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Continuamos a ser Charlie?

por Jorge Soares, em 07.01.16

jesuischarlie.jpg

 

Imagem de aqui

 

Passou um ano desde o ataque ao Charlie Hebdo, naquele dia acordamos por via indirecta e da pior forma para a realidade de uma guerra que até aquele momento estava longe da vista e longe do coração algures Síria e no Iraque.

 

Durante uns dias e perante o choque de uma dúzia de mortos numa cidade que para muita gente é um símbolo do romantismo, todos fomos Charlie e todos condenamos a barbárie de um ataque cobarde e, aos nossos olhos, sem sentido.

 

Passado uns tempos a mesma guerra haveria de nos entrar de novo pela casa dentro via televisão e redes sociais na forma de centenas de  milhares de pessoas que deixando tudo para trás e muitas vezes arriscando as suas vidas e as dos seus,  insistiam em atravessar fronteiras para poderem ter direito a aquilo que a maioria de nós dá por garantido, uma vida.

 

Nessa altura a maioria esqueceu-se que era Charlie e que aquelas pessoas queriam chegar à Europa, rica,  precisamente porque estavam a fugir dos mesmos que (nos) tinham atacado em Paris... ser Charlie é giro desde que eles fiquem na terra deles ou na terra dos que são como eles.

 

Entretanto a guerra voltou a Paris, esta vez de uma forma mais organizada e talvez por isso as mortes passaram da dezena para mais de uma centena.... e um destes dias voltará em Paris ou noutra cidade europeia qualquer e quem sabe quantos mais morrerão.

 

Apesar de do Charlie Hebdo, do Bataclan e de todas as vidas que se perderam, a verdade é que na Síria e no Iraque tudo continua igual, nada mudou, a guerra continua e pouco ou nada se fez para que as coisas mudassem, os bons e os maus continuam a ser apoiados e alimentados, porque para além dos milhares que fogem e/ou morrem, por trás de tudo isto há sempre alguém que ganha com a guerra, com esta ou com outra qualquer e por isso não interessa muito que ela acabe.

 

Continuamos a ser Charlie? Não, claro que não, porque na maior parte dos casos nunca o fomos.

 

Jorge Soares

publicado às 22:50

 

"allahu akbar", deus é grande, foram estas as palavras que ficaram na memória das pessoas antes de começarem os disparos num dos atentados múltiplos de esta noite em Paris.... 

 

60 mortos contabilizados até agora, não se sabe quantos feridos, entre 60 a 100 pessoas sequestradas numa sala de espectáculos, são estes os números do terror numa noite de sexta-feira em Paris.

 

Por vezes temos a tendência de olhar para o mundo em que vivemos e dar por garantido que não há volta atrás, que a época em que se matava e morria em nome de deus e da  religião era algo que tinha acontecido no passado e que não voltaria a acontecer,... depois acontecem estas coisas e percebemos que afinal parece que não aprendemos nada.

 

Durante o dia a noticia tinha a ver com a morte cirúrgica, de um senhor que ficou conhecido pela forma despiadada como fazia o papel de carrasco do estado islâmico, pelos vistos do outro lado não há mortes limpas nem inocentes, todos somos culpados e merecemos morrer,.. 60 mortos, há de certeza batalhas na Síria e no Iraque onde participam centenas de soldados e onde não morre tanta gente... 

 

Há uns dias, depois da queda do avião Russo, alguém me dizia que passou a ter medo de andar de avião, há pouco no Facebook alguém se mostrava assustado ante a perspectiva de ter que viajar a uma cidade europeia. Parece que começamos  a tomar consciência de que esta guerra nos afecta a todos e não é algo que só acontece na televisão?

 

De  repente acordamos para uma dura realidade, ninguém em lado nenhum está  livre que um maluco armado em mão de um deus qualquer, desate disparar.

 

Será que é nestas alturas que ficamos a perceber o que sentem os refugiados e o que os faz correr e fugir em busca de um lugar qualquer onde se possa viver longe de atentados, armas, tiros e fanáticos religiosos?

 

Quando vamos deixar de olhar para os nossos umbigos e perceber que o que está a acontecer é um problema do mundo inteiro e não da Síria e do Iraque?

