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Às vezes somos um país tão à frente

por Jorge Soares, em 06.11.18

bohemian.PNG

 

Imagem retirada do Twitter

 

Definitivamente vivem-se momentos estranhos no Brasil, o twitt da imagem é sobre o que se está a passar nos cinemas deste país nas sessões do filme Bohemian Rapssody de que falei no post de sexta, pelo que tenho lido não é um acto isolado (ver aqui), em muitas sessões o filme é vaiado e os actores são insultados quando o público se apercebe das cenas gays, que diga-se de passagem são bem soft e insinuam muito mais do que mostram.

 

A orientação sexual de Freddie Mercury é conhecida pelo menos desde a sua morte, pelos vistos o público brasileiro não tinha essa noção e só conhecia o génio musical do líder dos Queen.

 

Nestas alturas percebemos porque é que 56% votou em alguém como Bolsonaro... e para eles nós é que somos os atrasados.

 

Prevejo tempos conturbados para quem no Brasil  tem mente aberta e já saiu das trevas da idade média.

 

Jorge Soares

publicado às 22:57

Conto - Quando Madalena Chama

por Jorge Soares, em 29.11.14

madalena.jpg

 

 
Respiro. De olhos fechados, respiro. Com o fim da tarde, batem-me à porta as obrigações da noite. Antes de acender os castiçais de porcelana, sento-me diante do espelho e procuro enxergar minha face refletida na superfície enegrecida pela rotação do tempo. Porém, nada vejo. Apenas uma lembrança indelével, um paladar experimentado, uma faca ameaçadora no meio de minhas pernas, mas nunca meu rosto. 
 
Tendo já o quarto iluminado, surge-me o semblante do rapaz que há tempos eu fora: olhos inexpressivos, lábios cerrados, alma arisca e pensamentos ligeiros. O reflexo atira-me em um túnel de cores neutras e conduz-me à teimosa viagem em busca do que não pode ser revivido. 
 
Crianças correm no terreiro, um cheiro de café-com-pão flutua no hálito da casa-grande, o irritante som de uma rede que balança no alpendre. Será meu avô? Procuro retornar à frente da penteadeira, mas já me encontro mergulhada no inevitável espetáculo de reminiscências traídas. Repentinamente, outros sons. As melodias chegam como um grito da natureza em meus tímpanos, parecem pardais que gorjeiam, gorjeiam. “Jesus, Jesus”, alguém grita meu antigo nome do outro lado da cerca e eu me escondo no mato. Um aroma de eucalipto inunda meu peito e uma caranguejeira se retorce dentro do fogo. Se eu ficar, papai me capa. Atiram meus pertences dentro de uma carroça. Estou partido. Estou partindo. Adeus.
 
De volta ao quarto. Já são quase vinte horas e preciso aprontar-me com monumental esmero. Passo levemente os dedos sobre a maquiagem e me pergunto: Por que eu não esconderia o rosto deste timorato? Os batons organizados em nuanças, as fivelas e broches postos na caixinha-de-música que, ao abri-la... No Belo Danúbio Azul. Essa peça musical já não me parece tão doce, soa como o prelúdio para que Madalena chegue e destrua o que já fora tantas vezes destruído. Fecha-te, caixa. Escuta. 
 
Estou mais uma vez na fazenda de meus pais. Sou proibido de ter contato com os peões; todos riem de mim, menos um deles. Não o mais bonito, o menos covarde. O trote de um cavalo aproxima-se e excita meu vernal coração. Descubro, quase sem querer, que os homens são uma possibilidade muito mais atraente. Não corro. Não correrei até a janela para que ninguém perceba que eu, desde minha infância, já o aguardava. 
 
Haverá mesmo uma festa de aniversário para mim? O que me dará de presente? Quero-o dentro de mim. Já falei que estou cansado de esfregação e beijos de língua atrás do engenho. Não há honra a ser preservada entre homens e não estou me guardando para a Igreja, como minha irmã beata. Mamãe percebe tudo, é uma ave de rapina que regurgita ave-marias; reprova-me com um gesto na boca. O cavalo se afasta antes que os tiros o alcancem, ele escapa com vida. Após uma reunião de família, sou mandado embora para o esquecimento. Fragmentado.
 
O vestido dourado e as sandálias de prata, roubados da casa de uma puta que morreu aqui perto, descansam sobre minha cama. Aguardam que eu os preencha com meus seios de estopa e meus pés grandes demais para calçados femininos. Por que a noite insiste em batizar-me com a máscara? A fantasia, após tantos anos, já não me incomodo em vesti-la; mas o disfarce em meu rosto, como esse me dói. Enterrar o menino que fui é um funeral cuja rotina me apodrece. 
 
