
Andam falando que não sou mais a mesma, que não me importo mais com as pessoas à minha volta, que ando deixando velhos amigos de lado. Que eu, antes tão disponível e generosa, tornei-me egoísta, egocêntrica e com meu ego inflado.
Pensei muito sobre tudo isso. Não gosto de ferir ninguém e não seria agora que o faria. Mas por mais que me tenha analisado, não vejo ponto de retorno. Sim, eu mudei, mas para melhor. Por favor, meus queridos e velhos amigos, é para vocês que tentarei explicar e, também, a quem mais possa interessar.
Sempre procurei entender a ordem natural de todas as coisas e com ela me acomodar. Comparo-me à natureza: lua nova, crescente, cheia e minguante; primavera, verão, outono, inverno; infância, juventude, maturidade e velhice. Simples e lógico, pois não? E se era simples, lógico e natural, tentava me convencer e enfrentar, serena, o inverno que chegava. Não seria tão ruim. Teria livros e livros para ler, filmes e filmes para assistir, não precisaria me preocupar com aparência, roupas novas e coisas do gênero. Seria até interessante, pensava, como pensava no saldo de amigos que me restou – pequeno, é verdade. Em nossos encontros, a conversa sempre girava em torno das últimas gracinhas e feitos dos netos, níveis de colesterol e glicose, quem adoeceu, quem se recuperou, quem morreu e, claro, falávamos do passado. Dessa parte até gostava porque tive uma vida bem vivida e havia muita coisa para lembrar e relembrar. Estava assim, sem tristeza ou melancolia, sem saudade ou nostalgia, conformada, acomodada e... Ganhando peso. Como engordei!
Aos poucos, fui perdendo a vontade de sair de casa. Jantar fora? Nem pensar. Cinema? Ora tinha os telecines da vida. Shows, teatro, pra quê? – perguntava - olhando para a quantidade de DVDs na estante. Os livros empilhavam-se à minha cabeceira sem que tivesse ânimo de ler, eu que sempre os devorava avidamente. À pergunta dos familiares se não iria retocar a raiz dos cabelos ou se ficaria de chinelos o dia todo, respondia com um simples sacudir de ombros. Meu interesse resumia-se a ler resultado de exames médicos e a assistir aos noticiários, demonstrando em voz alta para a mobília da sala minha revolta contra fatos tão mórbidos, políticos tão corruptos e meu time do coração tão displicente. Depois, nem isso. Já não lia sequer os jornais do dia. A única coisa que sobrou foi minha disposição para ouvir e a ajudar quem precisasse. Tinha tempo e certa disponibilidade financeira para socorrer amigos e parentes em apuro, o que me fazia sentir útil. Se não fosse pelo fato de gostar ainda de rir e de me interessar sinceramente pelas pessoas ao meu redor, poderia cogitar em estado depressivo. Mas não, não era depressão. Estava apenas enferrujada e enregelada pelo frio da última estação que vivia, sem muito ânimo para sair da minha hibernação.
Foi então que a sorte, o destino, os deuses, o universo, seja lá o que ou quem for, resolveu agir. Por mero acaso, numa rede social, cerquei-me de amigos jovens. Jovens de uma, duas, três e até quatro gerações depois de mim. Minha natureza inquieta voltou a se manifestar. A vida pipocava dentro de mim num movimento crescente e, como se fora uma apoteose, a primavera explodiu no meu inverno. Vi a lógica se inverter. Não queria mais falar sobre netos, doenças, perdas, não queria recordar mais nada, médicos uma vez por ano e olhe lá. Queria apenas viver! Ah... as risadas, a alegria, os impulsos que só os jovens sabem ter! E com eles troco ideias, discuto fatos, acontecimentos e, principalmente, dou risada. Alguns se revelaram verdadeiros amigos, já não mais meramente virtuais. Estivemos juntos pessoalmente, eles me devolvendo a juventude que julgava perdida, eu retribuindo como podia a experiência já vivida.
Cecília Maria De Luca
Retirado de Samizdat