 

Jorge Soares

 

 

 

publicado às 23:03

O estranho mundo em que vivemos

por Jorge Soares, em 02.07.15

heitorlourenço.jpg

 

Imagem do Expresso

 

Durante o dia a noticia foi aparecendo nos jornais online e no Facebook, "Actor português preso em aeroporto ao ser confundido com terrorista", só há pouco quando cheguei a casa consegui ler com mais detalhe e ficar a perceber o que realmente aconteceu... o que li deixou-me completamente incrédulo.

 

Tudo aconteceu no aeroporto de Orly em Paris, França. Enquanto esperava pelo inicio da viagem que o traria a Portugal, o actor Heitor Lourenço decidiu ler no seu Ipad um livro com imagens e escritos tibetanos, achava ele que aquele tempo morto e de espera seria um bom momento para a meditação.

 

Pouco depois reparou que havia uma ordem para evacuar o avião e mal pôs os pés fora do aparelho foi detido por dois policias franceses e levado para a esquadra do aeroporto onde foi interrogado e ficou seis horas detido.

 

Tudo isto porque alguém achou que ele estaria a ler o alcorão e a usar expressões que envolviam 'bombas', 'morte', explosão'.

 

Vivemos num mundo realmente estranho em que uma pessoa pode ser presa e impedida de prosseguir com a sua vida simplesmente porque alguém, que para além de alguma ignorância revela um enorme preconceito, não consegue ver a diferença entre um livro com ilustrações tibetanas e o alcorão.

 

Mesmo que o actor estivesse a ler o alcorão, num mundo normal isso não deveria ser motivo nem para a denuncia nem para que alguém fosse preso e impedido de viajar, pelos vistos o mundo em que vivemos está cada vez menos normal.

 

É claro que toda esta paranóia o que está a mostrar é que os terroristas estão a conseguir o seu propósito.

 

Jorge Soares

 

PS: Vi há poucos dias uma entrevista a este actor de Bem-vindos a Beirais e fiquei fã da sua humildade e simplicidade, não podiam ter escolhido alguém que estivesse mais longe de um terrorista para uma coisa destas.

publicado às 23:22

Porque morreram 20 pessoas em Paris?

por Jorge Soares, em 11.01.15

jesuicharlie.jpg

 

O balanço (até agora) vai em 20 mortos em dois dias em Paris, jornalistas, policias, terroristas, gente inocente e anónima, 20 vidas que se foram, algumas quase em vivo e em directo via televisão para o mundo inteiro... e tudo isto foi por causa de uns cartoons? A sério?

 

A julgar por muito do que tenho lido (ver comentários a este post ou a este), ou  parece que há gente que acha que os culpados de tudo isto são mesmo os jornalistas que foram barbaramente assassinados no Charlie Hebdo, não fosse a sua insistência em ter opinião e em fazer dela humor e noticias, nada disto teria acontecido... sou só eu que acho estamos mesmo a bater no fundo?

 

Depois é engraçado ouvir a senhora Le Pen vir propor um referendo para se fechar as fronteiras francesas  à emigração... será que ele foi a única que não viu que os três terroristas mortos eram franceses e nasceram em França?... O que tem a ver o que aconteceu em Paris com a emigração?

 

Está mais que visto que o que aconteceu tem a ver com educação, ideias e princípios... ou a falta deles, fanatismo ...., mas quando uma senhora que pretende ser candidata a presidente francesa não é capaz de discernir algo tão evidente, o que se pode esperar do resto do mundo?

 

Porque morreram 20 pessoas em Paris? se calhar é porque a França e o resto do mundo tem um monte de cartoons a governar... não foi é de certeza por culpa dos cartoons do Charlie Hebdo.

 

Jorge Soares

publicado às 22:10

Crónicas das férias - Os comboios franceses

por Jorge Soares, em 17.09.13

Crecy La Chapelle

Imagem de aqui 

 

Uma das condições para se escolher o Parque de campismo na Eurodisney é que seja próximo de uma estação de comboios, no programa estavam pelo menos dois dias em Paris e não me passava pela cabeça levar o carro. Tínhamos escolhido um que tem uma estação de comboio à porta, infelizmente estava cheio, ficamos noutro que estava a uns cinco minutos da estação que se vê na fotografia.

 

E fomos a Paris logo no dia a seguir à chegada. Na recepção do camping não tinham os horários, mas garantíram que havia comboios frequentes... Chegados à estação, que estava completamente encerrada, verificamos que a frequência era uma vez por hora... e tinha sido há 15 minutos... além disso não era directo, havia que mudar de comboio em Esbly.

