Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



dedo.jpg

Imagem do Facebook da Marta

“Propomos que [a] todas as mulheres que abortem no Serviço Público de Saúde, por razões que não sejam de perigo imediato para a sua saúde, cujo bebé não apresente malformações ou tenham sido vítimas de violação, devem ser retirados os ovários, como forma de retirar ao Estado o dever de matar recorrentemente portugueses por nascer, que não têm quem os defenda no quadro actual.”  

É até difícil de comentar, é muito difícil de acreditar que em 2020, já na segunda década do século XXI, exista alguém que de forma séria(?) seja capaz de apresentar tal ideia para ser incluída no programa de um partido, mas aconteceu mesmo, em Portugal... em 2020. O autor do aborto de ideia existe mesmo e dá pelo nome de Rui Roque, ex-militante do Partido Nacional Renovador (2007-2014) e do Aliança (2019), actual militante do Chega, o partido de André Ventura.

Sim, é verdade que a moção foi rejeitada, mas acreditemos ou não, segundo o Observador, houve 38 militantes do tal partido que votaram a favor da ideia. É caso para dizer CHEGA!

Há muito quem acredite que nas próximas eleições o André Ventura e o partido(?) dele serão a terceira força política, a sério? Um partido que tem entre as suas fileiras pelo menos 38 pessoas que apoiam uma ideia destas pode mesmo a vir a ser importante em Portugal?  Vou emigrar para onde?

Vamos lá ver, se às mulheres que abortam vão-lhes retirar os ovários, aos palermas que vão pelo mundo fazendo filhos a torto e a direito vão cortar-lhes os tomates?  E aos que  apesar dos testes de ADN se negam a reconhecer os filhos e nunca pagam a pensão de alimentos deixando as mães a criar e educar as crianças  sozinhas vão cortar-lhe o coiso? E o que propõe fazer aos violadores?

Independentemente de a moção ter sido rejeitada ou não, convém percebermos que é deste tipo de pessoas que se faz um CHEGA, o populismo é isto.  Falar contra os ciganos, contra quem sobrevive com um RSI, com um subsidio de desemprego. O populismo é meter todas as pessoas no mesmo saco, porque os ciganos são todos iguais e nenhum gosta de trabalhar, porque as pessoas só recebem subsídios de desemprego porque não querem trabalhar e claro, as mulheres só abortam porque querem, não é por falta de educação sexual em casa, na escola, na sociedade, ou porque a miséria as obriga a dizer sim, mesmo quando querem dizer não.... porque as mulheres são todas iguais e cabem todas no mesmo saco, como os pobres, os refugiados, os emigrantes.

No outro dia algures a meio de uma caminhada alguém me disse que ia votar no Ventura só porque sim, só para chatear... bom, é nisto que essa pessoa vai votar, só para chatear.

Nestas alturas fico triste e deixo de acreditar no mundo.

Jorge Soares

publicado às 22:40

Conto - Por um instante, comigo

por Jorge Soares, em 16.07.16

comigo.jpeg

 

Por um instante, eu me lembro de mim. Grávida, sem companheiro, sem apoio nenhum. A barriga aumentando junto com as dúvidas. Se vai nascer normal; se vai ser mulher, para sofrer que nem todas as fêmeas das minhas raízes; se o dinheiro, que já não dá, vai conseguir se multiplicar na divisão por dois. Os complexos crescendo junto com o feto. A celulite exposta, as estrias brancas, os seios imensos e doloridos dos primeiros meses, a bunda caída do final. E a certeza humilhante de não ter com quem falar sobre o primeiro chute, sobre as cólicas, sobre a vontade aumentada de fazer sexo, sobre a dor nas pernas obrigando a reduzir os saltos. Ninguém a quem mostrar as camisinhas de pagão, a chupeta branca, as calças, as fraldas, os cueiros, a banheira de plástico. Quase tudo comprado aos pares ou pouco mais, para caber no orçamento. Nem pai nem mãe a quem pedir colo, conselho. Ambos mortos. A única irmã morando em Dunquerque. Tão distante quanto antes de Dunquerque. Nenhum namorado, nenhum amor. Só um reprodutor apressado. Trinta e cinco anos e uma vida na barriga. Trinta e cinco anos, uma vida na barriga e outra carregada no próprio lombo. O medo de um aborto, de um parto prematuro, da perda, clichê da humanidade. E as pessoas cobrando esse aborto, chamando de decisão irresponsável levar adiante, dizendo que é fardo. Que fardo? Alguém de quem cuidar nas noites esvaziadas de tudo. Alguém para fazer barulho no silêncio insuportável. Alguém com todas as possibilidades ainda intocadas. Sem ranço, fracasso, impotência, angústia, desistência, solidão, desespero. Que fardo? 

