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O Halloween é isto?

por Jorge Soares, em 01.11.15

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

Já aqui falei das origens do Halloween, foi neste post, tudo começou com os celtas na Irlanda, depois foi com os irlandeses para os Estados Unidos e nos últimos 10 anos, via filmes e séries televisivas, assentou arraiais em Portugal.. .e pelos vistos veio para ficar, sendo que já há cidades onde inclusivamente se organizam festivais.

 

O Halloween será talvez o exemplo acabado do que significa a palavra globalização, em pouco tempo não só conhecemos, como adoptamos como nossa uma tradição que pouco ou nada nos dizia e que para o bem ou para o mal (já lá vamos),  veio para ficar.

 

Tenho dois filhos adolescentes, cada um com o seu grupo de amigos e ontem à noite cada um foi para um local diferente de Setúbal, ambos vieram com coisas para contar coisas, que além de me preocuparem, me deixam a pensar.

 

Nos Estados unidos o que vemos são as crianças pequenas que vão de casa em casa a pedir doces, em Portugal o Halloween festeja-se com grupos de adolescentes que se juntam para irem  atirar ovos, farinha, bombas de cheiro e outras coisas,  contra quem andava na rua e contra as casas e as pessoas que lá vivem. 

 

Em algumas zonas da cidade a noite terminou com conflitos, ameaças, cães atiçados e a presença da PSP, GNR e até do INEM para tratar os "feridos de guerra" e os comas alcoólicos que enstas alturas não podem faltar.

 

Há definitivamente algo de errado na forma como estamos a educar os nossos jovens, em algum lado estamos a falhar, só pode.

 

O Halloween português é isto? Será que não nos podiamos ficar pelas criancinhas a pedir doces?

 

Jorge Soares

publicado às 22:54

Conto - Até Amanhã, Uma Herança

por Jorge Soares, em 13.06.15

até-amanhã.jpg

 

 
Dinheiro vivo, terras fecundas, imóveis em bom estado de conservação, testamento, joias, fotografias desbotadas feitas do jeito antigo à base de traquitanas analógicas e processo de revelação em quarto escuro. Aposto que a palavra herança te remete a essas figuras. Acontecia comigo, até que comecei uma fase estranhíssima de olhar para as coisas e para as pessoas de casa sem vê-las completamente. Tinha uma ponta de ausência enchendo o meu ver. Estavam todos ali, acordando, trabalhando, reclamando da falta de tempo, esperando o próximo aniversário para reunir a parentada num churrasco. Tudo criando raiz como a muda de manjericão que plantei na lata do achocolatado. Tudo por perto, mas me deixando a impressão de que me faltaria, de que terminaria a qualquer momento sem deixar fio, registro, vínculo.
 
Minha inicial em cursiva, cheia de voltas e um laço, num risco só. O guardanapo passado no prato antes de servir a comida no restaurante, a cor do meu cabelo, o desenho das unhas, a repulsa por queijo, a risada, uns desejos, umas melancolias. São hábitos e traços que fui pegando sem licença e passando para o meu nome. Constam no meu inventário imaginário. Não é preciso morrer para deixar legado. O herdar se faz até quando alguém toma para si uma maneira bem nossa de dizer, de fazer, de entender coisas, quando se ensina ou se aprende. Meu pai herdou o meu “até amanhã”. Não inventei a expressão, óbvio, mas costumo usar em todas as despedidas. Antes de dormir, depois do boa noite emendo um até amanhã. Digo até amanhã para as visitas, mesmo que nosso reencontro só seja possível no próximo verão. Assino meus e-mails com até amanhã. E na maioria das vezes tenho vontade, realmente, do contato no dia seguinte. Agora o pai entendeu onde eu queria chegar com o meu até amanhã e o adotou.
 