 

A única forma de comprar bilhetes era naquela máquina azul que se vê na fotografia... lá atacamos a máquina, feitas as contas, o mais barato era comprar um pack de 10 bilhetes, quase 70 Euros... ora nós éramos 5.. era mesmo ida e volta.

 

Escolhemos a opção, meto o cartão multibanco , a máquina diz o preço, meto o código  e começam a sair os bilhetes.. 1, 2, 3, 4, 5, 6..... um recibo que é um bilhete impresso como recibo..e mais nada.

 

Pânico, então mas pagamos um balúrdio pelos 10 bilhetes e agora só saem 6? Demos 20 voltas à máquina, mas nada, nem piou... e para além de nós não havia vivalma na estação.

 

Chegou o comboio, falamos com o condutor, quando mudamos de comboio falamos com o responsável da estação, ninguém conseguia fazer nada,... finalmente em Paris na Gare del Este,  alguém nos explicou que era normal isso acontecer, quando acabava o rolo a máquina não dava mais bilhetes nem dizia nada... mas também só cobrava os bilhetes impressos.... 

 

Lá fomos passear para Paris, andamos de metro e a pé. À volta compramos os bilhetes que faltavam e apanhamos o comboio de volta para Esbly, que chegava 5 minutos antes da partida do outro que nos levaria de volta ao camping.

 

Quando faltava uma estação para o nosso destino, dizem qualquer coisa em francês e todo o mundo sai do comboio... 

 

- Mas o que é que se passa?

- Acho que temos que sair...

- Sair como?, a nossa estação não é esta

- Pois, mas acho que temos que sair.

 

E saímos, num apeadeiro qualquer e ficamos a ver como o comboio vazio se afastava na direcção da estação para onde íamos... finalmente encontramos alguém que falava inglês e que nos explicou que aquele comboio estava com um problema técnico... mas que não havia problema, dali a 25 minutos passava outro... e passou, só que o outro que íamos apanhar não esperou e uma viagem de 35 minutos de Paris a Crecy La Chapelle, demorou quase duas horas.

 

Na segunda vez decidi retirar uma das variáveis ao problema, fomos de carro para Esbly, eram uns 10 kms, as estações tem estacionamento gratuíto e lá passavam mais comboios, sempre evitávamos possiveis desencontros de horários.

 

Lá chegados fomos direitos à bilheteira, que fechou na nossa cara... a partir daquele momento, bilhetes para Paris só na máquina... ó sorte. Lá fomos para a a máquina.. que decidiu que não nos vendia bilhetes... devia ser amiga da outra.

 

Voltamos à bilheteira onde ainda estava o funcionário... mas não nos vendeu os bilhetes, mandou alguém ver a a máquina. Veio um senhor com ar de chefe de estação de outros tempos... boné incluído. Abriu a máquina, resolveu o problema...

 

- Já está, agora é só esperar 10 minutos a que reinicie.

-10 minutos?

-Oui

- Mas o comboio é daqui a 5.

 

Encolheu os ombros e foi-se embora.

 

Ficamos a olhar para a a máquina a arrancar... era um computador com windows XP, devia ter uns 15 anos.. vi uma coisa que não via há anos, o checking da memória e o windows a arrancar lentamente.

 

Entretanto chegou o comboio e nada de bilhetes, voltamos a falar com o senhor que nos mandou ir para Paris, comprávamos os bilhetes lá e ele falava com o revisor....

 

Percebem que a estas alturas eu já odeio o raio das máquinas azuis e começo a odiar os comboios franceses.

 

O problema é que em Paris e ao contrário das outras estações é necessário passar os bilhetes pelas máquinas para se conseguir sair da estação... fomos ter a um guichet onde nos deram bilhetes para sair e nos mandaram comprar bilhetes às bilheteiras do outro lado... já estava pelos cabelos...  compramos bilhetes sim, mas para o metro.

 

Curiosamente já da outra vez nos tinhamos deparado com uma estação onde ainda não havia máquinas e ao Domingo não estava ninguém para vender bilhetes...e também tinha resultado que tinhamos ido de borla a Paris.