 

Agora, este esbarrão. Olhos que se engalfinham com os meus. Um pedido de desculpas tão intenso que extrapola o fato banal. Um rosto que copia o passado. A barriga imensa, os tornozelos inchados, o nariz alargado. A angústia estourando como ressaca nos olhos. Dúvidas iguais. O medo de ter que ser tudo, de querer ser tudo. Sozinha. Eu sei. Reconheço a mim mesma quando me encontro. Tenho vontade de abraçar essa história nossa. De dizer a ela que a incerteza rasga o afeto; de dizer que dói para sempre seguir sendo o eu e o nós; de dizer que, ainda assim, vale a pena. Mas o momento passa e eu recuo. A vida fará melhor do que eu. A vida não recua.

Ilustração: ShawlinMohd

 

Cinthia Kriemler

 
Retiradode Samizdat

publicado às 21:13

Conto - viúva

por Jorge Soares, em 18.06.16

viuva.jpg

 

Gertrudes Patrício costuma dizer: enviuvei de dois maridos. Mas ela sabe que, com bênção da igreja, assim mesmo casados, foi apenas com Juvenal, o pai da mais nova.
 
Tinham combinado dar o nó mal terminassem as ceifas, e seria boda com o senhor Prior abençoando e as alianças e o véu rojando a pedra vermelha do chão da capela da Senhora das Dores.
 
Mas o destino tem linhas que a gente treslê e, nesse entretanto, ao rapaz deu-lhe um mal de peito. Uma coisa de repente e ainda assim tão grave, que o médico achou por bem enviá-lo para o sanatório. Que o rapaz se tratasse. Que tomasse os ares da serra e depois de curado voltasse.
 
Ficou Gertrudes Patrício, nem casada, mas presa de um descuido ao despedirem-se. Saber-se-ia prenha, já Matias andava por terras de frios e de gelos, e haviam de casar pelo registo por via de uma procuração que Gertrudes pediu. Cartas demoradas na ida e na vinda, mas ficaram casados.
 
E no entretanto de já serem mulher e marido, vieram, entremeadas, outras cartas. Escrevia-as Matias numa caligrafia perra, que a escola dele tinha sido a cuidar dos rebanhos, e o mais fora o senhor padre Honório aos domingos à tarde, a seguir à catequese.
 
Dizia ele, em caracteres a cheirarem a remédio: isto aqui é o inferno. E pedia, numa letra tremida: manda-me umas meias, pela tua saúde, que por estas bandas faz um frio do demo. Gertrudes Patrício teceu-lhas, no esmero das cinco agulhas, de um fio de lã de ter desfeito um casaco que lhe tinha minguado. Junto, havia de enviar-lhe uns figos secos. Nunca os roeria o pai da criança que lhe crescia no ventre, e nem nunca meteria os pés naquelas meias, que quando chegou a encomenda, já os senhores da secretaria tinham dado ao Senhor Director um papel escrito e que o assinasse. No envelope, que seria lacrado, alguém escreveria o nome da aldeia e o nome dela, e colocaria dentro a carta onde o Senhor Director rabiscasse uma assinatura. A carta que Gertrudes receberia uma semana depois, demorada de vir de lá tão longe.
 
