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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
"Deus existe porque o homem sozinho não consegue existir. Morre. Vive um bocadinho, faz umas coisas e depois morre. Deus existe porque a Arte não é suficiente. Deus existe porque o Amor não chega. Deus existe porque o homem sozinho é pior. É mais mau. É mais triste. É mais só."
Miguel Esteves Cardoso
Na semana passada por motivos de uma pequena cirurgia a uma vista, passei 24 horas na oftalmologia do Hospital Garcia da Horta, a meio da manhã antes de que me levassem para o bloco, para a cama ao lado da minha chegou um homem que manhã cedo tinha tido um acidente de trabalho, um descuido e se calhar a falta de óculos de protecção, fez com que uma vareta de plástico lhe acertasse em cheio numa vista.
Brasileiro, com um daqueles nomes que não lembra ao diabo, não se cansava de repetir a história a cada pessoa que se acercava da cama dele:
- Estava mesmo no fim do turno, já quase ia para casa e de repente sentiu como aquilo lhe acertava na vista, de repente ficou tudo negro, sentiu sangue e ele só pensava que agora aos 50 anos, ia ficar sem a vista, como é que isso era possível?
-Felizmente deus é grande e nas urgências do hospital o médico tinha-lhe dito que era grave, mas não tão grave como parecia, que com um bocado de sorte, ele ia ficar bem... graças a deus, deus tinha sido muito bom com ele e não lhe tinha tirado a vista.
E a história era repetida uma e outra vez, a cada doente, enfermeira ou auxiliar que por ali passava... eu fui ouvindo em silêncio e só me apetecia perguntar ao homem, se deus era assim tão bom para ele, porque raios é que tinha permitido que a vareta lhe acertasse na vista, não era muito mais simples ter arranjado modo de que nada daquilo acontecesse e ter-lhe poupado a ele o sofrimento e ao médico o trabalho de lhe estar a reconstruir uma parte do olho?
Finalmente levaram-me para o bloco, quando acordei a meio da tarde também já o tinham operado a ele, com anestesia local, imagino o que o pobre homem terá passado. Felizmente para ele os médicos fizeram um excelente trabalho e conseguiram resolver todas as desgraças que ele tinha sofrido naquela vista.
O tempo ia passando e ele ia contando a história agora também via telemóvel, estava feliz porque lhe garantiam que ia ficar bem, graças deus os médicos tinham-lhe conseguido salvar a vista... porque deus era grande e tinha-lhe salvo a vista. Das primeiras pessoas para quem ligou foi para o pastor da igreja, a pedir para fazer uma oração a agradecer que ele estava bem.
Não sei se era da anestesia pela que eu tinha passado ou do incómodo da vista operada, mas aquilo já me estava a irritar, o homem não se calava.
Chegou a hora das visitas, e com ela a pastora da igreja dele, com roupa, o carregador do telemóvel para ele poder continuar a contar ao mundo como deus é bom e lhe salvou a vista, comida e outras coisas pessoais. Depois chegaram mais pessoas, todas da igreja evangélica...
Dei por mim a pensar que não fosse a igreja e ele não tinha visitas, nem quem lhe viesse trazer as coisas, nem quem o viesse buscar quando tivesse alta.... Um dos amigos que o vieram visitar disse isso mesmo, tinha estado 22 dias num hospital e não teve nem uma visita.. e foi lá, nesse hospital, que ele se virou para deus.
A solidão é algo terrível, não me parece que deus tenha tido nada que ver nem com o acidente nem com a cura. Se calhar se estivesse menos cansado depois de trabalhar a madrugada toda e usasse equipamento de protecção adequado, aquilo não tinha acontecido. Quanto à cura, sorte e bons médicos fazem milagres todos os dias.
Podemos pensar se deus é bom porque ele não perdeu uma vista, ou que é mau porque permitiu que aquilo acontecesse, mas não deixa de ser verdade que para ele e para muita gente que vive completamente só, a igreja, pelo menos a igreja dele, não deixa de ser uma coisa muito boa.
Já o disse aqui mais que uma vez, deus só existe porque falhamos como seres humanos, felizmente ainda há quem, como aquela pastora e aqueles amigos dele, se agarre a deus para fazer o bem.
Dito isto, deus não existe, ponto final
Jorge Soares
PS: Não tem nada a ver, mas fui muito bem tratado pelo pessoal da oftalmologia do Hospital Garcia da Horta, simpáticos e atenciosos quanto baste e extremamente profissionais.
Imagem minha do Momentos e olhares
Depois daquela queda nos nos Açores, e daquele dia a ver passar a vida e até a morte nos corredores do hospital de Setúbal de que falei neste post, fiquei com uns parafusos a mais e uma placa metálica no tornozelo. Hoje foi dia de ir "retirar o material", que é o termo engraçado que os médicos utilizam quando explicam o que nos vão fazer.
