Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Pedro Arroja e a fábrica de pénis

por Jorge Soares, em 27.11.15

 

 - As mulheres não sabem fazer pénis, e muito menos os homens. Estes são desajeitados! Obviamente que haverá uma espécie de fábrica que os fará e essa fábrica é ... Deus.

 

- Se existisse uma sociedade só de homens esta acabava em violência e em seitas. Numa sociedade só de mulheres não aconteceria nada, porque elas não fazem nada e passam o tempo a falar.

 

- É o homem que indica o caminho às mulheres. Em geral uma mulher não define caminho nenhum. Não consegue. Quanto muito organiza o homem e acalma-o!!

 

Está à  vista que no caso dele o controlo de qualidade da fábrica de deus falhou, esqueceram-se de uma parte importante do cérebro e depois deu nisto.... De certeza que a mãe do senhor, mesmo tendo nascido noutra época, teria um enorme orgulho num filho que vem para a televisão dizer que as mulheres só conseguem  ser alguém se forem guiadas por um homem...

 

O mais estranho é que toda esta conversa sem sentido nenhum era para  introduzir o tema da adopção por casais homossexuais.

 

Segundo o senhor há muitos casais heterossexuais dispostos a adoptar e por isso nada disto era necessário, alguém devia explicar a Pedro Arroja que também há perto de 500 crianças que estão há anos para ser adoptadas e se calhar porque há muita gente que pensa como ele, não há quem as adopte.

 

Definitivamente este senhor vive noutra era, alguém lhe devia  explicar que vivemos no século XXI, há muito que as mulheres votam, vão à universidade, conduzem, vivem as suas vidas por elas e conseguem traçar os seus caminhos e os seus destinos sem precisar de iluminados como ele, aliás, em alguns casos como o dele, só o conseguem fazer se não se cruzarem com eles, porque são definitivamente um atraso de vida.

 

Não sei como se chama  a senhora conduz o programa no Porto Canal, mas há duas coisas que me admiram imenso: Primeiro, como é que com aquele pensamento da era das cavernas ele aceita ser questionado por uma mulher. Segundo, como é que ela consegue ouvir aquilo tudo sem desatar às gargalhadas e sem o por no devido lugar?

 

Vejam o vídeo, são 9 minutos de humor... ou será de terror?

 

 

Jorge Soares

publicado às 22:05

meiocarro.jpg

 

Imagem de aqui 

 

Todos conhecemos pessoas que passaram por processos de divórcio, há casos e casos mas na maioria as separações são sempre dolorosas e há sempre alguém que passa do amor ao ódio e que torna a separação numa guerra aberta em que os generais são os advogados e os peões os filhos quando os há.

 

Na Alemanha há um senhor que decidiu levar à letra a sentença proferida pelo juiz e que determinava que todos os bens deviam ser divididos exactamente a meio, chateado porque achava que lhe estavam a ser tirados os bens que ele tinha adquirido com o suor do seu trabalho, munido de regra e esquadro e de uma serra eléctrica, cortou literalmente a meio tudo o que tinha que dividir. Mesas, cadeiras, camas, televisores, até o carro, tudo foi dividido exactamente a meio... tal e como dicatava a sentença.

 

Teve o cuidado de gravar tudo em vídeo, o resultado pode ser visto aqui:

 

 

Ninguém o pode acusar de não cumprir o estipulado, gostava de ter visto a cara da senhora ao receber a parte dela..

 

Já ouvi muitas histórias de divórcios mais ou menos litigiosos, mas a forma mais justa e inteligente de dividir as coisas foi a ideada por um senhor que mal sabia ler e escrever, na hora da verdade virou-se para a ex-mulher, que já estava a fazer as contas aos muitos terrenos e bens, e disse-lhe:

 

- Não há problema nenhum, um divide as coisas  em dois grupos e o outro escolhe o grupo que preferir, preferes dividir ou escolher? 

 

Jorge Soares

publicado às 22:50

Conto - João Gostoso, again

por Jorge Soares, em 23.05.15

joaogostoso.jpg

 

 

Naquela noite, João Gostoso chegou em casa às oito e meia, já com tudo preparado para a feira do dia seguinte. Em lugar de sua Maria das Dores, porém, encontrou foi o bilhete rabiscado no papel do pão: João, fui embora. Não me procure, fui com o Alfredo.