 

Por vezes falamos do mal que funcionam as coisas por cá... mas não fiquei com grande impressão dos caminhos de ferro franceses... nem das máquinas, nem dos seus funcionários... mas pronto, não vamos ser muito exigentes.

 

Jorge Soares

publicado às 22:43

 

Mathis e a camisola da selecção nacional de Portugal

 

Imagem do Expresso, Mathis e a camisola da discórdia

 

Ainda este fim de semana, e a propósito de na Catalunha se ter proibido o lenço e o véu integral muçulmanos,  discutíamos este assunto numa conversa de familia.

 

Entre os motivos dos que defendem a  proibição, estão as medidas de  segurança e combate à criminalidade, é dificil saber quem está escondido atrás de um véu integral, está também a dignidade das mulheres muçulmanas que supostamente serão obrigadas a utilizar estes adereços pela família.

 

Eu pessoalmente acho que se trata de mais uma forma de discriminação, acredito que alguma parte das mulheres seja obrigada pelas famílias a seguir as tradições religiosas, assim como haverá outra parte que o fará por convicção, uma convicção tão válida como a que leva muitos católicos a utilizar um fio com uma cruz ao peito. Quanto às questões de segurança, imagino que no Iraque e no Afeganistão fará sentido, mas  nunca ouvi falar de que na Espanha ou na França alguém que tenha sido assaltado por um criminoso que se escondia numa Burka....

 

Por principio sou contra todo tipo de discriminação, só estarei de acordo com qualquer medida que restrinja a utilização de símbolos religiosos por parte das pessoas, quando esta medida for para qualquer símbolo religioso, nunca aceitarei que se proíbam os véus e os lenços muçulmanos enquanto tal medida não se aplique também aos símbolos católicos, ou judeus, ou….

 

Para quem tem duvidas sobre onde este tipo de coisas nos pode levar, podem ler esta noticia do ionline que tem como título o seguinte:

 

Paris. A camisola da selecção foi o véu proibido a Mathius

 

A directora da escola pode alegar e dar as desculpas que quiser, mas no fundo todos sabemos que o que está por trás desta atitude que impede uma criança de 5 anos de entrar na escola com uma camisola da selecção do país dos seus avós, é o mesmo que está por trás da proibição dos símbolos muçulmanos, discriminação e chauvinismo.

 

Imaginem o que aconteceria por cá se na segunda feira se proibisse a entrada nas escolas portuguesas de crianças com a camisola da França, ou com a do Brasil?

 

Jorge Soares

publicado às 18:00

 

A Inês de Medeiros e a sua casa em Paris

 

Imagem de Henricartoon

 

Vendo pelo mesmo preço que comprei, ontem no Arrastão, o Daniel Oliveira dizia o seguinte:

 

"A semana passada um colaborador do grupo parlamentar do PSD foi apanhado em flagrante delito, às sete da manhã, em pleno acto com uma amiga que não trabalha na Assembleia. A coisa pode parecer apenas interessante contada assim. Mas é muito mais do que isso. O acto aconteceu na sala do plenário. Infelizmente, a interrupção não terá permitido ao arrojado casal levar a fantasia até ao fim. Há sempre um empata."

 

Há fetiches e fetiches, já aqui falamos até do sexo no confessionário, mas convenhamos que a sala do plenário da assembleia da república bate qualquer igreja aos pontos... até porque igrejas existem aos milhares ...e salas do plenário da assembleia da república portuguesa... só há uma. ...  e é preciso valor para uma cena destas... pena é que não tenham mostrado uma fotografia do casalinho...sempre ficávamos com uma ideia sobre se valia o risco ou não. 

 

Mas eu ia falar da assembleia da república por outro motivo, nas eleições passadas entre os candidatos do PS ao distrito de Lisboa constava o nome de Inês de Medeiros, é mais ou menos normal que os partidos apresentem entre os candidatos a deputados figuras públicas mais ou menos conhecidas, também é normal que por um distrito apareçam candidatos que nada tem a ver com o mesmo, o que não assim tão normal é que se candidate por Lisboa alguém que tem residência em Paris.

 

Estranho mesmo é que a Inês depois de ser elegida continue com a sua residência em Paris, agora, inacreditável é que a senhora apresente as facturas da viagens semanais para casa...e por incrível que pareça e como podemos ver nesta noticia, a verdade é que lhe vão pagar as viagens.