Não sei explicar, mas nunca quero viajar. Evito. Nem a passeio, menos ainda a trabalho. E na segunda eu precisava participar de uma reunião na capital. Ô, saco. Final de domingo e eu com o carro cheio de mala, livros, sacos de biscoitos, muito contrariada começo a partir e o pai ali, esperando para fechar a garagem. Resmungo que não quero ir, que me dói a barriga, torcendo para que ele ainda possa me mandar ficar. Não pode. A vida adulta herda dos pais o poder sobre os filhos. Vai tranquila, filha. Dirige com calma, deixa o telefone ligado, e volta assim que puderes. Vamos te esperar com uma janta especial na quarta, lembra disso. Bufo, faço beiço e me conformo: tá certo, pai. Então, até amanhã, já que não tenho alternativa. Até, me responde, com aquele sorriso sossegado que só ele tem. Dou play na Norah Jones e sigo devagarinho, quase desistindo de andar as quatro ou cinco horas de estrada, os olhos molhados. Sou ridícula com esse tanto de apego, mas estou sozinha e me deixo chorar um pouco alto. Dane-se o rímel. Meu pai, parado em frente ao portão, espera que meu carro suma no horizonte da avenida larga. O semáforo do primeiro cruzamento está verde para mim, é um sinal, penso. E penso pela última vez. A caminhonete no sentido perpendicular fura o vermelho, me atravessa e fim.
 
 
Andreia Pires
 
Retirado de Roda de Escritores

publicado às 21:13

Educação - Trabalhar para o ranking

por Jorge Soares, em 07.05.15

ranking.jpg

 

Imagem de aqui

 

Não sei quando começou, mas pelo menos desde que a R. está no liceu de Setúbal, todos os anos no mês de Maio a disciplina Moral organiza com um grupo de alunos um fim de semana de acampamento na serra da Arrábida. Arranjam tendas, sacos cama, tudo o que é necessário, metem os miúdos num autocarro e rumam à zona de Picheleiros.

 

Durante o fim de semana os miúdos tem que montar as tendas, organizarem-se para cozinhar, fazer caminhadas pela serra, .. tudo isto com o objectivo de promover o convívio e a camaradagem.

 

Este ano a actividade estava marcada para o primeiro fim de semana de Maio, os miúdos já se estavam a organizar e a contar com mais um fim de semana de convívio, até que de repente tudo foi cancelado.

 

O director do liceu proíbe durante o terceiro período qualquer actividade organizada, mesmo que seja ao fim de semana... isto porque os miúdos tem é que se concentrar em estudar para tirar boas notas para o Ranking... .. sim, foi esta a explicação dada pela docente de moral aos miúdos.

 

Curiosamente parece que no inicio do ano quando a turma da R esteve até Novembro sem professora de matemática  o senhor não tinha essa preocupação, nem a teve quando na reunião do fim do primeiro período os pais nos indignamos com o facto de a turma ter tido menos de metade das aulas de matemática e exigimos saber o que faria o liceu para compensar essas aulas.... após consulta com a direcção resposta da directora de turma foi que não se podia fazer nada.

 

Sempre achei que o Ranking das escolas era uma enorme estupidez porque  compara realidades que dificilmente são comparáveis. Como se pode comparar uma escola com umas dezenas de alunos com uma com milhares? Como se pode comparar uma escola do Restelo com uma da Cova da Moura? Ou uma de Campo de Ourique com uma de um qualquer concelho do interior onde os miúdos por vezes demoram horas a chegar da aldeia onde vivem à escola?

 

Curiosamente na ultima reunião com os pais uma das coisas de que a directora de turma se queixou foi da falta de espírito de grupo da turma, houve inclusivamente uma mãe que sugeriu que se encontrasse a forma deles se encontrarem e conviverem fora da escola... alguém devia falar disso ao senhor director, há coisas mais importantes que os rankings, queremos que a escola forme pessoas, cidadãos, não máquinas.

 

Jorge Soares

publicado às 22:21

 

 

O vídeo apresenta casos reais de pessoas que passados vários anos voltaram a encontrar o grande amor das suas vidas.

 

Jorge Soares

 

publicado às 22:14

Vídeo - Diga não ao racismo

por Jorge Soares, em 16.04.15

 

 

Sem comentários.

 

Jorge Soares

 

publicado às 23:16

Mãe, o que é ir à missa?

por Jorge Soares, em 25.02.15

Imagem minha

 

Um destes dias, já não sei a propósito de quê, a D na sua infinita curiosidade saiu-se com o seguinte:

 

- Mãe, o que é ir à missa?

