para puxar a alça do carrinho e quando tornei a olhar foi que vi os olhos.

 

          Os olhos dele como os olhos de lince. Abertos e delgados, puxados e melados com um mel, um mel tão cor de mel que nunca dantes eu vira em vida, sem falar que lá em casa tudo é verde ou azul e isso tem um tempo que perde a graça. Aqueles olhos entraram e me deram bom dia. Não sei como respondi. Estava um tanto paralisada pelo encanto que tinham. Mas estava consciente. Sim, estava! Recompus-me e respondi de volta educadamente.

 

          Mas o tempo que passou entre respondê-lo e recompor-me foi o suficiente para a porta do elevador fechar e sentirmos o solavanco da máquina subindo lentamente. Fiquei contrariadíssima com aquilo e não sei como expressei, mas ele notou e perguntou se eu tinha perdido o andar. A voz aveludada. Sim, não sei fazer comparação mais racional. A voz dele era tão aveludada que me deu calafrios. Assim que ouvi a voz penetrando lentamente no mais profundo dos meus ouvidos internos, olhei para ele, mais precisamente para sua boca e o desenho desta era tão sensível e tão angelical que a vista de vê-lo falando tomou-me.

 

          Não sei por que, mas ao vê-lo falar, sua boca mexer e sua voz soar, ao mesmo tempo em que seus olhos se apertavam e suas mãos gesticulavam, eu parei no tempo. Senti no corpo todo um arrepio seguido de um desejo crescente, um desejo que me tomava toda num crescendo frenético. Meu Deus, eu não precisava daquilo. Eu não precisava de nada daquilo. Adulta, empresária, esposa, e ali no elevador como uma adolescente se sentindo atraída por um moleque de seus lá dezessete anos? Mas o tempo tem momentos fulcrais, como pontos cegos de sua existência. Nesses momentos a gente não pensa, sente. Eu sentia um universo de hormônios trepidarem em meu organismo vivo. Eu estava viva, era ali muito mais que uma máquina amorfa.

 

          Ele, com aquela voz poderosa, perguntou-me de novo se estava me sentindo bem. Acho que perguntou aquilo três vezes enquanto estava absorta em meu ensandecido momento de epifania. Respondi que sim, desajeitadamente como uma menina que somente agora chega à puberdade sem saber como, mas não sei o que tinha na minha voz. Minha voz estava sensual. Eu estava sensual. Louca varrida de vontade. Ele disse que desceria somente na cobertura e lá eram vinte e cinco andares e o elevador que, malgrado novo, apresentava problemas, subia lentamente ainda o décimo. Não sei se era o elevador que ia lento ou se era o tempo que havia congelado. Não sei dizer.

 

          Mas não consegui mais vê-lo. E soltei a alça do carrinho numa atitude suspensa, com a boca entreaberta, como que à espera. Ele já tinha exercitado dessas coisas com suas colegas, certamente. Agora, não sei se para sua cabeça infantil eu seria um troféu a ser mostrado aos amigos, um troféu que causasse inveja, mas na hora eu só havia pensado que... Não havia. Ele me tomou de assalto com um abraço de braços apertados trazendo pra junto de mim o corpo e eu senti... Senti-o todo, com as roupas e tudo. Estava rijo como o meu desejo.

 

          O elevador trepidava a aproximação do vigésimo andar e ele já percorria os montes dos meus seios com a firmeza de suas mãos de lavoura – não sei como adquirira aquele atributo de mão que só os campais adquirem, mas na hora era de nada que eu sabia, e apenas sentia o arrepio de uma mão percorrendo a minha pele. O mundo era uma mão que percorre a pele. Mais nada. A sedução de uma mão que percorre a pele. E foi aí que minha mente pediu o seu quarto. Minha pele pediu o seu quarto. Ele encostou a boca em meu ouvido e pediu-me no seu quarto. A voz dele toda aveludada e sensual, soando baixinho num sussurro quente que arrepiava os pequenos pelos de minha orelha, num quente sussurro como a brisa do mar... Eu queria. Eu iria. Mas... Eu queria? Eu iria? Como poderia? Olhei de relance e o carrinho de compras no chão do elevador lembrou-me a casa, o marido e a fome. O mundo é a fome que a gente mata de variadas formas. Mas aquela fome não poderia eu matar.

