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"De todo o exposto resumindo e concluindo, estar caído/inanimado a porta de um hospital ou de um cemitério e a mesma coisa se o caso for serio. A única diferença e que num caso já chegou ao destino.

De tudo isto só me deixa uma grande náusea, o resto e a vida que temos sem precisar de muitos comentários."

 

Comentário de um anónimo ao post (auto link) sobre a senhora caída na porta do hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro

 

De repente apetecia-me ficar por aqui, mas não sou de deixar coisas por dizer.

 

Talvez seja defeito meu, mas para mim se alguém está a precisar de ajuda, eu pelo menos tento ajudar, se esse alguém está caído no chão, então o mais certo é que  precisa mesmo de ajuda e aí não interessam as regras ou as normas, o meu dever como pessoa e cidadão é ajudar.

 

Se um profissional de saúde é avisado de que alguém está caído no chão e precisa de assistência, independentemente das regras, das normas ou das condições, esse profissional deve ajudar, pelo menos para se inteirar da gravidade do assunto e poder tomar decisões. Se não o faz, se antes de pensar no bem estar da pessoa em questão coloca o seu bem estar ou as regras do hospital, para mim esse profissional não cumpriu o seu dever principal nem como profissional de saúde nem como cidadão.

 

Pelos vistos há noticias que dizem que afinal a senhora não estaria assim tão grave, mesmo que seja verdade, médicos e enfermeiros só saberiam isso depois de lá irem.. e ainda não vi noticia nenhuma que diga que eles lá foram, numa coisa são unânimes todas as noticias, eles não foram lá, porque tinha que ser o 112 e/ou o INEM a resolver o assunto.

 

De resto como disse antes, regras ou não regras, normas ou não normas, a vida das pessoas deve estar sempre em primeiro lugar e não me parece que alguém tirar uns minutos para se inteirar do que passava lá fora, fosse fazer assim tanta diferença no funcionamento do hospital, até porque nas urgências costumam trabalhar várias pessoas ao mesmo tempo, e não me consta que tenha acontecido nenhuma catástrofe nesse dia no Barreiro como para estarem todas a salvar vidas ao mesmo tempo e sem poderem parar uns minutos. Por outro lado, neste caso ou noutro qualquer, esses minutos podiam fazer a diferença entre a vida e a morte de alguém.

 

Não, não queremos que alguém estar caído/inanimado a porta de um hospital ou de um cemitério seja a mesma coisa.

 

É claro que a minha opinião vale tanto como outra qualquer e todas merecem respeito.

 

Jorge Soares

publicado às 22:35

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 Imagem da TVI 

 

"Caiu a cerca de 15 metros da porta do hospital do Barreiro e ficou ali à espera de assistência durante uma hora até que chegou o INEM"

 

É assim que começa a noticia da TVI, uma senhora de 64 anos caiu numa das rampas de acesso ao hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro,  e esteve uma hora no chão à espera de assistência,  nas urgências do Hospital recusaram sair a ajudar e disseram a quem tentou pedir ajuda que ligasse para o 112.

 

Não, não estamos em Abril e isto não aconteceu no dia das mentiras, é que se alguém me contasse uma coisa destas eu dizia que era mentira, até porque já todos ouvimos mais que uma vez que por lei todos somos obrigados a prestar assistência se passarmos por um acidente, se não o fizermos podemos ser julgados e condenados... se isso é válido para qualquer cidadão português, não deveria ser muito mais válido para profissionais da saúde?

 

Normas ou não normas, regras ou não regras, e de certeza que há uma norma ou uma regra que explica isto, como é que um médico ou um enfermeiro consegue justificar que foi informado da existência de alguém a necessitar de socorro ali mesmo ao lado e se negou a prestar auxilio?

 

O certo é que segundo a noticia, a assistência demorou quase uma hora e quando finalmente chegou, os bombeiros tiveram que entrar directamente para a reanimação devido ao estado grave em que já se encontrava a senhora.

 

Note-se no fim a senhora foi assistida nas mesmas urgências e pelas mesmas pessoas que antes se tinham negado a ir à porta ajudar, só que foram levadas pelos bombeiros até às urgências do hospital... Se por acaso a senhora tivesse falecido entretanto, de quem seria a responsabilidade? De ninguém? 