 

A minha meia laranja ia tendo um fanico, e a seguir teve mesmo quando olhou para mim e eu disse:

 

- Finalmente à terceira fizemos o trabalho como deve ser! 

 

Ela ainda tentou argumentar, mas eu como quem não quer a coisa, lembrei-lhe como tinha corrido a experiência do N. e a R. com os escuteiros e a catequese (ver este post), deve ter funcionado, não se voltou a falar do assunto.

 

Os meus filhos são os três baptizados, a mais nova já tinha sido baptizada quando chegou cá a casa e os mais velhos são porque a P. e uma parte da  família faziam questão, a mim tanto se me dá que o sejam ou não, a educação que sempre pensei para os meus filhos não tem nada a ver com religião. Sempre tentei educar com o exemplo e se possível ensinando os meus filhos a pensar por sí, se no fim eles por si e pela sua cabeça chegarem a uma religião qualquer, isso é problema deles, mas se for pelo meus exemplo, não irão de certeza absoluta precisar de igreja ou religião para nada.Eu não preciso mesmo.  Ninguém é melhor pessoa por acreditar ou não em deus, pessoas boas e más há em todas as religiões do mundo e evidentemente entre os ateus.

 

Porque é que me lembrei de tudo isto, porque hoje pelo meu facebook passou o seguinte artigo: Famílias sem religião estão fazendo um trabalho melhor do que as demais

 

Trata-se evidentemente de um artigo sobre vários estudos feitos nos Estados Unidos, vale o que vale, mas não deixa de ser interessante olhar para as várias conclusões, vejamos:

 

-apresentam muito mais solidariedade e proximidade emocional entre pais e filhos

 

-A maioria parecia viver vidas plenas caracterizadas por uma direcção moral e um sentido de que a vida possui um propósito.

 

-têm seus próprios valores morais e preceitos éticos, entre eles a solução racional de conflitos, autonomia pessoal, livre-pensamento, rejeição de punições corporais, um espírito de questionar tudo e, principalmente, empatia

 

- tratar os outros como gostaríamos que fôssemos tratados. Este é um imperativo ético antigo e universal, e não há nada nele que force a crença no sobrenatural

 

-Quando estes adolescentes se tornam adultos, eles tendem a apresentar menos racismo que seus colegas religiosos

 

-Os adultos seculares têm uma tendência maior a compreender e aceitar a ciência do aquecimento global, a apoiar a igualdade feminina e os direitos dos gays.

 

-No cenário internacional, países democráticos com os menores níveis de fé religiosa são também os que têm as menores taxas de crimes violentos e gozam de bem estar social relativamente alto

 

Ora, a mim parecem-me argumentos suficientes, mas muito mais importante que tudo isto é o facto de eu querer que os meus filhos aspirem a ser pessoas cultas e integras com consciência, não por medo às consequências do pecado ou aos castigos divinos e sim porque essa é a forma correcta de se viver.

 

Jorge Soares

publicado às 23:25

Em que século vive César das Neves?

por Jorge Soares, em 28.01.15

cesardasneves.jpg

 

Imagem retirada do Ponte Europa 

 

"A imprensa parece inebriada com a homossexualidade. Este fascínio ressurgiu agora nas discussões sobre adopção por casais do mesmo sexo: a generalidade dos jornalistas assumiu implicitamente apenas uma possibilidade válida, desprezando as alternativas como obscurantismo, numa promoção aberta da sodomia"

 

João César das Neves no DN

 

Obscurantismo? Promoção aberta da sodomia? Mas este senhor lê o que escreve? Para ele o tema da adopção por casais do mesmo sexo, não devia ser discutido pois diz respeito a umas poucas centenas de indivíduos homossexuais casados.... e lá por serem poucos não tem direitos porquê? E as  crianças que com eles vivem são menos que as outras porquê? E lá por terem gostos sexuais diferentes dos dele tem menos direitos porquê?