 

Pronto, só isso, nada mais, na letra de criança de Maria, em que cada traço saía difícil, ele lembrava quando ela aprendeu a ler e escrever, fazia pouco.

 

Por cinco noites os dias de João foram iguais: antes das dez na cama, pouco depois das três de pé, a lida na feira, carregando tomates e cebolas para a barraca do Rodrigo e da mulher, mais a filhinha do casal, que sempre ficava por lá e lhe sorria de um jeito que era ruim de ver, porque a filha que não teve olhava pra ele por ela.

 

Na sexta noite, João desistiu, não dava mais pra levar vida de sempre, hora de recomeçar. Das Dores não voltaria mesmo, precisava arrumar mulher, ficar feliz de novo. Nada melhor pra isso que o velho boteco de sempre, do Seu Joaquim, ali mesmo, na beirada do morro, lugar que Das Dores não suportava nem olhar, mas ele gostava, e como gostava. E agora era hora de redescobrir o gosto, viver a alegria e esquecer aquela dor no peito que queria levá-lo para onde não se sabe.

 

O bar Vinte de Novembro estava aberto, claro. Seu Joaquim olhou, apoiando-o em seus intentos, isso, nada de fazer drama, bebe pra arrumar outra, mulher na Babilônia, ora bolas, não falta, é o que mais tem! E o que vai querer hoje, João? Quero mesmo é pinga com limão, mas sem açúcar, pra descer ardendo. E foi bebendo, foi bebendo, nem pensando em quanto ia ficar, se ia ter dinheiro depois pro todo dia, se não. Tocava samba, que Seu Joaquim não avacalhava em seu boteco, era coisa de gente fina, nada dessas porcarias que se ouvem hoje em dia, mas samba dos bons, e João Gostoso dançava e se achegava às mulheres que pousavam por lá, não queria saber se dançava bem, se mal, queria só dançar e ficar com elas, perto delas. Pouco importava se a mulher era bonita, se era feiosa, baixinha, gorduchinha, até a dentuça da Josefa valia. Cantava as letras que sabia e inventava as partes que nunca tinha entendido, feliz da vida de verdade, ao menos era o que parecia.

 

Passava das duas quando lascou um beijo na Elizeth, ali mesmo, na frente do namorado novo dela, que ninguém nem o nome inda sabia, e saiu andando, sem olhar para trás. O tal namorado hesitou, não conhecia direito as regras do pedaço, não sabia se devia ir atrás do ousado que lhe roubara um beijo da moça, se brigava era com ela, e nessa indecisão João Gostoso se afastou o suficiente, livre de qualquer ameaça e caminhando em seu passo normal.

 

Ninguém soube dele até manhã cedinho do outro dia, quando a notícia de seu corpo boiando na Lagoa começou a correr e chegar até a Babilônia, pasmando a todos e, mais no fundo, a Elizeth e a Das Dores, que por meio de Alfredo ficou sabendo da notícia que logo foi registrada nas letras borradas de preto do jornal.

 

Marina Silva Ruivo

 

Retirado de Samizdat

publicado às 22:54

adopção3.jpg

 

Imagem de aqui 

 

Manuel Clemente, diz ter dificuldade em acreditar que o filho de um casal homossexual apreenda o valor da complementaridade entre sexos. Entrevistado pela SIC a poucos dias de ser feito cardeal.

 

Alguém me explica o que tem a ver  complementaridade entre sexos com o assunto? Para dirigente de uma instituição que  insiste em relegar as mulheres a um papel inferior não só dentro da própria instituição igreja como em toda a sociedade, está-me a parecer que Manuel Clemente está longe de poder dar lições sobre a complementaridade entre sexos a alguém.

 

A complementaridade entre sexos ensina-se em casa, como na escola e na vida, não será de certeza por não se viver numa casa onde há um homem e uma mulher que se deixará de aprender, há milhares de exemplos de adultos que se criaram com duas mulheres, dois homens, só uma mulher ou um homem, que são bem criados e bem formados e que o podem atestar.