 

Mais que mostrar a situação em que se encontra o nosso sistema de saúde, isto fala da falta de consciência, de ética e de moral de alguns dos  profissionais de saúde que trabalham nos nossos hospitais e da falta da humanidade à que chegamos...

 

Que tipo de consciência terá um profissional de saúde que sabe que tem uma pessoa a necessitar de assistência a uma dúzia de  metros e segue a sua vida como se nada acontecesse? Será que esta gente não pode mesmo ser acusada de falta de assistência a pessoa ferida? Há leis neste país para isso... acho eu.

 

Jorge Soares

publicado às 21:55

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Imagem do Sol

 

J. tem 15 anos e vive há 16 meses na ala pedopsiquiátrica do Hospital Dona Estefânia. A doença que a levou a ser internada nesta unidade já foi estabilizada e os médicos deram-lhe alta clínica há mais de um ano.

 

Há noticias que são difíceis de digerir, esta é muito difícil, até porque há o que está escrito preto no branco e o que está escrito nas entrelinhas.

 

O que está escrito preto no Branco é que uma jovem de 15 anos está há mais de um ano encerrada numa enfermaria de um hospital, onde partilha os seus dias com  "doentes agudos com perturbações mentais", isto porque a CPCJ considera que a sua família, na noticia falam da mãe, não está em condições de a acolher em segurança e não haverá vagas para ela em nenhuma das mais de cem instituições que há neste país.

 

Para quem não sabe em Portugal há mais, muito mais de cem instituições de acolhimento, e por incrível que pareça não há em nenhuma uma vaga para esta jovem que está assim condenada a viver os seus dias entre médicos, enfermeiros e pessoas doentes.

 

Não sai, raramente tem visitas, não vai à escola e os únicos jovens da sua idade com quem se dá são os tais  "doentes agudos com perturbações mentais"... se eu não mandar os meus filhos para a escola de certeza que me cai em cima a CPCJ e a segurança social de Setúbal e haverá até quem me ameace com os institucionalizar, mas pelos vistos isso não se aplica aos jovens que estão à guarda do estado.

 

O que não está escrito preto no branco e se percebe nas entrelinhas é que o verdadeiro problema não será realmente a falta de vagas nas instituições, o problema será que não há vagas para ela devido aos seus antecedentes de problemas psiquiátricos, se fosse uma jovem normal e sem problemas, de certeza que haveria vagas.... que nesse caso não seriam necessárias, pois não fossem os seus problemas estaria com a família... fantástico não é? 

 

É assim que o estado e a segurança social tratam dos jovens que tem ao seu cargo, não é por isso de estranhar que existam mais de 8000 jovens e crianças institucionalizadas, ora se demoram mais de um ano em arranjar solução para uma jovem que está a perder a sua vida encerrada num hospital...

 

Há mais alguém que  pense que tudo isto não passa de uma forma de maus tratos do estado para alguém que está à sua guarda? Qual é a CPCJ que protege as crianças dos maus tratos do estado?

 

Jorge Soares

publicado às 22:41

Deus bom, deus mau, que deus?

por Jorge Soares, em 11.06.14

Solidão

 

"Deus existe porque o homem sozinho não consegue existir. Morre. Vive um bocadinho, faz umas coisas e depois morre. Deus existe porque a Arte não é suficiente. Deus existe porque o Amor não chega. Deus existe porque o homem sozinho é pior. É mais mau. É mais triste. É mais só."

 

Miguel Esteves Cardoso

 

 

Na semana passada por motivos de uma pequena cirurgia a uma vista, passei 24 horas na oftalmologia do Hospital Garcia da Horta, a meio da manhã antes de que me levassem para o bloco, para a cama ao lado da minha chegou um homem que manhã cedo tinha tido um acidente de trabalho, um descuido e se calhar a falta de óculos de protecção, fez com que uma vareta de plástico lhe acertasse em cheio numa vista.

 

Brasileiro, com um daqueles nomes que não lembra ao diabo, não se cansava de repetir a história a cada pessoa que se acercava da cama dele:

 

 

- Estava mesmo no fim do turno, já  quase ia para casa e de repente sentiu como aquilo lhe acertava na vista, de repente ficou tudo negro, sentiu sangue e ele só pensava que agora aos 50 anos, ia ficar sem a vista, como é que isso era possível?