 

Vocês desculpem lá, mas se a senhora não estava disposta a vir viver para Lisboa não se candidatava, e se queria continuar a viver em Paris, afinal são só duas horas de avião e demora-se muito mais a chegar a algumas  capitais de Distrito Portuguesas, pagava as viagens do bolso dela, fazer com que o estado com o dinheiro dos impostos de todos nós pague as viagens é uma completa falta de vergonha, por parte dela e do PS que não só a elegeu sabendo do pequeno detalhe, como agora votou a favor do pagamento.

 

Hoje é dia 25 de Abril, e eu até sou dos que acredita piamente na nossa democracia..mas entre fetiches e deputados emigrantes...  a mim parece-me que o nosso parlamento cada vez mais parece uma casa de passo.

 

Jorge Soares

publicado às 21:40

Um rasto do teu sangue na neve ... Fim.

por Jorge Soares, em 14.02.09

Rosa

Fotografia minha, retirada de Momentos e olhares

 

Continuação do Conto Um rasto do teu sangue na neve de Gabriel Garcia Marquez, parte anterior aqui

 

 

- Afinal, faltam só quatro dias - concluiu. - Até lá, vá ao Louvre. Vale a pena.

Ao sair, Billy Sánchez encontrou-se, sem saber o que fazer, na Place de la Concorde. Viu a torre Eiffel por cima dos telhados e pareceu-lhe tão próxima que tentou chegar até ela caminhando pelo cais. Mas de repente percebeu que estava mais longe do que lhe parecia, e que além disso mudava de lugar conforme a procurava. Começou então a pensar em Nena Daconte sentado num banco na margem do Sena. Viu passar os rebocadores por baixo das pontes, e não lhe pareceram barcos e sim casas errantes com telhados vermelhos e janelas com vasos de flores nos parapeitos, e arames com roupa secando no convés. Contemplou durante um longo tempo um pescador imóvel, com a vara imóvel e a linha imóvel na corrente, e cansou-se de esperar que alguma coisa se movesse, até que começou a escurecer, e decidiu pegar um táxi para voltar ao hotel. Só então percebeu que ignorava o nome e o endereço, e que não tinha a menor idéia de em que lado de Paris estava o hospital. Atordoado pelo pânico, entrou no primeiro café que encontrou, pediu um conhaque e tentou pôr seus pensamentos em ordem. Enquanto pensava, se viu repetido muitas vezes e de ângulos diferentes nos numerosos espelhos das paredes, e sentiu-se assustado e solitário, e pela primeira vez desde seu nascimento pensou na realidade da morte. Mas com o segundo copo sentiu-se melhor, e teve a idéia providencial de voltar à embaixada. Buscou o cartão no bolso para recordar o nome da rua, e descobriu que no verso estavam impressos o nome e o endereço do hotel. Ficou tão mal impressionado com aquela experiência que durante o fim de semana não tornou a sair do quarto a não ser para comer e para mudar o carro de calçada conforme correspondesse o dia.

Durante três dias caiu sem pausa a mesma garoa fina e suja da manhã em que chegaram. Billy Sánchez, que nunca havia lido um livro inteiro, quis um para não se aborrecer esticado na cama, mas os únicos que encontrou nas maletas de sua mulher eram em idiomas diferentes ao castelhano. Assim continuou esperando a terça-feira, contemplando os pavões repetidos no papel das paredes e sem deixar de pensar um só instante em Nena Daconte.

Na segunda-feira arrumou um pouco o quarto, pensando no que ela diria se o encontrasse naquele estado, e só então descobriu que o casaco de visom estava manchado de sangue seco. Passou a tarde lavando-o com o sabonete que encontrou na frasqueira, até que conseguiu deixá-lo outra vez como havia sido levado para o avião em Madri.