 

Por outro lado há por aí muita gente que foi criada no âmbito do que a igreja chama uma família normal que não faz  a menor ideia do que isso é... caso contrário a igreja católica já teria percebido que o papel da mulher e do homem na sociedade não é o da menoridade face ao homem e já teria desistido de relegar as mulheres para um lugar secundário... e basta ouvir o que diz Manuel Clemente aqui

 

Jorge soares

publicado às 21:57

cerebrodohomemdamulher.jpg

 

Imagem de aqui

 

Alguém me falou deste vídeo um destes dias à hora do almoço, o senhor chama-se Cláudio Duarte e pelo que percebi é pastor da igreja evangélica, há muito muito tempo que eu não me ria tanto.... mas é mais de mim mesmo, o que o senhor diz, é tão, mas tão verdade, que até faz impressão, é que está lá tudo... mesmo tudo.....

 

Ainda há pouco estava com a minha meia laranja a tomar café, estávamos a falar sobre a forma como ambos reagimos quando toca o telemóvel e é da escola do N., a conversa foi mais ou menos assim:

 

Ela - Eu quando vejo que é da escola fico logo a pensar o que terá ele aprontado agora  e fico logo preocupada e em stress.

Eu - Eu não me preocupo, atendo o telefone, depois de ver qual o assunto, vejo o que faço... (abro a caixa que tem a ver com o assunto!)

 

Vejam o vídeo até ao fim e depois vejam lá se não concordam comigo, explica tantas coisas que até dói

 

 

Bom fim de semana a todos

Jorge Soares

publicado às 23:08

Conto - É assim que se ama

por Jorge Soares, em 03.01.15

 

É tanto caso de amor carecendo de estudo e compreensão, precisando de um fim! É tanta gente por aí que merece análise, hospício e piedade — porque não sabe gostar direito, porque só sabe adorar de um jeito! E a cura não vem: continua esse negócio de amar varejando a humanidade por atacado.

 

Por exemplo, conheci um homem que só se relacionava com mulheres de um metro e cinquenta e dois. Passasse ou faltasse um centímetro, não servia. Claudionor não era baixote, não: contava com vinte e cinco centímetros excedentes (pra cima, pros lados e pra frente, às vezes). Chegou a tentar namoro com uma bonitona de um metro e sessenta — mulher correta, pra noivado e casamento —; mas, na primeira investida íntima, broxou feio. “Só me encaixo bem com as de um ponto cinquenta e dois” — argumentou. E nunca mais aceitou lidar com outra estatura, nem na cama nem nos bailes da cidade. E tinha muita grandona suspirando por ele, viu? Claudionor quase se casou com uma amiga minha que estava dentro dos padrões, mas um probleminha de cifose curvou a coitada em dois centímetros, e o matrimônio foi cancelado. Marcília chegou a fazer sessões de Reeducação Postural Global (RPG) pra voltar ao prumo e reconquistar o noivo. Mas ficou mais ereta que deveria, e Claudionor não perdoou a esticadela exagerada.

 

Já uma amiga de infância se perdia toda era com os homens acneicos. Os garotos de pele lisa não a atraíam, mas quando ela avistava um belo rosto erodido em espinhas maduras ou então bíceps estrelados de cravinhos negros, Magdinha perdia a paz, endoidava. O conselho da mãe e das irmãs mais velhas era que ela não se desse por completo no primeiro nem no quinto encontro; só depois de um mês, por aí. Mas Magdinha não se continha. A expectativa de um pós-sexo com direito à espremeção exaustiva de cravos robustos (que saíam redondos com o forçar de suas unhas finas e deixavam buraquinhos limpos prontos a se encher de nova massinha extirpável) era mais forte que tudo. Ela se sujeitava a beijos, esfregas e a qualquer tormento venéreo para poder, enfim, satisfazer-se na limpeza de pele. O problema é que homem é bicho mole e odeia beliscos e apertos. Nenhum suporta ser espremido sem reclamar, sem se escafeder pra todo o sempre. E a solidão espinhenta se repete sempre na vida de Magdinha.