 

-Felizmente deus é grande e nas urgências do hospital o médico tinha-lhe dito que era grave, mas não tão grave como parecia, que com um bocado de sorte, ele ia ficar bem... graças a deus, deus tinha sido muito bom com ele e não lhe tinha tirado a vista.

 

E a história era repetida uma e outra vez, a cada doente, enfermeira ou auxiliar que por ali passava... eu fui ouvindo em silêncio e só me apetecia perguntar ao homem, se deus era assim tão bom para ele, porque raios é que tinha permitido que a vareta lhe acertasse na vista, não era muito mais simples ter arranjado modo de  que nada daquilo acontecesse e ter-lhe poupado a ele o sofrimento e ao médico o trabalho de lhe estar a reconstruir uma parte do olho?

 

Finalmente levaram-me para o bloco, quando acordei a meio da tarde também já o tinham operado a ele, com anestesia local, imagino o que o pobre homem terá passado. Felizmente para ele os médicos fizeram um excelente trabalho e conseguiram resolver todas as desgraças que ele tinha sofrido naquela vista.

 

O tempo ia passando e ele ia contando a história agora também via telemóvel, estava feliz porque lhe garantiam que ia ficar bem, graças deus os médicos tinham-lhe conseguido salvar a vista... porque deus era grande e tinha-lhe salvo a vista. Das primeiras pessoas para quem ligou foi para o pastor da igreja, a pedir para fazer uma oração a agradecer que ele estava bem.

 

Não sei se era da anestesia pela que eu tinha passado ou do incómodo da vista operada, mas aquilo já me estava a irritar, o homem não se calava.

 

Chegou a hora das visitas, e com ela a pastora da igreja dele, com roupa, o carregador do telemóvel para ele poder continuar a contar ao mundo como deus é bom e lhe salvou a vista, comida e outras coisas pessoais. Depois chegaram mais pessoas, todas da igreja evangélica... 

 

Dei por mim a pensar que não fosse a igreja e ele não tinha visitas, nem quem lhe viesse trazer as coisas, nem quem o viesse buscar quando tivesse alta.... Um dos amigos que o vieram visitar disse isso mesmo, tinha estado 22 dias num hospital e não teve nem uma visita.. e foi lá, nesse hospital, que ele se virou para deus.

 

A solidão é algo terrível, não me parece que deus tenha tido nada que ver nem com o acidente nem com a cura. Se calhar se estivesse menos cansado depois de trabalhar a madrugada toda e usasse equipamento de protecção adequado, aquilo não tinha acontecido. Quanto à cura, sorte e bons médicos fazem milagres todos os dias.

 

Podemos pensar se deus é bom porque ele não perdeu uma vista, ou que é mau porque permitiu que aquilo acontecesse, mas não deixa de ser verdade que para ele e para muita gente que vive completamente só, a igreja, pelo menos a igreja dele, não deixa de ser uma coisa muito boa.

 

Já o disse aqui mais que uma vez, deus só existe porque falhamos como seres humanos, felizmente ainda há quem, como aquela pastora e aqueles amigos dele,  se agarre a deus para fazer o bem.

 

Dito isto, deus não existe, ponto final

 

Jorge Soares

 

PS: Não tem nada a ver, mas fui muito bem tratado pelo pessoal da oftalmologia do Hospital Garcia da Horta, simpáticos e atenciosos quanto baste e extremamente profissionais.

publicado às 22:20

Uma saída limpa, ou, o inferno é em Portugal

por Jorge Soares, em 07.05.14

O inferno é em Portugal

 

Imagem do Público

 

Não há outro inferno para o homem além da estupidez ou da maldade dos seus semelhantes.

Marquês de Sade

 

Há coisas que são difíceis de entender, a fotografia do Público mostra uma senhora com um cancro em estado avançado que saiu do hospital Joaquim Urbano, no Porto, directamente para a rua. É verdade que foi ela que insistiu em deixar o hospital, mas também é verdade que alguém lhe passou a alta hospitalar e a deixou sair mesmo sabendo que esta não tinha para onde ir e que iria terminar na rua.

 

"Metida sozinha num táxi, foi parar, desamparada, às escadas da igreja do Carvalhido, na rua onde o marido arruma carros. Aguentou-se ali, deitada, umas cinco horas, até ser transportada pela polícia para um quarto numa pensão de Cedofeita, arranjado pela mesma Segurança Social que lhes cortara o rendimento social de inserção, deixando-os sem capacidade de pagar uma renda."