 

          Vigésimo quinto. As portas se abriram e ele me puxou, mas eu hesitei, larguei suas mãos e apertei rapidamente no botão de fechar as portas. Não, não iria evitar com isso a traição. Eu já havia traído o meu marido no elevador do prédio, sordidamente, como uma putinha barata. Mas o que eu queria evitar era o pior. Era a cama daquele estranho dos andares de cima, de quem eu conhecia apenas os olhos, o corpo, a força, a boca, a língua, a virilidade, a traição de meu marido. Não podia ir... A última coisa que vi, enquanto as portas fechavam, era a imagem que se podia fazer de seu membro marcando a calça, ele estava louco de desejo. Mas eu? Quem eu era? Eu era uma loucura repleta de desejo, do mais vil, do mais sórdido, do mais mordaz. Eu sentia na pele a excitação dos poros e...

 

          – Querida?!

          – Hã?! Quê?

          – Faz cinco minutos que estou aqui falando com você e você aí divagando como uma louca! O que houve?

          – Hã?! Ah! Nada, Augusto, absolutamente.

          – Então?

          – Então o quê?

          – Responda a pergunta.

          – Que pergunta?

          – A pergunta da porcaria da revista! Você não me chamou aqui pra matar hora fazendo esse jogo besta de casais?

          – Ah, Augusto! Meu Deus! É mesmo, me perdoe amor. Por favor! Enfim, faça a pergunta de novo que essa quem tem de responder sou eu porque se não me engano é sobre você, né?

          – “Qual parte de seu marido você mais acha atrativa e encantadora?”, está assim descrita a pergunta.

          – Os olhos. Sim, os olhos foram a primeira coisa que eu vi.

 

Mario Filipe Cavalcanti

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:07

Conto - Por um instante

por Jorge Soares, em 29.06.13

Por um instante

Imagem de aqui


Marlene entrou pela porta dos fundos do apartamento carregada de sacolas de supermercado. Ligada no piloto automático, perguntou a Nilcimar, sem olhar para a empregada.


- Alguém ligou, Nil?

- Ligou, sim senhora. Adriane da Sex Shop.


Por um instante, Marlene não entendeu. Olhou fixo para Nilcimar.


- É isso mesmo, Dona Marlene. Adriane da Sex Shop ligou para o Dr. Ricardo.


Por um instante, Marlene desconversou.


- Me ajuda arrumar as compras, Nil. Estou muito cansada. Essa lombar está me matando.


Marlene entrou no quarto e se jogou na cama. Sandálias foram arremessadas à distância. Pernas sobre o travesseiro latejavam. Por um instante, quis matar Ricardo. Como pode?


Ele estaria aprontando com uma vendedora de Sex Shop. Patife. É por isso que não procurava mais a mulher. É por isso que andava caladão, pelos cantos. Casamento ramerrame, marido que vira irmão. Tudo muito companheiro, tudo muito previsível, tudo muito sem graça.


Por um instante, Marlene teve um raio de imaginação. Amanhã seria seu aniversário de casamento. Claro. Ricardo estaria inventando uma surpresa. Por um instante, Marlene se viu dentro de uma lingerie de enfermeira. Calcinha cavada, triângulo minimalista na frente, fio imperceptível atrás, seios exibidos por uma transparência branca, uma cinta liga sobre os joelhos com uma rosa vermelha costurada em cetim, um termômetro preso entre os dentes de uma boca semiaberta pelos lábios carnudos e carmins.


Por um instante, Marlene vislumbrou Ricardo vestido de bombeiro. Quase nu. Mangueira pulsante na mão, machadinha entre os dentes. Cueca viril, de volumoso conteúdo. Cáqui e vermelha. No ponto mais proeminente da sunga libidinosa, um brasão de tochas cruzadas alimentando uma chama única, ereta em direção aos céus.