 

Os casos são absurdos e disparam. Sem muito esforço, eu contaria centenas — na vizinhança, na família, nos amiguinhos do facebook, dentro de casa! Um conterrâneo só namora mulher de nome esdrúxulo. Seu coração bate forte quando conhece uma garota que certamente sofreu bullying durante a chamada diária da escola. Já pegou a Maligna do Céu Eterno, a Betoneira do São Cimento, a Desbotada Coradina e até a Adenoide da Amídala Alérgica! Talvez por se chamar João Sá — e só —, necessite dessas ousadias pra se preencher. Mas se recusa a ser fiel, porque os cartórios são fortes em registrar criatividades.

 

Você também deve conhecer uma garçonete que só beije piloto de avião, um maratonista afegão apaixonado por cabeleireiros chineses, um engenheiro que só caia de amores por mulheres fora do esquadro, uma cantora com mais de trinta que só embarrigue de malandro menor de idade ou de gagá playboy...

 

Eu, por exemplo, figura sem doce nem história, pessoa sem encanto ou serventia, me apaixono por todo leitor que elogie a minha escrita, por qualquer um que ao menos suporte me ler. Só de imaginar essa atenção e carinho vasculhando-me as sandices, já estou cá morrendo de prazer, ávida por me deitar em novas páginas. É só deste jeito que sei amar: em leito de palavra faísca.

 

Nenhum amor é ordinário. Basta calhar pra se tornar extraordinário! -

 

Maria Amélia Elói

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:47

Conto - Na casa da vizinha

por Jorge Soares, em 06.12.14

sedução.jpg

 

Imagem de aqui 

 

Nós aparecemos como resgate, teríamos de ficar com um quarto da casa e um quarto da sala, teríamos de dividi-la ao meio, enquanto esperávamos um pedreiro para a reforma, porém alojamo-nos mesmo assim, apenas uma cortina separávamos. Eu era nocturno caseiro, meu companheiro nem por isso, vezes eram duas por semana que dormia no seu local de trabalho. A vizinha, como meu companheiro a chamava, era um furacão, sempre em erupção, cujo fogo queimávamos ambos adentro; cautelosa vigiava-me o rosto, com dotes de fisionomista, como quem controla uma fruta prestes a amadurecer. Vinha cheia dela como uma serpente, contemplava-me primeiro e desenhava no ar com a sua voz suave a palavra – olá; eu, firme retribuía-a com um aceno, por vezes de braço, sem encara-la frontalmente, gesto de como quem nada quer. Mas via-lhe nos olhos o veneno da sedução, pronto para atirar como legítima defesa. 

 

Um dia desses, ouvi batidas carinhosas a porta; ouvi na mesma voz que ouvia entre cortinas; não descortinando o real motivo, esbocei a básica questão: quem é? A mesma voz se fez firme.

 

- Eu

- Eu quem?! Como se pelo timbre da voz não reconhecesse a portadora.

- Eu vizinha… Chamou-se. Quando fui abrir, lá estava ela desprotegida exibindo pouco tecido na epiderme, antes mesmo que abrisse a matraca, - disse eu:

- Pois, não!

- Não… É que esquece-me as chaves da minha porta… posso entrar daqui?

 

- Pode! Fica a vontade. Tirou os chinelos sacudiu os pés, num saco que ali estava desempenhando função de tapete. Ao mergulhar seu tronco semi-nu na claridade a sala tornou-se mais iluminada; fingi não olhar, pois as mulheres interessam-se em homens que elas não vêem interesse deles nelas. Mas para chamar-me atenção, parou e assobio, um atrevimento pouco comum nas mulheres, - pensei eu! Quando a olhei acenou o rosto e cuspiu a mais bela frase de agradecimento que jamais ouvi em toda minha vida.

 

- Obrigada… Mantive-me na compostura machista, levantei a mão e nenhuma palavra. Ela manteve-se ali olhando-me de soslaio, eu que propositadamente estava quase de tronco nu; lancei a camiseta que vestia na cadeira ao lado; dando-lhe as costas em direcção ao quarto, senti que alguém me contempla, aliás, eu até que sabia mas fingia. Quando virei a surpreende atónita, fitava-me feito um provinciano que chega pela primeira vez na cidade grande; contemplava-me como se eu não estivesse ali.

