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Conto - O rapto de Hélade

por Jorge Soares, em 09.04.16

nikolai burdykin.jpg

 

 
Na pátria dos Aqueus, em tempos de ninfas e faunos, a vida decorria airosa e prazenteira. Vivia-se ao sabor das estações, aproveitando as benesses que a Natureza generosa estendia aos habitantes daquela ampla península sulcada por múltiplas enseadas abertas ao Mar Egeu.
 
Hélade, jovem e bela helena na flor da idade, tinha crescido, muito tempo depois, nesse mesmo benévolo ambiente, e instruíra-se na cultura do seu país, pelo que nenhuma das principais antigas mitologias lhe era estranha. Por isto, estando um dia em folguedos com as amigas, na almargem litoral das terras de seu pai, não estranhou, quando um boi muito branco se separou da manada e se aproximou das donzelas, manso e sedutor. Imediatamente lhe acudiu ao pensamento a história pitoresca da sua antepassada Europa, que, por via da mansidão encantadora de um boi resplandecentemente branco, fora raptada, levada para Creta e seduzida.
 
O relato mitológico não era completamente inquietante, porque o boi que raptara Europa não fora outro senão Zeus disfarçado, querendo aproximar-se da formosa mortal sem suscitar os ciúmes mais do que justificados de sua mulher, Hera, e também porque o desenvolvimento da história não tinha terminado completamente mal: Europa tinha tido três filhos de Zeus, que foram homens importantes do seu tempo. Os chifres do boi que se acercou do grupo de Hélade tinham a mesma forma de duas luas em quarto crescente e, como na lenda, deitou-se aos pés da jovem. Assim, foi quase natural acariciar-lhe o lombo e a cornadura e, pouco depois, enfeitá-la com grinaldas de malmequeres e outras flores silvestres. O pelo macio e resplandecente do boi, a sua mansidão, a euforia juvenil do grupo e ― não o escondamos ― a expectativa ainda que inverosímil de uma grande e excitante aventura levaram a donzela a arriscar subir para o dorso do belo animal. Como ela temia ― ou desejava? ― o boi levantou-se e em passo ligeiro dirigiu-se para a praia, atravessou a areia e entrou no mar, sob os gestos animados e os risos divertidos do grupo de jovens.
 
 
 
 
Joaquim Bispo
* * *
Imagem de Nikolai Burdykin, na net.

 

Retirado de Samizdathttp://www.revistasamizdat.com/2015/07/o-rapto-de-helade.html

publicado às 20:42


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