 

Quem lê o artigo completo fica com a ideia que todos os males do mundo são o resultado da revolução sexual, não fosse a invenção da pílula e o mundo  seria perfeito, não haveria divórcios, os casamentos seriam todos perfeitos, a natalidade seria altíssima e não haveria no mundo pessoas sozinhas.

 

Segundo ele a liberdade sexual é um mito, que é utilizado pelos liberais deste mundo para fazer revoluções que só servem para destruir famílias....Está-se mesmo a ver que para ele o mundo perfeito era aquele em que os casamentos eram combinados pelos pais, o sexo era uma vez por semana e só para fazer filhos e depois de os ter a mulher tinha era que estar em casa a tratar dos filhos e das refeições do marido e claro,  ir à missa todos os dias.

 

Há muito tempo que não lia tantas parvoíces juntas, e custa-me entender como é que um jornal como o DN, que eu tinha por sério, dá voz a alguém que parece que entrou numa máquina do tempo algures a meio do século XIX e aterrou no meio da Lisboa do século XXI.

 

Na realidade não é de estranhar, foi este mesmo senhor que disse que "A maior parte dos pensionistas não são pobres, fingem" ou "É criminoso subir o salário mínimo" ou ainda "Esta crise é uma oportunidade de bondade, de caridade e de solidariedade"... entre outras coisas que não fosse o tom sério com que ele fala e escreve, fariam dele o humorista perfeito.

 

Alguém me explica em que século vive este senhor?

 

Jorge Soares

publicado às 22:43

Conto - És Feliz?

por Jorge Soares, em 01.11.14

es_feliz2.jpg

 

Todos sabemos que os mortos não voltam; por uma razão muito simples — morreram. No entanto, uma inaptidão para lidar com a interrupção do devir leva-nos a imaginar os nossos mortos, em forma carnal incorrupta, como quando os conhecemos. Aliás, a aventura humana, com as suas contínuas “entregas de testemunho cultural”, é muito eficaz a fazer-nos proceder como se houvesse um devir contínuo. E um contínuo progresso. Esta nossa capacidade de abstração e de idealização permite-nos imaginar os cenários mais inverosímeis com a naturalidade das coisas quotidianas.

 

Um avô meu morreu em 1950, quando eu tinha dois anos. Uma lembrança que tenho dele é, provavelmente, falsa. Era um agricultor que tinha vivido sempre na aldeia — exceto a passagem por França, na I Guerra Mundial — e cuja informação se fazia nos mercados, nas conversas de vizinhos e, talvez, num jornal mensal. O mundo dele era calmo, duro, equilibrado. Vivia ao ritmo das estações. A curiosidade de o conhecer é natural. Como seria se o encontrasse hoje, ele parado nos cinquenta e tal anos da fotografia da parede, bem mais novo que eu agora? Como nos relacionaríamos, se convivêssemos durante, digamos, um mês? Como camaradas? A sua ascendência prevaleceria, ou a minha maior idade fá-lo-ia reverente, vindo ele dum tempo em que o respeito pelos mais velhos era sagrado?

 

Se bem o vislumbrei, melhor o fantasiei. O meu avô esteve connosco um mês. Acompanhou a minha família em todos os momentos, desde os de lazer caseiro, aos de afobamento de afazeres citadinos. Mostrei-lhe as maravilhas do meu tempo e indaguei-o sobre muitos aspetos do dele. Levei-o velozmente pelos lisos tapetes das autoestradas do país, mostrei-lhe a ponte de dezassete quilómetros sobre o Tejo, mergulhámos de metro no ventre da cidade em hora de ponta, guiei-o pelas avenidas dos grandes centros comerciais e outros formigueiros. Ele mostrava-se um pouco confuso, mas muito adaptável. Gostou especialmente da televisão por cabo. Devorava sobretudo as notícias. Embora se admirasse com os telemóveis, o computador e a internet, ficava particularmente desconfiado com o microondas e divertido com a máquina elétrica de barbear. Achava piada às roupas deste tempo e às pessoas nos ginásios. Ver-me a pedalar em seco levava-o às lágrimas. Gostou de encontrar roupa pronta a vestir e de conhecer as várias utilizações dos plásticos. Apreciou o serviço de aconselhamento médico pelo telefone, a que tive de recorrer. Admirava a utilidade de conservação do frigorífico e a frescura das bebidas e da fruta, embora achasse esta insípida, apesar das cores fortes e dos tamanhos surpreendentes.