 

Quando leio coisas destas não  posso deixar de me lembrar do célebre "custe o que custar" com que Pedro Passos Coelho nos avisou do que se avizinhava, desde então temos vindo todos os dias a descobrir do que estava o primeiro ministro a falar naquele dia.

 

A verdade é que a política de austeridade imposta pela Troika e aplicada pelo governo de Passos Coelho significou um retrocesso de décadas ao nível da saúde, da segurança social e das políticas sociais. Situações como a relatada pela noticia do Público são impensáveis em qualquer país civilizado mas a verdade é que acontecem todos os dias em Portugal.

 

A solução encontrada à pressa foi um quarto numa pensão algures no Porto, mas haveria que perguntar-se como espera a segurança social que esta família, pai, mãe e um filho adolescente, sobreviva quando um dos elementos tem uma doença em estado avançado que lhe impede de quase tudo, e  outro tem como profissão arrumar carros nas ruas da cidade? Está-se mesmo a ver que se existe inferno, esta família já lá está.

 

É isto a que chamamos saída limpa? 

 

Jorge Soares

publicado às 22:05

De Chaves a Lisboa, quantos hospitais há?

por Jorge Soares, em 04.02.14

Ambulancia

 

Imagem do Público 

 

Ninguém gosta daquela frase que diz Lisboa é Lisboa o resto é paisagem, mas há alturas em que percebemos que não só isso é verdade, como é cada vez mais verdade.

 

Quando vemos uma noticia que diz que um jovem que teve um acidente de carro em Chaves terminou internado no Hospital de Santa Maria em Lisboa a mais de 400 kms de distância, porque supostamente em nenhum dos hospitais a norte de Lisboa havia vagas, ou médicos, ou ambas as coisas, ficamos a perceber que afinal é mesmo verdade, Portugal é Lisboa, o resto é paisagem.

 

Vejamos: Deu entrada no hospital de Chaves onde não havia os cuidados que ele necessitava, ao fim de três horas de espera foi decidido que teria que ser transferido. O hospital mais próximo é o de  Vila Real a 60 Kms, há outro em Braga, a 124 Kms, outro em Guimarães a 100 kms, há vários mais ali à volta, mas vamos focar-nos nos principais. Ao Porto, onde há não um, mas vários hospitais que supostamente são de referência, são 150 kms. Em Gaia também há um hospital, em Santa Maria da Feira há um grande Hospital, em Aveiro, em Coimbra estão alguns dos hospitais de referência no país, em Leiria, ....

 

Como é que é possível que seja preciso atravessar meio pais passando por várias capitais de distrito e por alguns dos maiores hospitais do país, para que alguém com suspeita de traumatismo craniano seja atendido?

 

Há algo de errado em tudo isto, felizmente o jovem chegou  com vida, em estado grave mas vivo, a Lisboa e desejo ardentemente que saia sem mazelas de toda esta situação, mas de quem seria a responsabilidade se ele tivesse falecido durante absurdo passeio em ambulância que foi obrigado a fazer?

 

Segundo o que li, todos hospitais teriam as vagas de neurocirurgia ocupadas... isto num dia que não tinha nada de especial e em que não haveria motivos para picos de procura... como será  nos períodos em que há muitas viagens e muitos acidentes? Se não conseguem responder à procura em períodos normais, como conseguem em períodos de grande afluência?

 

Tudo isto não só é incrível como é terrivelmente assustador, eu gosto muito de Portugal, gosto de viajar e de conhecer o meu país, mas será que depois de ouvir uma noticia como esta alguém fica com vontade de ir passear para Chaves? Ou para outra localidade qualquer que fique longe de Lisboa? Porque isto não acontece só aos outros, pode acontecer com qualquer um de nós, com os nossos filhos .... assustador, mesmo!

 

Jorge Soares

publicado às 21:58

A vida num hospital português perto de si

por Jorge Soares, em 22.01.14

A vida num hospital Português perto de si

 

Há quem diga que Portugal é um país desenvolvido, do primeiro mundo, pena que isso seja só no papel, porque quem no dia a dia tem que sofrer a realidade não é isso que sente, há coisas que acontecem por cá que mais parecem retiradas de um filme de terror do século passado.

 

O seguinte relato foi escrito em primeira pessoa pela Golimix no Eu tento, mas meu tento não consegue! e é o segundo capítulo, o primeiro pode ser lido aqui.