A terça-feira amanheceu turva e gelada, mas sem a garoa, e Billy Sánchez levantou-se às seis, e esperou na porta do hospital junto com uma multidão de parentes de enfermos carregados de pacotes de presentes e ramos de flores. Entrou com o tropel, levando no braço o casaco de visom, sem perguntar nada e sem nenhuma idéia de onde podia estar Nena Daconte, mas mantido pela certeza de que haveria de encontrar o médico asiático. Passou por um pátio interior muito grande, com flores e pássaros silvestres, em cujos lados estavam os pavilhões dos doentes: as mulheres, à direita, e os homens, à esquerda. Seguindo os visitantes, entrou no pavilhão das mulheres. Viu uma longa fileira de enfermas sentadas nas camas com a camisola de trapo do hospital, iluminadas pelas luzes grandes das janelas, e até pensou que aquilo tudo era mais alegre do que se podia imaginar lá de fora. Chegou até o extremo do corredor, e depois percorreu-o de novo no sentido contrário, até convencer-se de que nenhuma das enfermas era Nena Daconte. Depois percorreu outra vez a galeria exterior, olhando pela janela os pavilhões masculinos, até que pensou estar reconhecendo o médico que procurava. Era ele, de fato. Estava com outros médicos e várias enfermeiras, examinando um enfermo.

Billy Sánchez entrou no pavilhão, afastou uma das enfermeiras do grupo e parou na frente do médico asiático, que estava inclinado sobre o enfermo. Chamou-o. O médico levantou seus olhos desolados, pensou um instante e então o reconheceu.

- Mas onde diabos o senhor se meteu? - disse.

Billy Sánchez ficou perplexo.

- No hotel - disse. - Aqui, na esquina.

Então ficou sabendo. Nena Daconte tinha sangrado até morrer às 7:10 da noite da quinta-feira, 9 de janeiro, depois de 72 horas de esforços inúteis dos especialistas mais qualificados da França. Até o último instante havia estado lúcida e serena, e deu instruções para que procurassem seu marido no hotel Plaza Athenée, onde tinham um quarto reservado, e deu os dados para que entrassem em contato com seus pais. A embaixada havia sido informada na sexta-feira por um telegrama urgente da chancelaria, quando os pais de Nena Daconte já estavam voando para Paris. O embaixador em pessoa encarregou-se dos trâmites do embalsamento e dos funerais, e permaneceu em contato com a Chefatura de Polícia de Paris para localizar Billy Sánchez. Um chamado urgente com seus dados pessoais foi transmitido desde a noite da sexta-feira até a tarde do domingo, através do rádio e da televisão, e durante essas 48 horas foi o homem mais procurado da França. Seu retrato, encontrado na bolsa de Nena Daconte, estava exposto por todos os lados. Três Bentley conversíveis do mesmo modelo haviam sido localizados, mas nenhum era o dele. Os pais de Nena Daconte haviam chegado no sábado ao meio-dia, e velaram o cadáver na capela do hospital esperando até a última hora encontrar Billy Sánchez. Também os pais dele haviam sido informados, e estiveram prontos para voar a Paris, mas no final desistiram por uma confusão de telegramas. Os funerais ocorreram no domingo às duas da tarde, a apenas duzentos metros do sórdido quarto de hotel onde Billy Sánchez agonizava de solidão pelo amor de Nena Daconte.

O funcionário que o havia recebido na embaixada me disse anos mais tarde que ele mesmo recebeu o telegrama de sua chancelaria uma hora depois de Billy Sánchez ter saído de seu escritório, e que andou procurando-o pelos bares sigilosos do Faubourg St. Honoré. Confessou-me que não tinha prestado muita atenção quando o recebeu, porque nunca teria imaginado que aquele costenho atordoado pela novidade de Paris, e com uma jaqueta de cordeiro tão mal posta, tivesse a seu favor uma origem tão ilustre.

No mesmo domingo de noite, enquanto ele suportava a vontade de chorar de raiva, os pais de Nena Daconte desistiram da busca e levaram o corpo embalsamado dentro do ataúde metálico, e quem chegou a vê-lo continuou repetindo durante muitos anos que nunca haviam visto uma mulher mais bela, viva ou morta.

 

Assim, quando Billy Sánchez entrou enfim no hospital, na manhã da terça-feira, já se havia consumado o enterro no triste panteão de La Manga, a muito poucos metros da casa onde eles haviam decifrado as primeiras claves da felicidade. O médico asiático que deixou Billy Sánchez a par da tragédia quis dar-lhe umas pílulas tranqüilizantes na sala do hospital, mas ele as recusou. Foi embora sem se despedir, sem nada a agradecer, pensando que a única coisa que ele necessitava com urgência era encontrar alguém para arrebentar a correntadas, para se desquitar de sua desgraça. Quando saiu do hospital, nem ao menos percebeu que estava caindo do céu uma neve sem rastros de sangue, cujos flocos ternos e nítidos pareciam pluminhas de pombas, e que nas ruas de Paris havia um ar de festa, porque era a primeira nevada grande em dez anos.