Por um instante, Marlene sentiu a chama percorrendo as pernas desejosas até o encontro das coxas, a esta altura, já com a ponta da calcinha à mostra, saia levantada, pensamento às alturas.


Por um instante, lembrou das amigas dizendo maravilhas do admirável mundo das sex shops, com seus rabbits autossuficientes, brinquedinhos amorosos, chicotes, gargantilhas tacheadas e algemas de falsas peles de onça, morangos de mentirinha para serem chupados a dois, colares de pompoarismo, anéis para potências eternas, géis de menta, fluidos lubrificantes de hortelã.

 

Por um instante, amou Ricardo como há muito não amava. Sentiu um homem inteiro e amoroso, criativo e surpreendente, meigo e feroz. E ainda por cima, romântico como nunca foi, capaz de celebrar em grande estilo a esquecida data do aniversário de casamento.


Por um instante, Marlene quase chegou lá.


- Dona Marlene!


Interrompida pela falta de traquejo de Nil, deu um pulo da cama, recompôs-se de imediato e viu-se de pé, ofegante, com as mãos úmidas enfregando dedos viscosos na barra da saia, que indisfarçava a calcinha enrolada nas coxas bambas. Tudo ainda latejava gostoso no momento da aparição súbita e indiscreta da empregada na porta entreaberta.


- Dona Marlene, é a moça da Sex Shop no telefone. Dessa vez quer falar com a senhora.

 

Por um instante, Marlene pensou em não atender. Fosse o que fosse, não queria estragar a surpresa de Ricardo. Muito menos saber que não era nada do que imaginava e que ele estaria de fato comprando produtos bizarros para relacionamentos além lar.

 

Por um instante, Marlene tomou coragem. E atendeu ao telefone.

 

- Dona Marlene, aqui é da Flex Shop.

- Flex Shop?

- É sim. Flex Shop Eletrodomésticos. Seu marido, Dr. Ricardo, comprou uma máquina de lavar roupa e mandou perguntar à senhora a que horas nosso técnico pode fazer a instalação.

 

Por um instante, Marlene quis bater em Nil.

E no instante seguinte, Marlene voltou a ser Marlene.

 

José Guilherme Vereza

Retirado de Samizdat

publicado às 21:03

Imaginação

 

O post sobre o sexo no confessionário foi um dos que mais visitantes atraiu aqui para o jantar, parece que o tema fetiches  é popular.... pensando bem, se calhar o tema sexo é que é popular.... mas eu hoje vou voltar a falar de fetiches... ou seja de sexo :-)

 

Acho que todos estaremos de acordo em que a imaginação é um dos principais ingredientes quando se trata de sexo, quem diz imaginação diz fantasia. O que será que leva alguém a ter um fetiche?, uma tara?, uma mania? uma fantasia?, por norma os fetiches tem a ver com experiências, com situações que já vivemos e que nos deixaram marcas positivas, boas recordações, situações a repetir ou a explorar. Há pessoas que pensam tanto numa determinada situação que viveram, que só voltam a sentir-se realizadas se a repetirem, depois há quem decida levar essas experiências mais além e  experimentar algo mais..... e há até quem só consiga ter relações sexuais satisfatórias em determinados lugares ou situações. Mas há quem leve tudo isto ao exagero, vejamos a seguinte noticia do Sol:

 

"Um homem e uma mulher morreram na província sul-africana de Mpumalanga (a leste de Pretória) ao serem atropelados por um comboio de mercadorias. O casal estava a fazer sexo em plena linha férrea"

 

Diz a noticia que eles ignoraram completamente os avisos do maquinista do comboio e continuaram como se nada fosse. Desculpem lá, mas por muito bom que estivesse a ser.... havia sempre a hipótese de deixar o comboio passar e repetir... talvez não, talvez fosse um daqueles casos em que só conseguiam ter prazer com o perigo eminente da chegada do comboio. Eles não viveram para contar.... mas pelo menos morreram felizes!

 

Jorge

PS:imagem retirada da internet

 

publicado às 21:28


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