 

Esta é a segunda fase dos meus relatos das experiências passadas com meus pais. Deixei este para último porque é o mais difícil de escrever e o mais difícil de recordar, já que não é só uma recordação mas algo que ainda sobrevive ao dia-a-dia.

 

Em  agosto de 2012, e depois de muitas peripécias que qualquer dia contarei, foi diagnosticado ao meu pai, nos Hospitais de Coimbra, uma Demência de Corpos de Lewy, que qualquer pesquisa simples na net vos elucidará do que se trata. Menos frequente que o Alzheimer e com progressão mais rápida e igualmente difícil, quer para o portador da doença quer para os seus familiares. E chega a um ponto que sobretudo para os seus familiares.

 

Podem dizer-me "Faço ideia do que estás a passar". Eu respondo a esta frase, não. Não fazem a mínima ideia do que é ver o nosso pai (neste caso) ser portador de uma demência. Do que é vê-lo a não ser ele, do que é vê-lo a ir-se e o seu corpo ainda estar presente. Dói mais do que a morte. Porque é uma morte lenta e insidiosa. Leva-o todos os dias. Tira cada dia um pouco e cada dia o leva para mais longe. Não é ele que está ali...

 

Alguém me dizia aqui há uns tempos. Não digas isso, ainda o podes abraçar. É verdade. Ainda o posso abraçar, ainda tolera os abraços que nunca me deu e agora dá, porque agora não tem o travão mental de não demonstrar carinho. Ainda tolera abraços porque ainda me conhece, ainda não está agressivo. Mas que preço tem este abraço? Um preço que não vale a pena pagar... Estarei a ser crua ou realista de mais? Vejo as coisas de dentro e não de fora. Tão simples quanto isso.

 

Este tipo de Demência está associada a sintomas Parkinsónicos. Ambas as doenças são de cariz neurológico e associadas a geriatria mas como exibem alterações de comportamento levam a um internamento na psiquiatria. Se tem ou não lógica não sei. O certo é que o serviço de neurologia não está preparado para receber estes doentes e não existe outro serviço adequado para pessoas que necessitam de uma vigilância constante, quer pelo seu sentido de orientação alterado, quer pela sua parte cognitiva já com muitas falhas. E é deste serviço, da psiquiatria de um Hospital em Trás-os-Montes, um grande Hospital considerado de "qualidade", onde o meu pai esteve internado que vou falar o que muitos calam. Calam por vergonha de dizer que estiveram lá internados, por vergonha de ter tido um familiar lá internado, por pruridos de uma sociedade hipócrita e mesquinha.

 

Ao entrar naquele serviço parece que recuamos no tempo. Depois de questionar algumas pessoas, nomeadamente profissionais de saúde que trabalham em outros locais e nesta área, pude constatar que felizmente não é frequente a existência de locais que funcionam como aquele serviço em particular, género psiquiatria de há um século atrás. Ali as mulheres e homens estão no mesmo espaço físico, à noite estão em dormitórios separados mas de dia não. Outra particularidade é que os doentes durante o dia não têm acesso à sua enfermaria, o que dificulta o acesso aos seus pertences, como roupa e produtos de higiene. Ali não se lava os dentes a menos que se ande com a escova e pasta à tiracolo. Não se tem roupa própria, porque nem sei se existe onde a guardar, já que não vi as enfermarias, e me disseram para não levar a roupa dele. Disseram que tinham pijamas no serviço e fatos de treino e tudo o que fosse preciso. Ok...

 

O que se vislumbra são pijamas a cair pelas pernas abaixo dos utentes, e se há os que conseguem ir puxando a roupa atempadamente, há os que, por força da lentidão produzida pela medicação não o conseguem fazer, portanto estão a ver o aspecto que dá pessoas com as calças a cair e com ar de que não estão bem neste mundo?

Além disso, todas as patologias também estão juntas, é tudo ao molhe e fé em Deus. Quem é internado por uma depressão sai dali mais deprimido, isso é certo. Terapeuticamente controlado, mas mais deprimido. Como não se podem deitar, porque as enfermarias estão fechadas se bem se lembram, e a medicação dá pedrada vemos pessoas deitadas pelos cadeirões num desconforto que dá dó. O ar andrajoso que transmitem é gritante. Cheguei a ver um senhor no chão do corredor a bater com a cabeça na parede e ali esteve um bom bocado.