 

Finalmente, chegou o dia em que o prazo planeado acabava. Chamou-me de lado e — cito de memória — disse-me:

«Amaro, meu homónimo, meu velho neto, gostei muito de conhecer a tua família e o teu mundo. É um mundo admirável, mas difícil de compreender para um homem do meu tempo. Custa-me a crer que os homens foram à Lua, que desvendaram as entranhas da vida, que criaram certas maravilhas tecnológicas. Talvez tenham feito tudo isso, mas continuam a não ser solidários; nem sequer conseguem viver juntos. As guerras são permanentes, e em inúmeros pontos do planeta há milhares de pessoas a morrer de fome — que conceito abominável — enquanto nos países ricos se destroem milhares de toneladas de alimentos, para não deixar baixar os preços. As cidades estão cheias de fumo e sobrepovoadas. As pessoas amontoam-se em pequenos espaços, trabalham toda a vida para pagar a casa, quase não veem os filhos. Toda a gente tira cursos superiores, mas poucos conseguem exercer uma profissão nessa área de estudos. Os jovens apenas conseguem trabalhos precários, às vezes, escravatura encapotada, com nomes pomposos como “estágio não remunerado”.

 

E, no entanto, tens razoáveis condições para ter uma vida boa: já não trabalhas, recebes o suficiente para viver, tens tempo e saúde, podes fazer o que quiseres. E o que fazes tu? Agora brincas aos cronistas, como tens brincado aos bloguistas e aos contistas. Passas demasiado tempo ao computador. Tens mais amigos na internet que na “vida real”. As novidades tecnológicas vêm, envolvem-te e passam. Tens centenas de DVD que nunca vês, dezenas de CD que nunca ouves, rádios, oitenta canais de televisão, dos quais vês meia dúzia. A oferta é avassaladora, dispersa-te. Era um mundo assim que idealizavas? Parece-me que estás esquecido dos sonhos da adolescência. Diz-me: és feliz?»

 

Antes que eu tivesse tempo de responder, deu-me um abraço e foi-se embora. Melodramático, este meu avô, mas interessante. Gostava de ter estado mais tempo com ele!

 

Joaquim Bispo 

* * *

(Esta crónica integra a coletânea resultante da edição de 2013 do Concurso Literário da Cidade de Presidente Prudente.)

 

* * *

 

Ilustração de Rodolfo Bispo: https://www.facebook.com/rodolfo.bispo.77

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:31

Justiça ou demagogia e caça às bruxas'

por Jorge Soares, em 02.09.14

Criança

 

Imagem do Público

 

Hoje levei os meus filhos para Lisboa, manhã cedo ouço sempre a Antena 1 e hoje não foi diferente, por muito que eles preferissem a Antena 3, às 8 as noticias falavam da hipótese de que os dados sobre pedófilos e condenados por crimes sexuais estivessem disponiveis para consuta de qualquer pessoa com filhos menores de 16 anos.

 

Antes mesmo que eu pudesse processar o assunto já a R. a adolescente reivindicativa cá de casa estava a reclamar:

 

- Mas isso é uma estupidez, as pessoas tem os seus direitos, já foram condenadas e já pagaram pela sua culpa, não podem ficar assim expostas a qualquer um que lhes queira fazer a vida impossível, isso é o que acontece nos estados unidos e as pessoas são impedidas de viver.

 

Nestas alturas fico sempre com um sentimento de dever cumprido.

 

Eu sei que o tema é melindroso, concordo que a pedofilia é um crime horrendo e que muitas vezes quem comete esses crimes o volta a fazer, mas, até posso concordar que as autoridades tentem de alguma forma registar e controlar estas pessoas, mas não posso concordar que se tornem públicos dados pessoas de pessoas que se é verdade que cometeram um crime, também é verdade que já pagaram por ele e após o cumprimento das penas tem direito à sua vida.