Um envelope a cheirar cheiros que não eram dali e nem dos arredores, percebeu o moço que distribuía o correio, e pasmou-se na porta de Gertrudes Patrício, mas ela demorou a abrir o subscrito, e Felisberto pisgou-se que tinha ainda correio na sacola. Teria andado o que valesse a duas moradias, e já ele ouvia o alarido que era Gertrudes clamando. Tinha decerto rasgado o envelope e lá dentro estariam más notícias. Mas Felisberto apressou o passo a sentir assim uma espécie de culpa e nem sabendo que, num papel muito lisinho e muito bem escrito, Gertrudes Patrício tinha lido: faleceu às presumíveis seis horas e trinta e cinco minutos do dia vinte e cinco de Outubro. E ainda mal ela lia o nome completo de Matias e mais o número de inscrição que lhe tinham atribuído no sanatório, e já aquele urro imenso lhe saía, assim como que num alívio que ela fizesse ao peito que lhe tinha ficado num aperto mal lera o remetente.
 
Não acorreu Felisberto, mas acorreu meio mundo aos gritos de Gertrudes.
 
Pobrezinha! Viúva sem quase ter sido esposa, comentavam, de umas às outras, as mulheres.
 
Mas Gertrudes Patrício, ainda que gritando, nem sentia assim uma tristeza desmedida. O que ela clamava era o receio, aquele como que fosse mal que caísse sobre a menina por ter sido a morte de Matias no preciso dia, e na mesma hora, em que, há uns escassos dias, a clamar mais alto que o latir dos cães, pusera Iracema neste mundo.
 
Coisas do acaso que ela dava como coisas do demónio, e Gertrudes Patrício soluçava disso, muito mais do que ela chorava a morte do Matias.
 
E no entanto, logo na tarde desse dia, carregou-se de um negro completo até no lenço que colocou sobre o castanho claro dos cabelos. Um tecido opaco e liso que lhe descaia sobre a testa e lhe ensombrava o rosto.
 
Tinha dezoito anos e sentia o sangue a pulsar-lhe intenso a cada vinte e quatro dias, o período certo e ela, despudorada daqueles vermelhos que se espalhavam no corpo e a afogueavam, carregava-se do negro das mulheres sem marido.
 
E passou um inverno chuvoso, e veio Abril. E passaria ainda aquele Agosto de inferno e chegaria outro dia vinte e cinco de Outubro. Nesse dia de a sua menina completar um ano, Gertrudes Patrício levou Iracema a baptizar.
 
De uso, Gertrudes usava o cabelo atado numa trança que deixava dependurada sobre a nuca e, a cobria-la, por inteiro, a ponta estiraçada do lenço negro.
 
Mas, naquele domingo, ela mudou-se.
 
E nem o fez no propósito de aliviar o luto.
 
Sentou-se em frente do espelho e apeteceu-lhe.
 
E foi assim, num descuido, que ela prendeu a trança no alto da cabeça como nem era seu costume e, por cima daquele chinó quase loiro de ser o cabelo dela de um castanho tão claro, deitou um véu rendado: um tule negro e muito fino onde resmalhavam, bordadas num tecido aveludado, umas florinhas miúdas, elas também negríssimas. Do transparente do véu, soltava-se o branco muito alvo que era a sua pele no arqueado elegante do pescoço, e desvendavam-se-lhe as orelhas que ela tinha, maneirinhas, um tudo nada salientes; nelas dependurou, vagarosa, umas arrecadas  pequenas em oiro de lei.
 
Gertrudes Patrício, que apenas na alvura da roupa debaixo se livrava do negrume daquele luto de viúva, ia baptizar a sua filha e não sabia que entraria quase nua na igreja.
 
Os homens cumprimentaram-na no adro: muito bom dia Senhora Dona Gertrudes. E descobriam as cabeças do chapéu ou da boina, mas era como a viam: Gertrudes Patrício a entrar descomposta na igreja.
 
Assim a viam eles e assim também a viam as mulheres. As que ficavam ao fundo da Igreja, e as senhoras de lugar cativo na fila da frente. Umas e outras cochichavam entre si disfarçando as falas como se dissessem mais um Padre-Nosso ou uma Ave-Maria: que vergonha! E benziam-se como que a exorcizarem um mal do demo.
 