 

A única casa de banho que serve todos os utentes tem o papel higiénico fora da proteção, exigida num estabelecimento público, que estava ausente e pelo que constatei há muito partida. A figura em que estava o papel higiénico, que andava nas mãos de todos, estava indescritível! O aspecto físico degradante do serviço era notório! E era notório que era um serviço esquecido há muito pela administração do Hospital que sabe que doentes psiquiátricos não se queixam e se o fazem ninguém lhes dá crédito. Triste, mas a pura realidade. E triste que a própria sociedade também parece forçar a esse esquecimento. Pois bem, ninguém está livre, isso assusta não é? Não fujam porque o que têm medo ainda vos pega!

 

Num dos dias quem que visitei meu pai ele estava vestido com um roupão que tenho a sensação que nem o meu cão se deitaria ali! Aliás, tenho a sensação quem nem um cão de rua se aproximaria daquilo! Se o roupão lhe tirou o frio e providenciou o conforto necessário? Acho que sim. Mas e a dignidade humana? Mesmo sujeita a perder um roupão vesti-o com outra coisa que não aquilo! Soube depois que outros doentes se encarregavam de ajudar o meu pai a não perder o acessório.

 

E agora o que mais me custou. Estive uns dias sem realizar a visita. Habito longe e tive que trabalhar. Quando fui lá constatei o que a minha prima me dizia pelo telefone. O seu estado era deplorável! Ele necessita de ajuda para realizar as actividades mais básicas como o cuidar da sua higiene. Fá-lo, mas precisa de ajuda. Precisa de ajuda até para lavar a cara e escovar os dentes. Que se lhe diga "agora lave a cara", e ele lava. "Agora escove os dentes". Embora tenhamos que colocar a pasta e dizer quando bochechar e cuspir fora. A cara dele não era lavada há séculos!!! Estava cheia de crostas, unhas sujas, dentes cheios de comida,... a descrição pode estar a ser nojenta, mas foi com esse aspecto mal cuidado que o encontrei!

 

No dia da alta para o vestir mandaram-nos para a tal casa de banho usada por todos os utentes (foi aí que eu vi o estado da coisa) para vestir um senhor de idade, com dificuldades motoras, que não tinha onde se sentar para se vestir e que tinha dificuldade em estar de pé. E nem que não tivesse! Felizmente levava companhia para nos ajudar. Penoso... custava ter-nos levado a uma enfermaria? A um lugar mais aprazível do que aquele?

 

Trabalhar ali não deve ser fácil. Num serviço rejeitado e com rejeitados pela sociedade. É o que vi. Se há bons e maus profissionais, claro! Como em todo o lado. Não me esqueço, no entanto, de uma situação em específico numa das minha deslocações para a visita. Não esqueço da cara da besta, desculpem o termo, mas não tenho outro melhor e que descreva tão bem a energúmena, que ao me abrir a porta do serviço sempre fechado à chave, se apercebe que o meu pai está atrás dela, e ela não sabia que aquele era o significado da minha presença, se vira para ele com ar agressivo e diz "Chegue para lá quero abrir a porta!" depois olha para as suas calças pingadas de sopa, que faz notar a sua falta de destreza, e diz com ar arrogante "Olhe para aí todo sujo e pingado! Que vergonha!". Não vou dizer o que me apeteceu fazer àquela não-pessoa, que fez meu pai olhar com ar confuso para as calças e ansioso para mim. O que fiz foi entrar, passando pela cavalgadura, segurar o meu pai e levá-lo até à entrada da casa de banho de onde tirei um papel e lhe limpei as calças. Podem imaginar o ar com que a peça ficou ao ver que era por "aquele" a razão que eu estava ali.  

 

Ele detestava estar ali e eu detestava que ele ali estivesse. Dizia que o tratavam mal, mas não conseguia explicar as situações.

Espero não voltar a precisar daquele serviço mas sei que poderei vir a precisar... O que fazer? Escrever? Falar? Não sei. As minhas energias não dão para todas as lutas.