Passo a espuma sobre minha face, a fim de prepará-la para a arte da pintura que não quero. Sinto-me velho e ridículo, não tenho mais o viço jovial de meus dezoito anos de idade. A lâmina de barbear apara-me os pelos que brotam em meu rosto como indesejáveis lembranças daquele que um dia eu fora. Cortar o próprio pescoço e sangrar até a morte seria apenas um acidente. Ninguém é condenado ao inferno por ferir-se sem querer. Não é por querer que, dia após dia, mutilo-me. 
 
Pressiono levemente a toalha contra minha cara de palhaço afeminado, livro-me do restante de espuma e das pequenas poças de sangue em meus poros, penso em morrer sufocada. Deus, por que temo a morte se há tempos caminho sem vida por estas ruelas que hospedam solidões e sodomias? 
 
Vermelho. Vermelho nas unhas e nos lábios. Hoje usarei batom vermelho sobre esta boca pálida e entristecida pela constante falta de doçura em suas palavras. Pronto. Meus lábios já foram traídos e as unhas transformadas em garras. Mas, e quanto aos olhos? O que fazer para disfarçar esse olhar que só enxerga fotografias e visões de sonho? Isso mesmo. Uma sombra violeta em minhas pálpebras jamais permitirá que meus olhos revelem o homem derrotado que, aos poucos, deixa de existir no espelho. Ruge nas maçãs do rosto, um lápis escuro a delinear-me a raiz dos cílios, um arquear pedante de sobrancelhas, um sorriso forçado. Odeio escolher perucas. Loira ou morena? Loira ou morena? Que moldura destacaria melhor a pintura feita sobre minha tela de armação carcomida e tecido envelhecido? Hoje, serei loira. Quando loira, suporto mais as surras dos policiais, desses fregueses inadimplentes que me obrigam a sodomizá-los sempre que estão de folga.
 
A outra chegou. Atrás da superfície de vidro, não há mais lembrança movediça capaz de engolir-me. Os homens de bem me aguardam, é melhor que eu vá de vez ao encontro das esquinas que me garantem o sustento e mantêm contidas minhas aflitivas saudades. A pressa não se deve à noite, que já se faz alta, mas porque temo que o rapaz preso em meu reflexo retorne sem que eu esteja protegida pela fronteira vítrea que há tempos nos dividiu. Minha cotidiana sina permanecerá até que eu acabe como a finada quenga que me garantiu sapatos novos. Ao inferno que roubar dos mortos traga azar! Amanhã, o rito se dará da mesma forma. Jesus dormirá até que a claridade dê lugar à escuridão e o flagelo se repita. Eu, diante da face perdida, que me tortura, que me castra. É quando Madalena chama. 

 

Emerson Braga

 

Retirado de Samizdat

publicado às 20:43

Papa Francisco, Quem sou eu para julgar os gays?

Imagem do Público

 

 

"Quem sou eu para julgar os gays?" - Papa Francisco nas respostas aos jornalistas durante a viagem entre o Rio de Janeiro e Roma


“Não posso rezar a um Deus homofóbico” - Desmond Tutu, arcebispo sul-africano e prémio Nobel da Paz em declarações aos media da África do Sul.


E de repente parece que das trevas começa a sair algo de luz, estas duas declarações apareceram hoje na imprensa mundial, imagino que terá sido uma coincidência, mas sem dúvida nenhuma que ambas mostram um enorme passo em frente com respeito à forma como até aqui a religião olhava para este assunto.


Confesso, fui dos que olhou de lado para a escolha deste papa, mas não há dúvida que até agora a forma como ele tem enfrentado o seu pontificado constitui uma enorme pedrada no charco. Se o objectivo de Bento XVI ao renunciar era que viesse alguém que levasse a igreja a dar um passo em frente, acho que esse objectivo está completamente conseguido.


Nos últimos dias vimos e ouvimos um Papa muito mais próximo das pessoas e da realidade que o rodeia, um Papa que foi capaz de ir às favelas do Rio de Janeiro, que apelou à participação da população nas lutas sociais e que num Brasil que até há bem poucos dias estava em polvorosa, apelou aos jovens para que saiam à rua e lutem pelos seus direitos.


Hoje ouvimos Francisco a dar mais um passo em frente, “Se uma pessoa que procura Deus de boa vontade, e é gay, quem sou eu para a julgar?”. Não foi há muitos dias que em Lisboa se negou um funeral católico a uma pessoa simplesmente porque este vivia com outro homem, a homossexualidade é um tema tabu para a igreja, hoje Francisco desmistificou completamente este tabu.