Gertrudes Patrício despida da sua condição de viúva por via daquele chinó que trazia no alto da cabeça, descobertas as orelhas, desnudado o alvo do pescoço no transparente daquele véu.
 
Assim a terá visto Juvenal a servir-se de água para o sinal da cruz na pia da entrada: Gertrudes Patrício mais nua que vestida. 
 
Ele a poisar os olhos no tom leitoso do seu pescoço e Gertrudes Patrício a rodar o corpo no banco em que se sentava. 
 
Um gesto sem remédio, dirá ela a recordar o cruzar de olhos que fizeram na Igreja onde estava para baptizar Iracema, a filha do Matias.
 
Maria de Fátima Santos
 
Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

Conto - “A infinita fiandeira”

por Jorge Soares, em 16.04.16

fiandeira.jpg

 

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.


E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem nem finalidade. Todo bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatias funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.

Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.

– Não faço teias por instinto.
– Então, faz porquê?
– Faço por arte.

Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:

– Minha filha, quando é que acentas as patas na parede?
E o pai:
– Já eu me vejo em palpos de mim…
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:
– Estamos recebendo queixas do aranhal.
– O que é que dizem, mãe?
– Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.

 

Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.

– Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.

E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?

A aranhiça levou o namorado a visitar sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.

A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Qaundo ela, já transfigurada., se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?

– Faço arte.
– Arte?

E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

 

Mia Couto

No livro “O Fio das Missangas”

Retirado de Revista Pazes

publicado às 21:13

Conto - A mulher e o gorila

por Jorge Soares, em 12.03.16

Monga-a-mulher-gorila-parque-guanabara-04.jpg

 

Imagem de aqui

 
 
... e o segredo é a sincronização. A mulher e o gorila têm que estar em marcações certinhas, para que a imagem de um sobreponha a do outro no reflexo do vidro. Só não é um truque mais velho do que o circo porque a lâmpada foi inventada por Thomas Edson somente no século 19, meu camarada. Mas é claro que é necessário ter luz! Eu te explico o funcionamento: em um cubículo fica a garota, trajes sumários, bem sensual, em outro, num ângulo de 90 graus e de frente para a plateia fica o cara fantasiado de gorila. No meio, perfazendo um ângulo de 45 graus, um vidro. No mais, basta um bom iluminador. No início, o público vê a imagem da mocinha de biquíni refletida no vidro. Quando a luz vai se apagando e simultaneamente vai se acendendo a do cubículo do gorila tem-se a impressão que a menina está se transformando no primata. É... primata. Um lance de escala zoológica, não estudou isso na escola? Desculpe, não quis ofendê-lo. Mas, onde é que eu estava? Ah... depois que o público está vendo só o gorila, remove-se o vidro, ele rompe o cadeado da jaula, sai correndo atrás dos expectadores, é contido pelo domador e o número acaba. Acho que essa gente que mora no cu do mundo — quando aparece um cirquinho mequetrefe é um acontecimento para a cidade — acredita realmente na mulher-gorila. Povinho ingênuo, hein? Como é que eu sei tudo isso? Fui o gorila durante anos em um espetáculo circense, ora.
 