 

1976.

 

Fim

 

Texto completo aqui:http://conselheiroacacio.wordpress.com/2008/09/26/o-rastro-do-teu-sangue-na-neve-g-g-marquez/

 

publicado às 21:05

Rosa...triste

 

Continuação do Conto Um rasto do teu sangue na neve de Gabriel Garcia Marquez, parte anterior aqui


Às sete tomou outro café com leite e comeu dois ovos cozidos que ele mesmo pegou do balcão depois de 48 horas comendo a mesma coisa no mesmo lugar. Quando voltou ao hotel para se deitar encontrou seu carro sozinho numa calçada e todos os outros na calçada em frente, e tinha uma notificação de multa colocada no pára-brisa. O porteiro do Hotel Nicole teve trabalho para explicar-lhe que nos dias ímpares do mês podia-se estacionar na calçada dos números ímpares, e no dia seguinte, na calçada contrária. Tantas artimanhas racionalistas eram incompreensíveis para um Sánchez de Ávila de pura cepa, que apenas dois anos antes havia se enfiado num cinema de bairro com o automóvel oficial do prefeito, e havia causado estragos de morte diante de dois policiais impávidos. Entendeu menos ainda quando o porteiro do hotel aconselhou-o a pagar a multa mas a não mudar o carro de lugar naquela hora, porque teria de mudá-lo outra vez à meia-noite. Naquela madrugada, pela primeira vez, não pensou em Nena Daconte, mas se revirava na cama sem poder dormir, pensando em suas próprias noites de pesadelo nas cantinas de maricas do mercado público de Cartagena do Caribe.


Lembrava-se do sabor do peixe frito e do arroz de coco nas pensões do embarcadouro onde atracavam as escunas de Aruba. Lembrou-se de sua casa com as paredes cobertas de trinitárias, onde agora seriam sete da noite de ontem, e viu seu pai com um pijama de seda lendo o jornal no fresco da varanda. Lembrou-se de sua mãe, de quem nunca se sabia onde estava a nenhuma hora, sua mãe apetitosa e faladeira, com um vestido de domingo e uma rosa na orelha a partir do entardecer, afogando-se de calor por causa do estorvo de suas telas esplêndidas.


Uma tarde, quando ele tinha sete anos, havia entrado de repente no quarto dela e a surpreendera nua na cama com um de seus amantes casuais. Aquele percalço, do qual nunca haviam falado, estabeleceu entre eles uma relação de cumplicidade que era mais útil que o amor. No entanto, ele não foi consciente disso, nem de tantas outras coisas terríveis de sua solidão de filho único, até aquela noite em que se encontrou dando voltas na cama de uma triste água furtada de Paris, nem ninguém a quem contar seu infortúnio, e com uma raiva feroz contra si mesmo porque não podia suportar a vontade de chorar.


Foi uma insônia proveitosa. Na sexta-feira levantou estropiado pela noite ruim, mas decidido a definir sua vida. Decidiu violar a fechadura de sua maleta para mudar de roupa, pois as chaves de todas estavam na bolsa de Nena Daconte, com a maior parte do dinheiro e a caderneta de telefone onde talvez tivesse encontrado o número de algum conhecido de Paris.


Na cafeteria de sempre percebeu que havia aprendido a cumprimentar em francês, e a pedir sanduíches de presunto e café com leite. Também sabia que nunca lhe seria possível pedir manteiga ou ovos do jeito que fosse, porque nunca aprenderia a dizer, mas a manteiga era sempre servida com o pão, e os ovos cozidos estavam à vista no balcão e apanhava-os sem precisar pedir. Além disso, depois de três dias, o pessoal que servia estava familiarizado com ele, e o ajudava a se explicar.


