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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Imagem de Florbytes
O rapaz vinha do rio. Descalço, com as calças arregaçadas acima do joelho, as pernas sujas de lama. Vestia uma camisa vermelha, aberta no peito, onde os primeiros pêlos da puberdadecomeçavam a enegrecer. Tinha o cabelo escuro, molhado de suor que lhe escorria pelo pescoço delgado. Dobrava-se um pouco para a frente, sob o peso dos longos remos, donde pendiam fios verdes de limos ainda gotejantes. O barco ficou balouçando na água turava, e ali perto, como quem espreita, afloraram de repente os olhos globulosos de uma rã. O rapaz olhou-a, e ela olhou-o a ele. Depois a rã fez um movimento brusco, e desapareceu. Um minuto mais e a superfície do rio ficou lisa e calma, e brilhante como os olhos do rapaz. A respiração do lodo desprendia lentas bolhas de gás que a corrente arrastava. No calor da tarde, os choupos altos vibraram silenciosamente, e de rajada, como uma flor rápida que do ar nascesse, uma ave azul passou rasando a água. O rapaz levantou a cabeça. No outro lado do rio, uma rapariga olhava-o, imóvel. O rapaz ergueu a mão livre e todo o seu corpo desenhou o gesto de uma palavra que não se ouviu. O rio fluía, lento.
O rapaz subiu a ladeira, sem olhar para trás. A erva acabava logo ali. Para cima, para além, o solcalcinhava os torrões dos alqueives e os olivais cinzentos. Metálica, dura, uma cigarra roía o silêncio. À distância, a atmosfera tremia.
A casa era térrea, acachapada, brunida de cal, com uma barra de ocre violento. Um pano de parede cega, sem janelas, uma porta onde se abria um postigo. No interior, o chão de barro refrescava os pés. O rapaz encostou os remos, limpou o suor ao antebraço. Ficou quieto, escutando as pancadas do coração, o vagaroso surdir do suor que se renovava na pele. Esteve assim uns minutos, sem consciência dos rumores que vinham da parte de trás da casa e que se transformaram, de súbito, em guinchos lancinantes e gratuitos: o protesto de um porco preso.
Quando, por fim, começou a mover-se, o grito do animal, desta vez ferido e insultado, bateu-lhe nos ouvidos. E logo outros gritos, agudos, raivosos, uma súplica desesperada, um apelo que não espera socorro.
Correu para o quintal, mas não passou da soleira da porta. Dois homens e uma mulher seguravam o porco. Outro home, com uma faca ensaguentada, abria-lhe um rasgo vertical no escroto. Na palha brilhava já um ovóide achatado, vermelho. O porco tremia todo, atirava gritos entre as queixadas que uma corda apertava. A ferida alargou-se, o testículo apareceu leitoso e raiado de sangue, os dedos do homem introduziram-se na abertura, puxaram, torceram, arrancaram. A mulher tinha o rosto pálido e crispado. Desamarraram o porco, libertaram-lhe o focinho, e um dos homens baixou-se e apanhou os bagos, grossos e macios.
O animal deu uma volta, perplexo, e ficou de cabeça baixa, arfando. Então o homem atirou-lhos. O porco abocou, mastigou sôfrego, engoliu. A mulher disse algumas palavras e os homens encolheram os ombros. Um deles riu. Foi nessa altura que viram o rapaz. Ficaram todos calados e, como se fosse a única coisa que pudessem fazer naquele momento, puseram-se a olhar o animal que se deitara na palha, suspirando, com os beiços sujos do próprio sangue.
O rapaz voltou para dentro. Encheu um púcaro e bebeu, deixando que água lhe corresse pelos cantos da boca, pelo pescoço, até os pêlos do peito que se tornaram mais escuros. Enquanto bebia, olhava lá fora as duas manchas vermelhas sobre a palha. Depois, num movimento que parecia de cansaço, tornou a sair de casa, atravessou o olival, outra vez sob a torreira do sol.
A poeira queimava-lhe os pés. e ele, sem dar por isso, encolhia-os, para fugir ao contacto escaldante. A mesma cigarra rangia, em tom mais surdo. Depois a ladeira, a erva com o seu cheiro de seiva aquecida, a frescura entontecedora debaixo dos ramos, o lodo que se insinua entre os dedos dos pés e irrompe para cima.
