Era assim que ela pensava nele. Com o sexo pulsando dentro da lingerie recém-comprada e os bicos dos seios em riste, dois olhos varando o tecido leve do vestido. As entranhas se repuxando e se esticando num clímax de veias e órgãos; o suor escorrendo pelo corpo, formando alagamentos onde as curvas e desvios e orifícios permitissem.
Um ano antes e nada era assim. Nem a vida em estado de graça, nem a respiração acelerada, nem a vagina depilada para sentir a pele dele encostando-se à dela. Um ano antes e ela não sabia como era esse calor que consome como o fogo do inferno. Não contava com nada além dos próprios dedos acanhados dentro da calcinha larga, e com o orgasmo silencioso no quarto escuro, e com a moleza do corpo que a deixava dormir um sono pesado.
O único homem com quem tinha dormido já fazia tempo. Um bêbado estúpido que lhe concedia duas horas por semana, enquanto a esposa perfeita acreditava que ele estava com os amigos. No começo, se arrumava e se enchia de cremes e perfume. Fazia jantar e sobremesa para esperar por ele. Comprava flores para a jarra de cristal. E soltava os cabelos para vê-los se agitar numa cavalgada que nunca aconteceu. O que aconteceu foi a certeza de que somente as garrafas de uísque precisavam ser renovadas a cada duas semanas.
Mas, um ano antes, tudo havia mudado. Quando ela já não esperava por nada. Não que ter trinta e seis anos a incomodasse. O que arrebentava por dentro era o medo de só ler nas revistas aquelas carícias e sensações incríveis. Não precisava de homem para pagar as contas, para trocar as lâmpadas, para carregar peso, para conversar. Queria um homem de cama, devasso, com pegada forte e cheiro de toda hora. Nada de companheirismo ou de jantares. Cama.
Foi o que teve. É o que tem. Há um ano, um mês e doze dias.
Nada demais, quando se conheceram. Aliás, tudo de menos. Um segurança vulgar de boate, fazendo pose de policial americano dentro de um terno preto surrado. Uma briga qualquer que saiu do controle, o salto do sapato quebrado e ela no chão, sentindo a dor de cada pisada sem conseguir se levantar. Até que tudo parou. E ela se sentiu no ar, naquele colo imenso. O braço dele, rijo, sob as suas coxas; o suor daquele peito que a acolhia, protegia.
No elevador, mais tarde, sem se importar com os pontos no rosto e com os hematomas doloridos, ela se entregou a ele como um bicho. Nenhuma delicadeza. Nenhum pudor. Apossou-se dele com os dentes, com a boca, com as mãos, com as pernas entrelaçando-lhe a cintura. Gemendo num tesão enlouquecido.
Nunca mais parou de gritar durante o sexo. Na hora do almoço, em casa, sobre a cama grande e perfumada; no fim da tarde, na cama estreita do quarto barato em que ele morava. Tudo para esperar a noite, em que qualquer canto escuro e sujo perto da boate servia para o coito rápido. Dois intervalos para fumar. Era o que ele tinha. Duas trepadas em pé. E ela, sem freios, imaginando o logo mais, quando o arrastaria, no fim da madrugada, para o apartamento dela. E fariam sexo mais uma vez, na garagem, no chuveiro, no corredor ainda escuro do prédio.
Um ano antes e nada era assim. Agora, a urgência insaciada agoniando o corpo. Ele dizendo que ela precisa parar, que ela está doente. Ela não querendo se curar dessa doença, dizendo que não é doença, que é vontade de cama. Desconfiando que ele arrumou outra e quer se livrar dela. Que ele e a outra transam, às escondidas, enquanto ela está no trabalho se acariciando no banheiro apertado sem poder gritar; ou enquanto ela ainda está em casa, à noite, esperando pela hora do intervalo dele. Tendo certeza de que ele e a outra estão, neste instante, rindo, mordendo, gemendo feito bichos. Olhando para a arma que pegou no armário dele e pensando que, antes de matar e de morrer, ela quer transar mais uma vez, só mais uma vez.
Ilustração: Escultura em mármore O Rapto de Proserpina, de Gian Lourenzo Bernini (Séc. XVII)
Ilustração: Escultura em mármore O Rapto de Proserpina, de Gian Lourenzo Bernini (Séc. XVII)
Cinthia Kriemler
Retirado de Samizdat