 

- Algum problema? Continuo ali fixa e cabisbaixa, sem A nem B, muito menos C! Ganhou fôlego, como quem descansa de uma longa caminhada e disse:

 

- Você é a solução…

- Algum problema? Continuei, como quem não ouviu.

- Não! Alguém é a solução!

- Não entendi?!

 

- Não vais entender, não é para entender, nem eu entendo! Aproximou-se, bem perto olhou-me nos olhos, senti o fogo a queimar-me todo. Seus lábios prontificaram-se com tudo; quando trilharam em mim, o fogo virou uma onda no mar, calma e traiçoeira, quando molhou-me todo, já estava eu a navegar mares e mares, sem medo de nada, muito menos do fogo do mar. Eu disse para mim mesmo, - deixe que tome dianteira.

 

Mergulhei o rosto no decote, como se de um remo se tratasse, agarrei-lhe a cintura com as duas mãos. Colidimos na mesma primeira cadeira onde a minha camiseta estava pendurada. Ia eu fervendo, o furacão transformando-se em tsunami, quando a metade da sala enchia-se de esforços, as posições desfilando num cortejo de deuses. Um barulho fez sentir, quando nos demos do barulho, meu companheiro gemia, lá do lado do quarto. Olhei para o único buraco do quarto não vi, mas via-se a luz acesa reflectindo por cima da porta. 

 

Japone Arijuane - Moçambique

 

Retirado de Literatas

publicado às 21:27

Conto - Território

por Jorge Soares, em 18.10.14

território.JPG

 

 
Lá, branco e preto namoram. Homem e mulher. Homem e homem. Mulher e mulher. O suor do trabalho vai para a cama sem banho. O suor da trepada escorrega os corpos na cama sem-vergonha. O gozo grita fode, grita mete, grita o dia de merda igual a todos os outros. A merda que invade as narinas a céu aberto. Merda de gente, de bicho, de viciado, de vadia. Ninguém mais sente. Nariz é pra cheirar o pó. O pó que menino vende.
 
Menino mata gente grande. Lá, mata. Mata velho dedo-duro, mata mulher que trai, puta que não rende, comerciante que não paga. Mata menino também. E morre menino no descarte do dia ou da semana. De crack, de bala achada, de desafeto, de porrada, de polícia, de saco cheio. Só não morre de rir. Nem de medo. Soldado não pode ter medo. Não pode nada. Soldado não é autoridade. Nem no tráfego, nem no quartel. Mas pensa que é. Até quando chupa o dedo pra dormir. Quando mija na cama, quando chora no sono, quando abraça a HK33, quando chama pela mãe sem abrir os olhos. 
 
Mãe é o caralho. Lá, quase sempre é. A bêbada que queima o braço do menino com brasa do cigarro. Menino de quatro anos. Porque ele pede doce, pede colo, pede rua. A noiada que vende bebês para os turistas de língua enrolada. Em troca de dinheiro pra comprar bagulho fino e enfiar no rabo dela e no dos homens dela. Os homens que arrebentam o menino de porrada e deixam ele nu do lado de fora de casa. Nos dias piores. Nos melhores, não. Nos dias bons o menino dorme na cama quente. Estuprado a noite inteira. Inteira, não meia. E a vagabunda não acredita no menino. Nunca. Mesmo acreditando. E repete que ele é ruim que nem cobra. Que ele quer que o homem dela vá embora. E arrebenta o menino de porrada e deixa ele nu do lado de fora de casa, soluçando entrecortado.
 
Lá, pastor anda limpinho. Roupa passada, camisa dentro da calça, o pinto dentro da calça. Difícil é o pastor fazer um fiel. Quem faz fiel é o tráfico. Os do pastor ostentam na igreja as bíblias gastas. Os outros ostentam no baile funk. Junto com os meninos que não são de lá. Mas que brincam de ser. Direitinho. Iguais, os que ficam por lá no fim do baile. Diferentes, os que descem para o asfalto quando o baile acaba. Dirigindo carro do ano. E vão para casa. Para amansar a larica com comida boa e um pouco mais de pó. Ou de pedra. Na beira da piscina com vista para o mar. Tomando scotch  cowboy servido no Baccarat da mamãe. Mamãe de menino rico não queima braço com cigarro, não dá porrada, não deixa nu do lado de fora. Põe dinheiro na conta.
 
