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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Imagem minha do Momentos e Olhares
Mariana encolheu os ombros:
- Não sei.
João encolheu os seus:
- Eu também não.
Ficaram calados, os olhos fixos no horizonte de casas e carros, cada um deles perdido na sua imensidão de pensamentos.
- Podemos falar com ele.
- Para quê? Já falámos, ele nem ouve. Vai dizendo que sim, que sim e se lhe perguntares depois o que é que dissemos, ele não sabe responder. Nem ouve.
- Mas não podemos ficar sem fazer nada, ele vai acabar por se matar…
- Eu sei. Mas não sei o que fazer.
- Pois, eu também não.
Calaram-se novamente.
- E a mãe dele?
- Morreu o ano passado, não te lembras? Já era velhota.
- Caramba, ninguém devia ser filho único.
- Isso não interessa nada, olha a Paula: 3 irmãos e não se falam há milénios, detestam-se. E há mais exemplos, tu sabes. Além disso, que poderiam fazer? Ele não ouve.
- Pois, é verdade.
O silêncio, pesado de impotência, voltou.
- Achas que se ele estivesse 2 semanas inteiras sem beber, curava-se?
- Não sei… Mas ele não fica nem meia hora, quanto mais 2 semanas!
- Olha, eu posso tirar 2 semanas de férias, tu também tens férias, não tens?
- Tenho, acho que na próxima semana posso meter, mas qual é a tua ideia?
- Vamos lá para cima, os três. Tu sabes, a casa daqueles amigos do meu pai, no inverno nunca está lá ninguém. Montamos guarda ao Nené, ele não vai beber nem um pingo por muito que insista. Que é que achas?
- Não sei, Mariana… Ele até é capaz de ir com a gente mas chegando lá vai ser a chatice do costume!
- Eu sei mas aí nem que a gente tenha de o amarrar, ele não vai beber nem um pingo. Achas que dá? Temos de fazer alguma coisa!
- Não sei, tu já viste como é, até fica agressivo…
- Eu sei. Mas tu és maior do que ele e se não for isso, fazemos o quê?
- Não sei…
- Sei eu. Vamos meter as férias e falamos com ele. Eu arranjo a casa com o meu pai e na próxima terça-feira estamos lá. E olha que não estava a brincar, João, vou levar corda e aqueles atilhos de plástico – nós vamos ter de dormir de vez em quando.
...
Quando viu o pai de Mariana, o rapaz reconheceu-o e encolheu-se. O senhor aproximou-se e pôs-lhe a mão no ombro:
- Olha, a culpa não foi tua, está bem? Foi um acidente, um estúpido acidente. Quero que tu saibas que a culpa não foi tua, foi o camião que ficou sem travões e o condutor não conseguiu fazer nada, pobre diabo.
- A Mariana?...
- A Mariana morreu, Nené. O João também e o condutor do camião.
- Todos...?
- Sim, todos menos tu. E eu tinha de vir cá falar contigo, porque era preciso que tu soubesses que a culpa não foi tua, para não ficares para aí a pensar parvoíces e dar cabo da tua vida sem razão. A Mariana era muito tua amiga, devo-lhe isto.
O senhor passou-lhe a mão pela face, sorriu-lhe, virou-se e saiu do quarto com passos pesados de desgosto.
…
Anos e anos depois, o Nené ainda explicava nas reuniões dos AA como é que tinha sido recuperado para a vida em menos de cinco minutos pelo pai de Mariana.
MAC
Retirado de Samizdat