 

Neste momento tenho que lidar com o meu pai institucionalizado, e que não sabe que é ali que vai ficar... Que pensa que um dia irá voltar à sua casa que fez com as suas mãos. Como lhe explicar o que ele não entende? Como lhe dizer que ali é onde ele está melhor? Ali tem a vigilância que precisa, os cuidados que necessita e até o carinho que lhe faz bem. Até agora nisso parece que tivemos sorte... Alguma há que tentar chegar até ele.

 

Só tenho pena que ela não tenha escrito o nome do hospital, porque este tipo de coisas só pode acabar se forem denunciadas e não há crise ou cortes nos orçamentos que possam explicar coisas como estas, isto é uma vergonha que não tem explicação nem desculpa

 

Jorge Soares

publicado às 23:40

Conto - Chapéu verde

por Jorge Soares, em 28.09.13

Chapéu verde

Imagem de aqui


..nem estava despida nem com roupas que se pudesse dizer a noite passada passou-a numa cama, ali dentro, dormida entre pacientes, entre aparelhos com sinais de luzes a dizerem se as tripas funcionam a preceito, se tem açucares e oxigénio em doses justas e os colestróis em níveis decentes.


    Ela vestia calças de ganga muito justas - azuis- e uma camisola verde a marcar-lhe as mamas, e tinha um blusão em cabedal castanho que descaía no braço da cadeira: coisa de corte duvidoso tal como as botas com tacão do tamanho do meu palmo bem esticado, num castanho semelhante ao blusão, que era mais um amarelo caca. 

 

   Dormitava quando me sentei. Eu a sentar-me a seu lado na cadeira que sobrava. Eu a medo: com licença. Eu com todo o cuidado e ela a remexer o corpo magro. Senti-lhe o cheiro que era um perfumezito sem destino em prateleiras que não fossem as de um qualquer supermercado.


   A mulher que tinha rimel nas pestanas e batom a cobrir-lhe os lábios - encarnado - não estaria ainda na casa dos quarenta, teria até muito menos, não fosse aquele leve traço - reparei que tinha um de cada lado dos lábios - e um plissado, ainda que suave, no canto dos olhos que ela manteve fechados apesar do ruído que troava no corredor feito sala de espera. Um corredor apinhado: doentes recebendo líquidos vertidos de saquinhos transparentes, caras de estar fartos, caras de estar doente, e havia-as, também, de quem está velho. 


    Os médicos esgravatavam por ali e os técnicos e os enfermeiros.


   Um relógio especado na parede assinalava, mudo, a passagem lenta, imensamente demorada, do tempo que pesava como se fosse um suor de trabalhos forçados, e seria dele que o ar semelhava pejado de maus gases - como custava respirar.

 

   Ela remexeu uma mão sem anéis nem pintura nas unhas e eu vi-lhe o relógio, uma coisa enorme com ponteiros a navegarem entre números escritos a vermelho sobre fundo azul. Estava parado nas duas de um qualquer outro dia que não este, que era meio dia e treze no relógio da parede.

 

   Natércia Pimentel, chamou a enfermeira e ela endireitou-se, abriu os olhos que eram enormes e de um azul de céu ensolarado, e ficou a agarrar a napa preta do cadeirão como se fosse a amurada de um navio de onde olhasse, incrédula, que a chamavam do cais.


   A enfermeira era tão bonita e tão menina, a olhar a mulher e a dizer: venha comigo.

 

   Eu sorri e ela piscou-me os olhos como a responder, e sorriu também, a afastar-se. Só então lhe vi o chapéu de feltro. Verde. Igual ao tom da camisola. Um chapéu que ela tinha enterrado quase até aos olhos.  Um chapéu a não deixar desvendar a cabeleira, a tapar, diria eu, um cabelo que seria em cachos de vermelho, ou em doirados, ou negro atado em duas tranças. 

 

   Assim pensei eu a olhar o chapéu da mulher colocado como se quisesse esconder.

 

Maria de Fátima

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:57

Bom senso, educação respeito

Imagem de aqui

 

Já não sei o que me espanta mais, se a falta de bom senso das pessoas ou o facto de as empresas perderem tempo com coisas destas.

 

A notícia vem de Braga, no Hospital desta cidade há uma funcionária do departamento de comunicação que entre outras coisas, tem como tarefa periódica a monitorização da internet, leia-se: Facebook, blogs e restantes redes sociais, de modo a compilar tudo o que de bom ou de mau se diga acerca da instituição.