Os fiéis do pastor dormem cedo. Nos braços de Deus e de Morfeu. Os do tráfico vão atrás das coxas. De homem, mulher, menina, menino. Branco e preto fodendo pelo resto da noite. Fazendo mais meninos pra descarte. Uns, no lixo, arrancados às pressas antes da vida. Outros, mais tarde um pouco. Só um pouco. Só o tempo de primeiro virar soldado, de virar noiado, de trepar com homem, mulher, preto, branco. E de voltar mais uma vez pra casa da mãe. Esperando um carinho na cabeça, um riso da boca de dentes tortos, podres. Boca de mãe devia rir sempre. E falar vem cá meu filho pra eu te dar um beijo, Deus te abençoe, como foi o seu dia, vai sair com quem, põe um casaco, já fez os deveres, come direito. 
 
A HK33 empinada dispara rajadas de fogos de artifício. Cachorro marcando território. 

 

Cinthia Kriemler

Retirado de Samizdat

publicado às 21:28

Conto - cinco minutos

por Jorge Soares, em 12.07.14

Conto, cinco minutos

 

OS OLHOS. SIM, OS OLHOS FORAM a primeira coisa que eu tinha visto. Estava um pouco afobada naquele dia. Dia de feira e eu nunca gostei de dias de feira. Quando era menorzinha e mainha fazia aquela questão de que a seguisse ao supermercado, ficava fula. Batia o pé, não queria nem gostava, mas mainha sempre foi daquele seu jeito irredutível, quase déspota russa – feliz somente por ser esclarecida, mas sem qualquer vontade de condescendência. Pensando bem por esses lados, acho que virei uma réplica de mainha.

 

          Mas o fato é que nunca gostei dos dias de feira. Ultimamente, já adulta, tinha três empregadas em casa, mas agora com a carga de direitos que elas têm não dá mais pra mantê-las todas e ainda atualizar meu closet.  Resolvi eu mesma fazer esse trabalho que nunca considerei digno de mim.

 

          No entanto, o grande problema que tive não foi o de realizar essa tarefa comesinha. O grande trabalho que tive, e nem imagino como, foi ter descoberto essa face minha que nunca pensei que estivesse tão latente em mim. Essa face minha que agora penso e nem imaginava que um dia poderia pensar – coisas assim.

 

          Tinha abaixado a alça do carrinho de compras pra não ter que segurá-lo no elevador. Estava esbaforida somente com a ideia de ter de sair de casa para aquilo e não ter sequer uma filha para obrigar a me seguir para dar-me ao menos alguma decente companhia. E pensando isso vi as portas do elevador se abrirem ao chegar à garagem. Inclinei-me para puxar a alça do carrinho e quando tornei a olhar foi que vi os olhos.

 

          Os olhos dele como os olhos de lince. Abertos e delgados, puxados e melados com um mel, um mel tão cor de mel que nunca dantes eu vira em vida, sem falar que lá em casa tudo é verde ou azul e isso tem um tempo que perde a graça. Aqueles olhos entraram e me deram bom dia. Não sei como respondi. Estava um tanto paralisada pelo encanto que tinham. Mas estava consciente. Sim, estava! Recompus-me e respondi de volta educadamente.

 

          Mas o tempo que passou entre respondê-lo e recompor-me foi o suficiente para a porta do elevador fechar e sentirmos o solavanco da máquina subindo lentamente. Fiquei contrariadíssima com aquilo e não sei como expressei, mas ele notou e perguntou se eu tinha perdido o andar. A voz aveludada. Sim, não sei fazer comparação mais racional. A voz dele era tão aveludada que me deu calafrios. Assim que ouvi a voz penetrando lentamente no mais profundo dos meus ouvidos internos, olhei para ele, mais precisamente para sua boca e o desenho desta era tão sensível e tão angelical que a vista de vê-lo falando tomou-me.

