Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Dois Horizontes
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.
(Machado de Assis, in "Crisálidas")
Pôr do sol em Cabo verde
Fevereiro de 2010
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Viver
Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?
E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?
Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?
O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?
Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?
Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'
A vida são muitas coisas, muitas escolhas, muitos caminhos cruzados, muitas oportunidades perdidas, muitas outras agarradas com ambas as mãos... mas no fim, tudo se resume a Somos o que vivemos.
Setúbal, Outubro de 2010
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.
Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Somos o que vivemos...
Algures numa praia de Portugal
Outubro de 2010
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa, "Cancioneiro"
Este é mesmo um sino da minha aldeia... está no portão da casa dos meus pais quase escondido pela enorme roseira que passa em arco por cima do portão... num fim de tarde de verão, ficou assim... a contraluz.
Alviães, Palmaz, Oliveira de Azeméis
Agosto de 2010
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Brinquedo
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.
Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.
Miguel Torga, Diário I, 1941
É giro quando os sonhos se cumprem... sonhos de meninos, que até podem ser graúdos...
Voando papagaio num fim de tarde na praia da Figueirinha
Setúbal, Outubro de 2010
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Eu queria ser astronauta .. o meu país não deixou !
Depois quis ir jogar á bola .. a minha mãe não deixou
!
Tive vontade de voltar á escola .. mas o doutor não
deixou !
Fechei os olhos e tentei dormir .. aquela dor não
deixou !
Oh meu anjo da guarda faz-me voltar a sonhar ..
Faz-me ser astronauta e voar !
O meu quarto é o meu mundo ... o ecrã é a janela !
Não choro em frente à minha mãe ... eu que gosto tanto
dela !
Mas esta dor não quer desaparecer ... Vai-me levar com
ela !
Acordar meter os pes no chão ... levantar pegar no que
tens mais à mão !
Voltar a rir .. Voltar a andar .. Voltar! Voltar!
voltarei ! voltarei !! voltarei .. voltarei !!
voltarei !! voltarei !!
voltarei!! .. voltarei !!
Acordar meter os pes no chao ... levantar pegar no que
tens mais à mão !
Voltar a rir .. Voltar a andar .. Voltarei!
Tim
Barragem de Montargil, Junho de 2010
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Cansado do movimento
Que percorre a linha recta
Fui ficando mais atento
Ao voo da borboleta
Fui subindo em espiral
Declarando-me estafeta
Entre o corpo do real
E a veia do poeta
Mas ela não se detecta
À vista desarmada
E o sangue que lá corre
Em torrente delicada
É a lágrima perpétua
Sai da ponta da caneta
Vai ao fim da via láctea
E cai no fundo da gaveta
Ai de quem nunca guardou
Um pouco da sua alma
Numa folha secreta
Ai de quem nunca guardou
Um pouco da sua alma
No fundo duma gaveta
Ai de quem nunca injectou
Um pouco da sua mágoa
Na veia do poeta
Rui Veloso
Borboletas no jardim...
Setúbal, Outubro de 2008
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
À porta da minha rua, passam-se passos passajados. É o tráfego das linhas na encruzilhada do peão. De vez em quando, oiço um desvio. É um criança que cresce no desvario do pião.
Ai, menino, quem me dera que fosses a certeza deste íngreme caminho!
Lídia Silva
Setúbal, Abril de 2010
Jorge Soares
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Só quem procura sabe como há dias
de imensa paz deserta; pelas ruas
a luz perpassa dividida em duas:
a luz que pousa nas paredes frias,
outra que oscila desenhando estrias
nos corpos ascendentes como luas
suspensas, vagas, deslizantes, nuas,
alheias, recortadas e sombrias.
E nada coexiste. Nenhum gesto
a um gesto corresponde; olhar nenhum
perfura a placidez, como de incesto,
de procurar em vão; em vão desponta
a solidão sem fim, sem nome algum -
- que mesmo o que se encontra não se encontra.
Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'
Jorge Soares
Óbidos
Julho de 2010
Imagem Minha do Momentos e Olhares
Quem vai abrir as janelas que não fechaste...?
Quem vai colher as flores que não semeaste...?
Quem vai guardar as cartas que nao recebeste...?
Quem vai ler as palavras que não escreveste...?
Quem vai sentar-se à mesa no teu lugar...?
Quem, no teu leito desfeito, se vai deitar...?
Quem, as tuas roupas usadas vai vestir...?
Quem, os sons que tu ouvias, vai ouvir...?
Quem, a porta vai abrir, para eu entrar...?
Quem, com um terno beijo me vai saudar...?
Quem vai ensinar-me agora...a compreender ?
...Como posso eu viver feliz...sem te ter?
Poema de Maria João Silva
Ouvir o poema declamado no Youtube
Algures num daqueles dias de verão em que dá gosto caminhar pela praia, numa praia da galiza
Agosto de 2010
Jorge Soares