A coisa estava marcada para as 15:30, em ambulatório, o que significa que não tive que estar dois dias a passar fome no hospital. Cheguei a horas e munido de um bom livro, mandaram-me esperar na sala e passados uns 15 minutos fui chamado...
Lá me mandaram despir e vestir a bata do hospital, passados uns minutos estava deitado e com o soro no braço, e passado muito pouco tempo já estava a ser anestesiado. Comecei a ficar preocupado quando me perguntaram de que lado estavam os parafusos... eu tenho uma cicatriz de cada lado do pé e ninguém me pareceu lá muito seguro sobre onde deveria ser o corte. Aquilo já me estava a irritar, mas finalmente lá apareceu o médico que me tinha colocado os parafusos e esclareceu o enigma.
Ser operado com anestesia local é sempre garantia de que vamos ter coisas para contar, e hoje não foi diferente. Lá me abriram o tornozelo e começaram a tentar tirar os parafusos. Como qualquer outro parafuso, para estes também se utiliza uma chave de parafusos, passado um bocado começo a ouvir o médico reclamar que a chave é uma porcaria, não desaperta nada e que dá cabo dos parafusos.... É claro que eu não estava a achar piada nenhuma, e menos quando começo a sentir que o homem está a fazer uma força enorme, e continua a reclamar com a chave... até que alguém manda ir buscar outra chave ao outro bloco.
Entretanto eles continuam com o trabalho que a certa altura me parece mais de escopro e martelo que de desaperto de parafusos.... e deixei mesmo de achar piada foi quando começo a sentir que o bater deles começa a ter consequências e começo a sentir dores.
Finalmente lá chegou a nova chave e lá conseguiram retirar o ultimo parafuso. Depois disso ainda assisti à conversa sobre a diferença entre as duas chaves, e o porquê é que a outra não servia... afinal não era para aquele tipo de parafusos....
Por volta das 18, e ao contrario do que eu esperava, pois ia preparado para horas de espera, já estava a voltar para casa, mais leve..e com ainda menos parafusos.
Jorge Soares
PS:Vão votar nos Xutos para melhor grupo do ano nos prémios da MTV, é aqui
Na semana passada vi uma noticia em que se falava de um bloco operatório de um hospital privado que foi encerrado porque descobriram um pequeno insecto na sala de esterilização.
Acho que já todos vimos os filmes em que os médicos se lavam, vestem as batas todas e entram na sala sem tocar em nada. Eu nunca tinha passado por um bloco operatório, e é uma experiência que não quero repetir... mas não deixou de ter alguns aspectos interessantes....vejamos:
Eu tinha estado 10 horas numa maca num corredor do hospital, a ver passar a vida e até a morte, portanto foi alivio o que senti quando me levaram. Primeira constatação, fui recebido por um bando de mulheres.... só mulheres.. que depois das mesmas perguntas que já me tinham feito umas dez vezes.... e de me passarem para uma mesa fria, me despiram completamente. Eram simpáticas, aliás, como todas as pessoas que encontrei nos 3 hospitais em que estive. Não sei o que me deram, mas lembro-me de me falarem dos tipos de anestesia e de decidirem que era só para as pernas, de me perguntarem sobre os meus filhos e que alguém ficou baralhado por eu ter dois filhos de 8 anos que não são gémeos... e de se falar sobre as sogras.
Entretanto foram chegando mais mulheres, levaram-me para o bloco e foi a vez da anestesista, que me esteve a apalpar a coluna durante muito tempo. Alguém muito simpático agarrou-me um braço e disse-me para fazer de gato assanhado, e eu fiz... finalmente a anestesista lá encontrou o lugar certo e espetou a agulha.... tentou dizer que ainda não era ali... mas eu senti de imediato o medicamento a correr. Entretanto deram-me algo que supostamente me ia fazer sentir bem... e entrei num estado de euforia.
Depois disso lembro-me de estarem a discutir os tipos de chapas e parafusos para o meu tornozelo...e de pedirem a broca..e de ouvir o berbequim a trabalhar...e pareceu-me ouvir.... um telemóvel.... sim, um telemóvel dentro do bloco operatório...e que alguém deixou o que estava a fazer e foi atender..... e mais brocas...e o médico a pedir a câmara para ver a imagem...e outro telemóvel, um diferente.. mas também estava lá dentro..e de novo alguém deixou o que estava a fazer e foi atender.
Lembro-me que a sala estava gelada e que sai de lá a tremer..... que os enfermeiros do recobro foram de uma simpatia extrema...... mas não deixei de pensar se os telemóveis estariam esterilizados..... e se as pessoas que foram atender estariam a fazer algo importante na operação....algo que podia esperar. E depois voltei-me a lembrar quando ouvi a noticia do bloco que foi encerrado porque alguém encontrou um insecto na sala de esterilização.
Já farei um post sobre como fui bem tratado nos 3 hospitais, Ponta Delgada, Setúbal e Outão.... mas fiquei a pensar no assunto.
Jorge