 
Calor aqui, né? Que espelunca. Bebida horrível, música mais brega que Reginaldo Rossi. Mais uma branquinha? Por minha conta. Obrigado por me ouvir. As pessoas perderam a paciência de escutarem umas as outras. Sim, sou novo na cidade, difícil de me enturmar. Como eu ia dizendo, fiz o gorila durante um tempo no Circo Irmãos Graziani cujos proprietários na verdade eram dois paraguaios que usavam o nome de um atacante perna-de-pau da seleção italiana de 82. Vida boa, comida mais ou menos, trailer para dormir e um salariozinho para gastar na zona de cada cidade onde parávamos. Trabalho fácil. Bastava fazer uns ruídos de gorila, socar o peito e correr atrás dos idiotas. O que estragou foi quando a Giovana deu um chilique, deixou o circo e contrataram uma nova mulher-gorila. Mulherão, altona, cabelão descendo em cascata pelas costas, pele de marfim, peitões de americana de filme pornô e uma bunda incomensurável, bunda brasileira, carnuda, redonda, algo divinal. Gamei na hora. Foi uma merda. Todo dia ela de biquíni rebolando na câmara ao lado e eu de fantasia de gorila, transbordando tesão por todos os poros. Ela era safada, me dava trela e depois fugia, escorregadia feito um peixe ensaboado. Não sei por que esse negócio de peixe ensaboado. É verdade, fico divagando, fugindo da narrativa. Bom, fiquei meses nessa lenga-lenga, me declarei, disse estar apaixonado, o diabo a quatro. O máximo que ela me deixava era tocar naquelas mamonas assassinas, mas por cima do sutiã do biquíni antes da apresentação e mesmo assim tinha que pagar vinte contos para a ordinária. Isso, uma grandíssima piranha, você tem razão.
 
 
Meu mundo ruiu quando eu descobri que ela era amante de um dos Irmãos Graziani, o Paquito, se eu não me engano. Eram gêmeos idênticos. Envenenado de ciúmes, julgando-me traído toquei fogo no circo, literalmente. Um prejuízo enorme. Não, não morreu ninguém. Apenas dois pôneis e a pombinha do mágico. Do circo, não sobrou nada para contar história. Julgado, peguei cinco anos de tranca. Saí com dois. Réu primário, bom comportamento. O processo civil ainda corre na justiça. Temo pagar milhões de indenização para aqueles italianos de araque com sotaque espanhol.
 
 
Agora, estou aqui, dentro desse cabaré infame, com a infeliz ali, razão da minha perdição, ex-mulher-gorila dos infernos, pendurada no poste, se rebolando para os clientes. Se chama pole dance? Esquisito. É inglês? Qual é o nome de guerra da vagabunda? Gigi? No circo se chamava Laurinda. Sei lá se esse é o nome verdadeiro da desgraçada. Soube que ela está de rabicho com um mágico, um tal de Mondrique, de um circo mais chinfrim que o Irmãos Graziani armado por estas bandas. Quer saber? Pego mais trinta anos mas me vingo desta mulher. Dizem que o novo macho dela tem poderes sobrenaturais? Pago pra ver!
 
Zulmar Lopes
 
 
Obs: terceiro conto publicado na antologia "Respeitável Público - Histórias de Circo e Outras  Tragédias" - Editora Penalux

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

Qual o objectivo do dia internacional da mulher?

por Jorge Soares, em 08.03.16

apav-gabinete-de-apoio-a-vitima-cascais_xl.jpg

 

-O que é que se festeja no dia internacional da Mulher?

-Há muitos anos umas mulheres morreram queimadas numa greve nos Estados Unidos

 

A conversa foi cá em casa e envolveu duas das três mulheres que cá moram, não consegui evitar intervir e esclarecer:

 

-Não é nada disso, o dia Internacional da mulher foi instituído para chamar a atenção para a enorme desigualdade de géneros que existia a meio da década de 70 do século passado.

 

Na realidade ninguém tem a certeza que tenha acontecido mesmo nos Estados Unidos uma greve em que centenas de mulheres terminaram por morrer queimadas dentro da fábrica em que trabalhavam, mas por incrível que pareça, há muito mais gente a associar o dia 8 de Março a este facto que ao verdadeiro motivo da sua instituição.

 

O dia internacional da mulher está no calendário porque durante muito tempo o papel da mulher na sociedade era menosprezado pelo homem, durante séculos a mulher estava condenada a ter um papel secundário que a remetia para a cozinha e os fundos da casa. Durante a revolução industrial a mulher foi incorporada na mão de obra activa nas grandes fábricas, mas quase sempre em condições insalubres com jornadas de trabalho intermináveis e salários de miséria.

 

Hoje em dia a mulher tem um papel muito mais activo na nossa sociedade, mas falta ainda um longo caminho por percorrer para uma igualdade plena de direitos e sobretudo para uma efectiva protecção das mulheres contra a violência doméstica e de género... 