 

          Não sei por que, mas ao vê-lo falar, sua boca mexer e sua voz soar, ao mesmo tempo em que seus olhos se apertavam e suas mãos gesticulavam, eu parei no tempo. Senti no corpo todo um arrepio seguido de um desejo crescente, um desejo que me tomava toda num crescendo frenético. Meu Deus, eu não precisava daquilo. Eu não precisava de nada daquilo. Adulta, empresária, esposa, e ali no elevador como uma adolescente se sentindo atraída por um moleque de seus lá dezessete anos? Mas o tempo tem momentos fulcrais, como pontos cegos de sua existência. Nesses momentos a gente não pensa, sente. Eu sentia um universo de hormônios trepidarem em meu organismo vivo. Eu estava viva, era ali muito mais que uma máquina amorfa.

 

          Ele, com aquela voz poderosa, perguntou-me de novo se estava me sentindo bem. Acho que perguntou aquilo três vezes enquanto estava absorta em meu ensandecido momento de epifania. Respondi que sim, desajeitadamente como uma menina que somente agora chega à puberdade sem saber como, mas não sei o que tinha na minha voz. Minha voz estava sensual. Eu estava sensual. Louca varrida de vontade. Ele disse que desceria somente na cobertura e lá eram vinte e cinco andares e o elevador que, malgrado novo, apresentava problemas, subia lentamente ainda o décimo. Não sei se era o elevador que ia lento ou se era o tempo que havia congelado. Não sei dizer.

 

          Mas não consegui mais vê-lo. E soltei a alça do carrinho numa atitude suspensa, com a boca entreaberta, como que à espera. Ele já tinha exercitado dessas coisas com suas colegas, certamente. Agora, não sei se para sua cabeça infantil eu seria um troféu a ser mostrado aos amigos, um troféu que causasse inveja, mas na hora eu só havia pensado que... Não havia. Ele me tomou de assalto com um abraço de braços apertados trazendo pra junto de mim o corpo e eu senti... Senti-o todo, com as roupas e tudo. Estava rijo como o meu desejo.

 

          O elevador trepidava a aproximação do vigésimo andar e ele já percorria os montes dos meus seios com a firmeza de suas mãos de lavoura – não sei como adquirira aquele atributo de mão que só os campais adquirem, mas na hora era de nada que eu sabia, e apenas sentia o arrepio de uma mão percorrendo a minha pele. O mundo era uma mão que percorre a pele. Mais nada. A sedução de uma mão que percorre a pele. E foi aí que minha mente pediu o seu quarto. Minha pele pediu o seu quarto. Ele encostou a boca em meu ouvido e pediu-me no seu quarto. A voz dele toda aveludada e sensual, soando baixinho num sussurro quente que arrepiava os pequenos pelos de minha orelha, num quente sussurro como a brisa do mar... Eu queria. Eu iria. Mas... Eu queria? Eu iria? Como poderia? Olhei de relance e o carrinho de compras no chão do elevador lembrou-me a casa, o marido e a fome. O mundo é a fome que a gente mata de variadas formas. Mas aquela fome não poderia eu matar.

 

          Vigésimo quinto. As portas se abriram e ele me puxou, mas eu hesitei, larguei suas mãos e apertei rapidamente no botão de fechar as portas. Não, não iria evitar com isso a traição. Eu já havia traído o meu marido no elevador do prédio, sordidamente, como uma putinha barata. Mas o que eu queria evitar era o pior. Era a cama daquele estranho dos andares de cima, de quem eu conhecia apenas os olhos, o corpo, a força, a boca, a língua, a virilidade, a traição de meu marido. Não podia ir... A última coisa que vi, enquanto as portas fechavam, era a imagem que se podia fazer de seu membro marcando a calça, ele estava louco de desejo. Mas eu? Quem eu era? Eu era uma loucura repleta de desejo, do mais vil, do mais sórdido, do mais mordaz. Eu sentia na pele a excitação dos poros e...

 

          – Querida?!

          – Hã?! Quê?

          – Faz cinco minutos que estou aqui falando com você e você aí divagando como uma louca! O que houve?

          – Hã?! Ah! Nada, Augusto, absolutamente.

          – Então?

          – Então o quê?

          – Responda a pergunta.

          – Que pergunta?

          – A pergunta da porcaria da revista! Você não me chamou aqui pra matar hora fazendo esse jogo besta de casais?

          – Ah, Augusto! Meu Deus! É mesmo, me perdoe amor. Por favor! Enfim, faça a pergunta de novo que essa quem tem de responder sou eu porque se não me engano é sobre você, né?