 

Qual a diferença entre um pedófilo e um assassino? Quem matou uma vez pode matar duas vezes, quantas vezes olhamos para o lado quando vemos violência familiar e depois esse olhar para o lado termina em morte de alguém com a cumplicidade de quem diz que "entre marido e mulher ...."?

 

Porque não disponibilizar da mesma forma os dados de quem agride mulheres .. e já agora, porque não divulgar publicamente quem foge aos impostos, quem excede os limites de velocidade, ou quem atravessa a rua fora da passadeira?.... se formos por aí de certeza que não vai ficar ninguém fora da lista.... mas aposto que aí vamos todos ser  muito zelosos da nossa privacidade?

 

Esta proposta de lei é completamente demagógica e mais que tentar controlar, o que tenta promover é uma caça às bruxas, vai haver muito ocioso que vai ir consultar as listas e esquecendo o dever de sigilo, vai tornar a vida de muita gente num inferno, seja ou não a pessoa culpada, tenha ou não pago a factura dos seus crimes...

 

Há uma diferença enorme entre controlar e humilhar, ninguém deixa de ter direitos porque cometeu erros na vida e pagou por eles, todo o mundo tem direito a uma segunda oportunidade e recomeçar em paz, não é promovendo a caça às bruxas que se resolve o problema da pedofilia, não se combatem erros com outros erros.

 

Jorge Soares

 

 

publicado às 23:00

Conto - Ler, pensar, observar, meditar...

por Jorge Soares, em 30.08.14

 

 morte

 

 

Dizem-me fria, insensível, dura, porque não me espanto nem choro mais com a morte de alguém ainda que próximo. Não é bem assim. É lógico que sinto a dor da saudade quando um ente querido morre. O que não consigo é prolongar essa dor e, confesso, não entendo quem a prolonga. Entendo a tristeza, mas não entendo e não aceito o lamento. Lamentar a morte é não entender a vida.
Poderiam me perguntar: “e quando se enterra um amigo querido, um filho, uma criança, um pai ou mãe, um irmão? Você não lamentaria?” Não, não lamentaria. Claro que sofreria, mas não lamentaria como um dia já lamentei. Hoje encaro a morte como o final necessário de um ciclo, seja ele curto ou longo. A vida é sempre completa, dure ela um dia, um ano, um século. Vejo pessoas que morrem anciãs sem terem realmente vivido, como vejo outras que morrem depois de uma curta existência plenamente vivida. Nascemos todos com prazo de validade e, quando penso grande, percebo que, por mais que vivamos, não vivemos pouco mais que um século. Ora, o que são unidades, dezenas ou uma centena diante dos milhões de anos da existência humana na terra? Um grão de areia no oceano ou menos que isso. 
Uma vez ouvi um autor famoso dizer: “não tenho medo de morrer, tenho pena”. Pena de que? De deixar a vida? Não, não tenho pena. Imaginem a chatice infinda que seria viver se não soubéssemos que um dia morreríamos! Que incompletude, que “nonsense” um caminho que não tivesse fim! Ora, tudo na natureza tem começo, meio, fim e renovação, um ciclo interminável. Uma flor, por exemplo, nasce, desabrocha e morre. Qual seria sua graça se não houvesse a possibilidade de outra nascer no seu lugar? Se fosse sempre ela a estar ali? Um tédio, convenhamos. Além do mais, parece-me justa, razoável e salutar, a conclusão de que precisamos morrer para que outros nasçam, assim como outros morreram antes para nos ceder o lugar.