O rapaz ficou parado, a olhar o rio. Sobre um afloramento de limos, uma rã, parda como a primeira, de olhos redondos sob as arcadas salientes, parecia estar à espera. A pele branca da goela palpitava. E a boca fechada fazia talvez uma prega de escárnio. Passou tempo, e nem a rã nem o rapaz se moviam. Então o rapaz, desviando a custo os olhos, como para fugir a um malefício, viu no outro lado do rio, entre os ramos baixos dos salgueiros, aparecer a rapariga. Outra vez, silencioso e inesperado, passou sobre a água o relâmpago azul.
Devagar, o rapaz tirou a camisa. Devagar se acabou de despir, e foi só quando já não tinha roupa nenhuma no corpo que sua nudez, lentamente, se revelou. Assim como se estivesse curando uma cegueira de si mesma. A rapariga recuou para a sombra dos salgueiros e com os mesmos gestos lentos se libertou do vestido e tudo quanto a cobria. Nua sobre o fundo verde das árvores.
O rapaz olhou uma vez mais o rio. Círculos que alargavam e perdiam na superfície calma, mostravam o lugar onde a rã mergulhara. Então, porque o Verão queimava e era urgente negar o escárnio, o rapaz meteu-se à água e nadou para a outra margem, enquanto o vulto branco da rapariga se escondia entre os ramos.
José Saramago
Retirado de Contos de Aula
Se eu fosse um crente diria que a esta hora o Saramago estaria a rir a bandeiras despregadas lá onde estivesse... segundo esta noticia do Ionline, esta terá sido a ultima capa da Playboy Portuguesa:
"Theresa Hennessy, vice-presidente da Playboy Entertainment, garante que a publicação das fotografias é “uma violação chocante das normas” e não teriam sido publicadas se a Playboy tivesse conhecimento antecipado. Em declarações ao site norte-americano Gawker, a responsável garante: “Devido a esta e a outras questões com os editores portugueses, estamos prestes a rescindir o nosso acordo.”
Apesar de nunca ter comprado a revista, tenho seguido através da blogosfera os comentários às diferentes capas, que podem ver aqui, na minha opinião, na sua maioria de péssimo gosto e algumas, a primeira por exemplo, de mais que duvidosa qualidade fotográfica. Não vi todas, mas atrever-me-ia a dizer que esta foi das mais bem conseguidas. Quanto ao resto da reportagem... do que tenho visto na blogosfera estará ao nível do que é costume, cenas lésbicas incluídas, a única diferença é que em todas as fotografias o senhor que aparece na capa com a beleza nos braços, está a observar atentamente o que se passa... e claro, a estragar as fotografias.
Num país como o nosso em que o facto de uma professora ter aparecido na revista causou mais barulho que as vuvuzelas do futebol, era claro que esta capa iria causar um enorme reboliço. Faz-me um bocado de confusão.... bom, muita confusão, que os responsáveis de uma revista que faz do seu negocio o mostrar senhoras despidas de preconceitos e especialmente de roupas, venha agora dizer que teria censurado esta reportagem só porque junto às meninas despidas aparece uma imagem de um senhor que está atentamente a olhar para elas.
Senhores da playboy, há limites para o cinismo e a hipocrisia, estão agora armados em puritanos porquê?
Update: Responsáveis da Playboy portuguesa negam que a revista vá encerrar
Jorge Soares
Imagem do Henricartoon
Eu não gosto de funerais, não gosto do que significam, o fim do caminho, e não gosto daquilo em que se converteram, há muito que acho que devemos mostrar apreço e carinho pelas pessoas enquanto elas estão vivas, se realmente gostamos de alguém, devemos mostrar esse apreço enquanto a pessoa nos pode ouvir, ver e entender, depois da morte é tarde, não vale a pena.. não está lá nada nem ninguém....
Goste-se ou não, Saramago foi um grande, enorme mesmo, escritor, levou o nome do país muito longe, era uma pessoa de convicções fortes e que não se prendia em detalhes para mostrar ao mundo a sua obra. Pelo caminho mexeu com muitas sensibilidades, criou ódios de estimação.
No inicio dos anos 90 escreveu a sua obra mais polémica, o Evangelho segundo Jesus Cristo. Em Portugal vivia-se a época do cavaquistão e rezam as crónicas que um secretário de estado de Cavaco, impediu a candidatura da obra ao Prémio Literário Europeu porque supostamente o livro atacava "O património religioso dos portugueses"
Terá sido esta decisão, um inadmissível acto de censura por parte do governo, a gota de água que levou o escritor a emigrar para Lanzarote onde viveria até morrer na passada sexta-feira.