 

Não é algo assim tão estranho que as empresas se interessem pelo que delas se diz na imprensa, existem inclusivamente ferramentas do Google que servem para isso. O que já não me parece assim tão normal é que entre as pesquisas se encontre o facebook e o que dizem os seus funcionários. 

 

Mas tudo isto só veio a público porque entre o que foi compilado nestas pesquisas estão uma série de comentários pouco abonatórios  sobre o Hospital e as suas práticas, feitos por uma das funcionárias num grupo do Facebook destinado a trabalhadores do Hospital.

 

Convenhamos, já seria mau que  a senhora fizesse os comentários no seu Mural do Facebook onde os poderia tornar privados e só acessíveis aos seus contactos, mas faze-los num grupo aberto desta rede social é o cúmulo da falta do bom senso. Como seria de esperar, os comentários não tardaram nada a chegar aos ouvidos dos responsáveis do Hospital que evidentemente não acharam piada nenhuma e a senhora encontra-se sujeita a um processo disciplinar.

 

Há quem olhe para todo o caso e veja excesso de zelo por parte da instituição e até um ataque à liberdade de expressão, concordo que ir espiolhar o que dizem os funcionários no Facebook pode ser excesso de zelo... mas convenhamos que a atitude  da funcionária denota uma enorme falta de bom senso. Falar mal do Hospital e dos seus funcionários num grupo público do facebook é a mesma coisa que o fazer em voz alta num corredor ou numa das salas de espera das instituições e não me parece que alguém esteja para isso.

 

O Facebook é uma porta aberta a quem quiser entrar, convém que as pessoas tenham consciência disso, o que escrevemos no nosso mural, no dos nossos amigos ou conhecidos ou num dos milhões de grupos que existem é o mesmo que lançar folhas ao vento, nunca sabemos onde irão parar e nunca saberemos se elas serão esquecidas ou mais tarde ou mais cedo utilizadas contra nós.

 

Portanto, a próxima vez que entrar no seu Facebook, lembre-se: Bom senso, educação e respeito... nunca estarão demais.

 

Jorge Soares

publicado às 22:27

A morte não tem piada nenhuma.. mas a vida tem?

por Jorge Soares, em 10.12.12

Mel Greig e Michael locutores da 2Day FM

 

Imagem do Público 

 

Os dois senhores que na fotografia estão com cara de caso, são os dois locutores australianos que durante a semana passada fizeram um enorme sucesso na imprensa e na internet mundiais quando conseguiram a proeza de se fazerem passar pela rainha da Inglaterra e o Príncipe Carlos e com isso obterem em primeira mão do hospital informações sobre o estado de Kate Middleton.


Ontem foi noticia a morte de Jacintha Saldanha, a enfermeira que terá falado com eles e que ante a enorme proporção que o assunto tomou se terá suicidado na sua casa de Londres.

 

É evidente que qualquer morte é sempre uma tragédia e é claro que as mortes não tem piada nenhuma, é lamentável que uma brincadeira parva tenha resultado no suicídio da senhora, mas de quem será a culpa?

 

Quantas brincadeiras como estas vemos e ouvimos todos os dias na rádio, na televisão, na internet? É claro que o humor deve ter limites, mas alguém me explica onde neste caso foi quebrado algum limite? Para além da mentira inocente de se dizer avó da doente, onde é que está o exagero naquilo que aconteceu?

 

Goste-se ou não e dê-se a importância que se dê aos membros da coroa britânica, Kate Middleton é uma figura pública, acho que ninguém tem duvidas que a sua gravidez irá nos próximos meses encher páginas e páginas de tudo o que é imprensa seja ela cor de rosa ou não. O assunto será tratado de todos os ângulos e formas possíveis, não há como fugir a isso, não pode valer tudo, mas há de certeza coisas bem piores, ainda que na maior parte dos casos não terminem em mortes. Não foi há muito tempo que alguém vendeu, de certeza por muito dinheiro, fotografias em topless da mesma Kate e não vi ninguém dizer que se ia suspender quem as publicou.


Todas as mortes são lamentáveis, mas esta morte será culpa dos dois radialistas agora lançados para a fogueira ou da enorme industria que se alimenta do escândalo e da fofoca? 

 

A morte não tem piada nenhuma, mas a vida tem? Vamos acabar com as brincadeiras e o humor por causa deste caso? E depois rimo-nos de quê? de nós próprios?

 

Jorge Soares

publicado às 22:10


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