 

Que o dia das mulheres seja todos os dias e não uma vez por ano....

 

Jorge Soares

publicado às 13:09

piropo.png

 

Imagem de aqui

 

Dizem que há imagens que valem por mil palavras, bom, hoje vi um vídeo que vale por todas as palavras do mundo.

 

Confesso, eu fui dos que achou a nova lei contra o assédio um enorme exagero, até falei sobre o assunto... duas vezes (aqui) no último post alguns comentários de senhoras deixaram-me a pensar:

 

"Certamente não será o ponto de vista de adolescentes e jovens mulheres que, como eu, andaram anos de transportes públicos e ouviram sussurrar ao ouvido ordinarices do pior.
Faça um exercício, coloque-se na posição de quem ouve coisas como "mandava-te três sem tirar" ou da sua filha, se a tiver e depois volte a escrever"

 

Ou este:

 

"A visão masculina sobre os piropos é muito engraçada, porque nunca se viram violados na sua essência. Começamos a ouvir piropos com 12 anos, e não venham dizer que as meninas se vestem como mulheres e se põem a jeito. Lembro me de ser menina, de ainda gostar de brincar com bonecas e evitar passar perto de obras, oficinas, esplanadas de cafés, porque sabia que iria ouvir algum piropo, que com 12 anos apenas servia para me ofender, melindrar, envergonhar. Hoje com 33 anos continuo a não gostar de ouvir um piropo apenas porque os homens acham graça. Sou gira, gostos de me vestir bem, não sou provocante, mas nada disso vos dá o direito de invadirem o meu direito, ou será que afinal temos a mentalidade da Arábia Saudita em que as mulheres tem de usar burka para não atiçar as mentes masculinas. Vamos evoluir um pouco, porque um dia vão ouvir esses mesmos piropos ditos às vossas filhas, irmãs, namoradas e aí cuidado que afinal já não tem piada. Tenham vergonha."

 

Sou o suficientemente humilde para reconhecer que estava errado, já não tenho idade para ter a visão tonta e quase adolescente sobre este assunto que estava a mostrar, se seguirmos o conselho da senhora que me deixou o primeiro comentário e nos colocarmos no lugar das mulheres, se calhar ficamos com uma visão diferente sobre o assunto.

 

Imagino que para a maioria dos homens não será fácil colocar-se do outro lado.... bom, o seguinte vídeo ajuda, meus senhores, imaginem que era com vocês e pensem como reagiriam.

 

 

 

Um trabalho brilhante e sobretudo, esclarecedor!

 

Nunca é tarde para aprendermos e revermos os nosso conceitos.. .e sim, a senhora do segundo comentário tem razão, devíamos ter vergonha.. eu tenho!,

 

Jorge Soares

publicado às 21:44

Carol

por Jorge Soares, em 11.02.16

carol.jpg

 

Imagem de aqui 

 

A minha filha mais velha levou-me com ela ao cinema, está-se a tornar um hábito, porque antes deste tinha ido ver o Star Wars com o meu filho...  ok, ela tem melhores gostos para escolher filmes.

 

Carol é um filme com poucas personagens, com pouca história e com pouca acção, poderíamos dizer que é um filme simples com uma história muito complicada.... mas não deve ser nada disso porque está nomeado para o Óscar em nada menos que seis categorias... não há filmes simples com seis nomeações para o Óscar... ou será que há?

 

Algures a  meio do século passado Carol conhece Therese por mero acaso. Carol é uma mulher de classe alta e de meia idade que está prestes a divorciar-se. Therese é uma jovem de classe baixa que trabalha na secção de brinquedos num grande armazém, gosta de fotografia e procura um sentido para a vida.

 

Não é a primeira vez que Carol se relaciona com uma mulher, Thereze vai pouco a pouco ao longo do filme descobrindo que o amor não tem que ser entre um homem e uma mulher e que também pode ser entre dois homens ou duas mulheres....

