Dagoberto descendia de uma linhagem muito especial. Desde o século XIX, quando Dagoberto Lemos de Castro batizou seu primogênito como Dagoberto Filho, uma tradição teve início naquela família: todos davam seu nome ao filho mais velho. O sobrenome da mãe sumia em meio a Dagoberto Filho, Neto, Bisneto. Quando chegou a vez da quarta geração, optou-se pela numeração, dando origem a Dagoberto Quinto, Sexto, Sétimo... Fosse por ignorância acerca da terminologia, fosse por considerar, no íntimo, que o número conferia um ar meio de realeza à família, todos, desde então, reproduziam ad eternum a sina de Dagoberto.
Tudo ia muito bem, até que a mulher do Bertinho – ou Dagoberto Lemos de Castro VII – decidiu pôr fim àquela tradição que, segundo ela, além de machista, era ridícula.
– Eu não quero nem saber dessa palhaçada! – ela esbravejava, indignada. – Filho meu não vai ter o nome do seu tataravô!
– O que é isso, Lurdinha?! É o meu nome também...
– E o do seu pai, do seu avô, e de gente que eu nunca conheci. E é nome antigo, Berto! Eu quero um nome atual pro meu filho...Tipo Pedro, Gabriel... – ela suspirava, sonhadora.
– E desde quando nome de apóstolo é atual, Lurdinha? E Gabriel foi o anjo que anunciou a vinda de Nosso Senhor...
– Mas você vê crianças com esse nome, homem! Já Dagoberto, só você... E toda a sua família. Eu quero que meu filho seja feliz!
Os dias se passavam, e o irmão teve dois filhos. Para manter a tradição, batizou os gêmeos de Zé Roberto, e Humberto.
– Zero e um. Sorte a deles não serem trigêmeos – caçoou Lurdinha.
– E o nosso filhinho, quando vem? – pedia, esperançoso.
– Se depender de mim, nunca! Não quero ser a chocadeira de mais um Dagoberto pra essa ninhada. Quero que meu filho seja feliz!
Mas o destino estava do lado de Dagoberto, e a mulher descobriu-se grávida. Na tentativa de apaziguar os ânimos, ele ensaiou um trato:
– Vamos fazer o seguinte: se for uma menina, você escolhe o nome. Se for menino, quem escolhe sou eu.
– Escolhe nada: aí é mais um Dagoberto na área. Nada feito. Quero que meu filho seja feliz! – e encerrou a conversa.
Chegou o dia do parto, e a polêmica continuava. Nem o sexo eles quiseram saber antes, para manter a paz até o nascimento da criança. Na hora de entrar no centro cirúrgico, Lurdinha ainda teimava:
– Eu não quero esse nome no meu filho! Não quero, ouviu??!!
– Tudo bem, meu amor. Mesmo que seja um menino, você escolhe o nome.
– Eu só quero que meu filho seja feliz – repetia ela, entre uma contração e outra.
– Está bem, Lurdinha. Tudo bem.
O menino nasceu lindo e saudável. Dagoberto olhava nos olhos da criança, tentando encontrar uma saída para o impasse que se criara.
No dia seguinte, Berto foi visitá-los no quarto da maternidade. A mulher e o filho ainda pareciam mais belos à meia-luz.
– Registrei nosso menino, querida! Fiz o que você me pediu. – disse ele, agitando a certidão nas mãos. A mulher olhou-o, incrédula.
– Ele não tem o meu nome, Lurdinha. Ele será Feliz...berto.
Tatiana Alves
Retirado de Samizdat