          – “Qual parte de seu marido você mais acha atrativa e encantadora?”, está assim descrita a pergunta.

          – Os olhos. Sim, os olhos foram a primeira coisa que eu vi.

 

Mario Filipe Cavalcanti

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:07

Conto - Sina

por Jorge Soares, em 05.07.14
Sina
Dagoberto descendia de uma linhagem muito especial. Desde o século XIX, quando Dagoberto Lemos de Castro batizou seu primogênito como Dagoberto Filho, uma tradição teve início naquela família: todos davam seu nome ao filho mais velho. O sobrenome da mãe sumia em meio a Dagoberto Filho, Neto, Bisneto. Quando chegou a vez da quarta geração, optou-se pela numeração, dando origem a Dagoberto Quinto, Sexto, Sétimo... Fosse por ignorância acerca da terminologia, fosse por considerar, no íntimo, que o número conferia um ar meio de realeza à família, todos, desde então, reproduziam ad eternum a sina de Dagoberto.

 

Tudo ia muito bem, até que a mulher do Bertinho – ou Dagoberto Lemos de Castro VII – decidiu pôr fim àquela tradição que, segundo ela, além de machista, era ridícula.

 

– Eu não quero nem saber dessa palhaçada! – ela esbravejava, indignada. – Filho meu não vai ter o nome do seu tataravô!

 

– O que é isso, Lurdinha?!  É o meu nome também...

 

– E o do seu pai, do seu avô, e de gente que eu nunca conheci. E é nome antigo, Berto! Eu quero um nome atual pro meu filho...Tipo Pedro, Gabriel... – ela suspirava, sonhadora.

 

– E desde quando nome de apóstolo é atual, Lurdinha? E Gabriel foi o anjo que anunciou a vinda de Nosso Senhor...

 

– Mas você vê crianças com esse nome, homem! Já Dagoberto, só você... E toda a sua família. Eu quero que meu filho seja feliz!

 

Os dias se passavam, e o irmão teve dois filhos. Para manter a tradição, batizou os gêmeos de Zé Roberto, e Humberto.

 

– Zero e um. Sorte a deles não serem trigêmeos – caçoou Lurdinha.

 

– E o nosso filhinho, quando vem?­­­­  pedia, esperançoso.­­

 

– Se depender de mim, nunca! Não quero ser a chocadeira de mais um Dagoberto pra essa ninhada. Quero que meu filho seja feliz!

 

Mas o destino estava do lado de Dagoberto, e a mulher descobriu-se grávida. Na tentativa de apaziguar os ânimos, ele ensaiou um trato:

 

– Vamos fazer o seguinte: se for uma menina, você escolhe o nome. Se for menino, quem escolhe sou eu.

 

– Escolhe nada: aí é mais um Dagoberto na área. Nada feito. Quero que meu filho seja feliz! – e encerrou a conversa.

 

 Chegou o dia do parto, e a polêmica continuava. Nem o sexo eles quiseram saber antes, para manter a paz até o nascimento da criança. Na hora de entrar no centro cirúrgico, Lurdinha ainda teimava:

 

– Eu não quero esse nome no meu filho! Não quero, ouviu??!!

 

– Tudo bem, meu amor. Mesmo que seja um menino, você escolhe o nome.

 

– Eu só quero que meu filho seja feliz – repetia ela, entre uma contração e outra.

 

– Está bem, Lurdinha. Tudo bem.

 

O menino nasceu lindo e saudável. Dagoberto olhava nos olhos da criança, tentando encontrar uma saída para o impasse que se criara.

 

No dia seguinte, Berto foi visitá-los no quarto da maternidade. A mulher e o filho ainda pareciam mais belos à meia-luz.

 

– Registrei nosso menino, querida! Fiz o que você me pediu. – disse ele, agitando a certidão nas mãos. A mulher olhou-o, incrédula.

 

– Ele não tem o meu nome, Lurdinha. Ele será Feliz...berto.

Tatiana Alves

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:19


Ó pra mim!

foto do autor


Queres falar comigo?

Mail: jfreitas.soares@gmail.com






Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2009
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2008
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2007
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D