 

E a história é isto, pelo caminho ficam o namorado de Tereze e a família de Carol, não sem alguns dramas e sofrimento pelo meio.

 

A trama baseada num livro de  Patricia Highsmith desenrola-se algures nos conservadores meados do século XX americanos. A meio do filme dei por mim a pensar que se tivessem escrito a mesma história num contexto actual nada seria muito diferente... em algumas coisas o mundo não mudou assim tanto nos últimos 50 ou 60 anos... O amor entre duas pessoas é e continuará a ser o amor, todos ... bom, uma grande parte de nós, gostaria que o preconceito não continuasse a ser o preconceito, infelizmente isso demora a acontecer.

 

Cate Blanchett é Carol, Rooney Mara é Thereze, ambas são lindas e estão nomeadas para o Óscar como actriz principal e secundária, respectivamente.... não vi os outros filmes nomeados, mas por mim já ganharam as duas, as actuações são soberbas. As outras nomeações são: Melhor fotografia, Melhor Guarda roupa, Melhor banda sonora  original e  Melhor guião adaptado.

 

Não liguem àquela  parte de ser  um filme simples, não deixem de ir ver, aposto que não dão o tempo por perdido.

 

Já combinei com a minha filha,  na primeira oportunidade vamos comprar o livro.

 

Jorge Soares

publicado às 22:12

Conto - As Vitalinas

por Jorge Soares, em 06.02.16

vitalinas.jpg

Cícera acordou sobressaltada e agarrou o peito como quem segura um pássaro ferido. Marilda, deitada na cama ao lado, riu do desassossego da irmã e fingiu pouco interesse ao perguntar se havia sido o mesmo sonho. Sentando-se com dificuldade no gasto colchão de estopa, Cícera confirmou a suspeita fraterna com um aceno de cabeça. O pesadelo que perturbava suas poucas horas de sono havia se repetido.

         ― Ciça, um dia tu me conta que diacho de sonho é esse? ― quis saber a mais jovem das idosas, enquanto calçava as sandálias que mal enxergava com seus olhos miudinhos.

         ― Te preocupa com o manto da santa, Dindinha. Depois do café, vou preparar o altar. Pirru já chegou pra varrer a casa e passar o pano? ― perguntou incomodada, certa de que o rapaz que lhes ajudava nos afazeres domésticos havia se atrasado.

         ― Sei não ― respondeu Marilda esfregando as pernas. ― Acordei com teus bodejo. Anda, te sacode que o dia hoje vai ser comprido.

         Na pequena Cabo Amaro, todos conheciam e respeitavam as irmãs Alvarenga, últimas descentes de uma família que emprestava o nome à pracinha da cidade. Cícera e Marilda eram tão velhas quanto as lendas locais, amalgamavam-se ao folclore e causos transmitidos às novas gerações de contadores de história. Muito se falava sobre a natureza dócil e solteirice de ambas, mas poucos sabiam a verdade.

 

 

 

Emerson Braga

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:13

Todas as revoluções precisam de uma flor

por Jorge Soares, em 22.01.16

marisa matias.jpg

 

Imagem de aqui

 

É  para mim a frase desta campanha eleitoral, foi dita por um popular algures a norte  à passagem de Marisa Matias.

 

- Todas as revoluções precisam de uma flor

 

A campanha eleitoral das últimas legislativas foi marcada por uma mulher, Catarina Martins, esta campanha para as presidenciais ficou marcada por outra mulher, também ela  do Bloco de Esquerda, Marisa Matias.

 

Salvo raras excepções, a politica portuguesa tem estado marcada pelo domínio masculino com o resultado que se tem visto, saúda-se a chegada de mulheres de garra como Catarina Martins, Marisa Matias, Mariana Mortágua e tantas outras que deixam no ar um perfume de mudança

 

Se todas as revoluções precisam de uma flor, da esquerda portuguesa surgem muitas flores... ainda bem.

 

Jorge Soares

publicado às 21:37


Ó pra mim!

foto do autor


Queres falar comigo?

Mail: jfreitas.soares@gmail.com






Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2009
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2008
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2007
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D