Há aqueles que dizem não terem medo da morte propriamente dita, mas da doença que a precede. Pensem bem, quando estamos doentes a vida perde muito da sua graça, pelo menos para mim. Na doença, a ideia de morrer é muito menos apavorante, já que o que se quer é que a dor ou o mal estar passe a qualquer custo. Uma dor de cabeça intensa, por exemplo, dá-me vontade de fechar os olhos para o mundo. Tomo comprimidos fortes o suficiente para me aliviar e me fazer dormir. Dormir... Eis a palavra chave!
Lembram-se de Shakespeare? “... Morrer... dormir... mais nada... Morrer... dormir... dormir... Talvez sonhar...” Para mim, essa passagem de Hamlet funcionou como um clarão e foi um dos motivos que me fez perder o medo da morte: se morro e não há sonhos, será o nada e nada saberei. Se sonhos houver, ainda que ruins, estarei no lucro.
Não pensem que aceitando a morte com essa naturalidade, estaria desvalorizando a vida. Muito pelo contrário. Considero a vida um milagre maravilhoso e, como tal, não canso de maravilhar-me, deslumbrar-me com ela. Por isso mesmo, eu a vivo de forma intensa. E o faço porque encaro a morte sem medo, pensando sempre na sua possibilidade iminente, com a percepção real de que morrer é natural como viver. Posso, assim, entender melhor aquele negócio de viver o dia de hoje como se fosse o último. Ah, a vida! A vida - nela contida a morte - é fruto de um acaso poderoso! Não é por acaso que o acaso tenha tanta força sobre nós, pois por causa dele é que existimos, já dizia um autor antigo. 
Não, não há porque temer a senhora da foice. Não, não tenho medo de morrer, nem pena. Medo por quê? Pena por quê? Acho a morte fascinante, afinal ela faz parte dessa coisa fascinante que é a vida.
Cheguei a essas conclusões por volta dos trinta anos. Até então só conhecia a morte por ouvir dizer, tão longe de mim distante andava. Manejava sua foice com parentes e conhecidos longínquos. Quando resolveu se aproximar, foi de tal forma abrupta e repentina que me chocou deveras. Sem mais nem menos, levou minha melhor amiga num acidente estúpido. Uma hora antes, ríamos escancaradas e intensamente para a vida. Uma hora depois, minha amiga não mais existia, esmagada que fora sob as ferragens de um carro. Foi nessa época que parei para pensar a morte e pensar seriamente sobre a precariedade da vida, mesmo porque, depois desse primeiro contato, a morte se aproximou inúmeras vezes, levando pais, irmãos, parentes e amigos.
A princípio, como quase todo mundo, tentei me socorrer com a ideia religiosa de vida depois da morte, promessa de todas as religiões do mundo, mas nada nesse sentido me satisfazia. Se estávamos certos do renascimento, soava-me incoerente tanta tristeza e luto. Deixei de lado essa ideia e parti em busca de outras respostas¸ procurando entender porque tememos e nos chocamos tanto com a única certeza da vida. Procurando entender porque vivemos como se a morte não existisse, não pelo menos até que ela se avizinhe. Nessa busca, observava o mundo, lia, pensava, meditava. De tanto filosofar, um dia percebi que não mais a temia. E não a temia porque a entendia e, oh prazer supremo, estava livre. Sim, porque quando se entende a morte consegue-se a liberdade. Filosofar é aprender a morrer, disse Montaigne.
Bem, vocês devem estar se perguntando aonde eu quero chegar com esse discurso. Pra falar a verdade, eu também não sei. À parte a falta de assunto, talvez uma tentativa de aplacar a ansiedade que sinto pelo resultado do Raio X que fiz ontem do tórax. Sou uma fumante inveterada e estou em pânico, sem saber o que conterá o laudo médico... Oops!
Aiaiai... Mas se cheguei a tantas conclusões, que medo é este que sinto agora diante de um resultado clínico? O que foi mesmo que Montaigne disse? Que filosofar é aprender a morrer? Será mesmo? Não e não, meu querido filósofo, não há filosofia no mundo que nos ensine a morrer. Não há quem, diante da morte iminente, consiga encará-la com naturalidade. Não há mãe que enterre seu filho sem se desequilibrar, sem levar para sempre um vácuo no coração. Não há filho que enterre seu pai sem que o chão lhe falte durante muito tempo. Não há quem não precise de muletas quando um grande amigo se vai. Não há filosofia que nos console nessas ocasiões. Filosofar é uma coisa, Montaigne, vivenciar é outra bem diferente. E, no entanto, nada mais certo, lógico e natural que morrer. Ah, a contradição humana! Eis um tema sobre o qual preciso me debruçar. Preciso ler, observar e meditar seriamente sobre isso...

Cecília Maria De Luca

 

Retirado de Samizdat

publicado às 21:26


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