“o catecismo da Igreja Católica diz muito claramente que os homossexuais não devem ser marginalizados [por causa da sua orientação] mas devem ser integrados na sociedade” 


Sabemos que este tipo de coisas demora muito tempo a chegar das palavras aos actos, mas não há duvida nenhuma que este Papa representa um enorme salto em frente ara a igreja, esperemos que tenha a força suficiente para fazer chegar as suas ideias até todos os católicos e que viva o suficiente para conseguir que toda a igreja consiga entender e absorver as suas ideias.

 

Jorge Soares

publicado às 21:27

O pecado prescreve???

por Jorge Soares, em 22.02.13

Gay Católico

Imagem da Internet

 

pecado 

s. m.
1. Transgressão de preceito religioso.
2. Vício.
3. Culpa, falta.
4. [Informal]  Demónio.

Pouco a pouco tem-se vindo a fazer luz sobre os motivos que levaram Bento XVI a abdicar, entre noticias sobre lavagem de dinheiro no banco do Vaticano, as fugas do seu secretário pessoal, esta semana surgiu em Itália uma noticia em que teria sido um extenso relatório sobre os abusos sexuais e a existência de uma rede prostituição homossexual protegido por um lobby gay que estenderia os seus tentáculos ao próprio Vaticano, o que teria levado à demissão do papa.

 

Entretanto por cá foi noticia a existência de queixas de assédio sexual por parte de um padre católico contra o bispo Carlos Azevedo, queixas que seriam do conhecimento de muita gente e da própria cúria religiosa portuguesa.

 

De tudo o que fui lendo durante a semana há coisas que me parecem que  são mais que evidentes, pelos vistos ninguém tem duvidas nem nega que o Bispo seja homossexual, o que não impediu que este continuara o seu percurso dentro da igreja, sendo inclusivamente um dos principais nomes para suceder ao patriarca da igreja portuguesa.

 

Tudo isto só prova como a igreja católica consegue ser hipócrita, se por um lado condena veementemente a homossexualidade, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e qualquer tipo de relação que fuja ao que para eles é normal, por outro lado não tem problema nenhum em fechar os olhos quando há suspeitas de que entre os seus principais há homossexuais, mesmo quando estes são formalmente acusados de assédio sexual.

 

Entretanto hoje foi noticia no Sol que para a igreja católica, pelo menos quando estão envolvidos membros da sua hierarquia, o pecado prescreve ao fim de 5 anos, ou seja, os supostos crimes de assédio sexual  cometidos pelo bispo há muito que deixaram de ter importância..

 

E pensar que há tanta gente que na hora da morte se arrepende de tudo o que viveu só porque acha que está condenado ao inferno... alguém lhes devia dizer que não, que é só os pecados dos últimos 5 anos... pelo menos tinham uma morte mais descansada... por outro lado, isto devia fazer a todos os crentes terem uma perspectiva diferente da vida... afinal, quem é que está a pensar morrer nos próximos 5 anos?

 

Jorge Soares

publicado às 21:33

Casamento entre pessoas do mesmo sexo

 

 

Estive a semana toda um pouco longe do mundo, foi uma semana mais ou menos perdida e de que não quero falar... passou.

 

Hoje à hora de jantar as noticias continuavam a vir do Haiti,  os mortos, as crianças, a ajuda humanitária, é importante que saibamos o que se passa por lá, mas já cansa, se calhar os americanos tem razão e há que dar espaço às pessoas...

 

Quase no fim do telejornal, a noticia era sobre os casamentos entre pessoas do mesmo sexo...também já cansa, mas enquanto o decreto de lei não for aprovado pelo presidente da república, continuará actual....e haverá sempre mais pessoas com opinião, hoje foi o cardeal patriarca:

 

Igreja nunca aceitará o casamento entre homossexuais

 

Assim de repente, fiquei chocado, o que é que a igreja tem a ver com o assunto? mas hoje tive uma aliada de peso, a minha filha de 10 anos, verbalizou muito bem o que me ia na alma naquele momento:

 

-O que é que a religião tem a ver com o facto de duas pessoas gostarem uma da outra? o que é que a igreja tem a ver com isso?

 

Ora, até a minha filha de 10 anos consegue perceber, porque é que o cardeal, uma pessoa educada e instruída, não consegue?

 

Como explicava a minha filha à mãe, a igreja não tem nada a ver com os sentimentos das pessoas, e como não tem nada a ver, não tem nada que estar a mandar bitaites..... e assim de repente, estou orgulhoso..de mim e dela.

 

Jorge Soares

 

publicado às 21:37


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