Assim, na sexta-feira na hora do almoço, enquanto tentava botar a cabeça no lugar, pediu um filé com batatas fritas e uma garrafa de vinho. Então sentiu-se tão bem que pediu outra garrafa, bebeu-a até a metade, e atravessou a rua com a firme resolução de se meter no hospital à força. Não sabia onde encontrar Nena Daconte, mas em sua mente estava fixa a imagem providencial do médico asiático, e estava certo de encontrá-lo. Não entrou pela porta principal, mas pela de emergência, que lhe havia parecido menos vigiada, mas não conseguiu ir além do corredor onde Nena Daconte lhe dissera adeus com a mão. Um guarda com o avental salpicado de sangue perguntou-lhe algo, e ele não prestou atenção. O vigia seguiu-o, repetindo sempre a mesma pergunta em francês, e finalmente agarrou-o pelo braço com tanta força que o parou em seco. Billy Sánchez tentou se safar com um recurso de brigador, e então o vigia mandou-o à merda em francês, torceu-lhe o braço nas costas com uma chave mestra, e sem deixar de mandá-lo mil vezes à puta mãe que o pariu levou-o quase que suspenso até a porta, xingando de dor, e atirou-o como um saco de batatas no meio da rua.


Naquela tarde, dolorido pela lição, Billy Sánchez começou a ser adulto. Decidiu, como Nena Daconte teria feito, procurar seu embaixador. O porteiro do hotel, que apesar de sua cara de enfezado era muito serviçal, e além disso muito paciente com os idiomas, encontrou o número e o endereço da embaixada na lista telefônica, e anotou-os num cartão. Atendeu uma mulher muito amável, em cuja voz pausada e sem brilho Billy Sãnchez imediatamente reconheceu a dicção dos Andes. Começou por anunciar-se com seu nome completo, certo de impressionar a mulher com seus dois sobrenomes, mas a voz não se alterou no telefone. Ouviu-a explicar de cor a lição de que o senhor embaixador não estava em seu escritório no momento e não era esperado até o dia seguinte, mas de qualquer jeito não poderia recebê-lo sem hora marcada e só num caso especial. Billy Sánchez compreendeu então que tampouco por este caminho chegaria a Nena Daconte, e agradeceu a informação com a mesma amabilidade com que a tinha recebido. E pegou um táxi para a embaixada. Ficava no número 22 da rua do Eliseu, dentro de um dos setores mais agradáveis de Paris, mas a única coisa que impressionou Billy Sánchez, de acordo com o que ele mesmo me contou em Cartagena de Indias muitos anos depois, foi que o sol estava tão claro como no Caribe pela primeira vez desde a sua chegada, e que a torre Eiffel sobressaía por cima da cidade num céu radiante. O funcionário que o recebeu no lugar do embaixador parecia acabado de se restabelecer de uma doença mortal, não só pelo terno de veludo negro, mas também pelo sigilo de seus gestos e a mansidão da sua voz. Entendeu a ansiedade de Billy Sánchez, mas recordou, sem perder a doçura, que estavam num país civilizado cujas normas restritas se baseavam nos critérios mais antigos e sábios, ao contrário das Américas bárbaras, onde bastava subornar o porteiro para entrar nos hospitais. “Não, meu caro jovem”, disse. Não havia outro remédio além de submeter-se ao império da razão, e esperar até a terça-feira.

 

Continua

Imagem minha retirada do blogMomentos e olhares

publicado às 21:04

Terroristas?....não brinquem!

por Jorge Soares, em 12.01.08

Torre eifel"Controladores aéreos portugueses a trabalhar na ilha açoriana de Santa Maria interceptaram "comunicações terrestres" onde se falava num "presumível ataque terrorista" contra a Torre Eiffel, em Paris"

 

Noticia retirada do DN

 

Parece que os controladores aéreos de Santa Maria, nos Açores, interceptaram umas mensagens de radio amadores donde se falava de um possível ataque terrorista à Torre Eifel em Paris......vamos lá ver, alguém acredita que um grupo terrorista internacional se ponha à conversa sobre possíveis ataques num canal aberto que qualquer pessoa pode ouvir? Sim, porque para serem ouvidos pelos controladores aéreos os terroristas tinham que estar a falar num canal aberto e de escuta publica....isso ou os controladores fazem uma perninha na espionagem nos tempos livres.

 

Cá para mim eles sabiam que podiam ser ouvidos e puseram-se a inventar a ver se pegava, afinal nos tempos que correm qualquer coisa serve para criar mais um bocadinho de terror. Isso ou eram dois miúdos a divertirem-se à custa dos gajos da torre de controlo.

 

Enfim.

 

Como estamos a falar de Paris, hoje temos Charles Aznavour - She

 

 

Jorge

PS:Imagem retirada da internet

 

 

publicado às 22:35


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