Sempre achei Cavaco Silva, para além de um politico desprezível, um homem com sorte, essa sorte foi uma vez mais bem patente, Saramago morreu precisamente no fim de semana que ele tinha escolhido para estar de férias nos Açores, bem longe de Lisboa e de tudo o que rodeou a morte do escritor. Era claro para todos nós que Cavaco e Saramago não morriam de amores um pelo outro, que não eram amigos e que os separavam enormes diferenças ideológicas e de pensamento.. mas um presidente da República é alguém que por definição não tem amigos. O presidente da República é alguém que antes de mais tem obrigações de estado e obrigações ante os cidadãos do estado.
Por muito que a mim me pareça que todas estas homenagens deveriam ter sido prestadas antes, a verdade é que o país decidiu prestar homenagem a um dos seus cidadãos mais ilustres. Quando decidiu não comparecer e dar uma desculpa esfarrapada , Cavaco Silva mostrou que coloca os seus sentimentos pessoais e a sua ideologia politica à frente dos seus deveres de estado, e como muito bem diz Daniel Oliveira no Expresso: "É incoerente decretar dois dias de luto nacional e depois estar ausente da cerimónia oficial."
É claro que se atendermos à posição oficial da igreja através do Jornal do Vaticano e às últimas notícias que dão conta das reacções da direita mais conservadora à promulgação do casamento Homossexual, poderíamos sempre concluir que tudo isto já faz parte da campanha politica.... mas isto já sou eu e o meu mau feitio a pensar alto.
Jorge Soares
Imagem do Público
Morreu José Saramago, não sou fã do escritor, não aprecio o estilo nem a forma de escrever, mas sou definitivamente fã do homem, da sua forma de ir pelo mundo, da sua forma de dizer o que lhe vai na alma. Independentemente de gostarmos mais ou menos dos seus livros, mais ou menos da pessoa, não podemos ficar indiferentes ao facto de ser um dos poucos vultos da literatura em Português, escritor respeitado e admirado a nível internacional, galardoado com um Nóbel, o maior prémio a que pode aspirar um escritor.
Os homens com esta dimensão não morrem, apesar de fisicamente não estar mais entre nós, a sua obra é imortal, os seus livros perdurarão para sempre e ele com eles.
Jorge Soares
Imagem do Público
José Saramago
Não sou grande fã do Saramago, curiosamente ou não, o único livro dele que me encheu as medidas foi o "O evangelho segundo Jesus Cristo", desde então li mais dois e não apreciei especialmente.
Hoje foi lançado o seu novo livro Caim e desde já está garantida a polémica, o escritor aproveitou a apresentação do livro para proferir uma serie de expressões que no minimo se podem considerar polémicas.
Quem me lê sabe que sou ateu, Deus não existe, ponto final! é o segundo post mais comentado aqui no blog, mas o facto de ser ateu, não me faz olhar para o lado e ver que mal ou bem, toda a nossa cultura e educação é baseada na moral cristã que em ultimo termo está baseada nos ensinamentos da Bíblia.
Dizer que "a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana” é levar longe demais a vontade de promover o livro, um escritor que já ganhou um prémio nóbel de certeza que não precisa deste tipo de coisas para vender livros.
Vou de certeza ler este livro, por aí, ele conseguiu os seus intentos, mas quantas pessoas o deixarão de ler depois de lerem estas palavras? Para quê comprar uma guerra com a igreja e até com as outras religiões?
Não havia necessidade.
Jorge Soares
Imagem de aqui
Na verdade eu nem sou grande fan do Homem, também é verdade que ainda não li a maioria dos seus livros, e dos que li, ou adorei ( O evangelho segundo Jesus Cristo) ou não gostei por aí além (Todos os nomes) problema o meu e dos meus fracos gostos, quem sabe e daqui a uns tempos retomo a leitura ... mas não queria deixar de partilhar este texto... fantástico
Um Rei Assim, José Saramago
O rei assim é o sr. D. Duarte de Bragança, pessoa medianamente instruída graças aos preceptores que lhe puseram logo à nascença, mas que, não obstante, detesta a literatura em geral e o que escrevo em particular, primeiramente porque considera que no Memorial do Convento lhe insultei a família e em segundo lugar porque a dita obra é, de acordo com o seu requintado linguajar de pretendente ao trono, uma “grande merda”. Não leu o livro, mas é evidente que o cheirou. Compreende-se, portanto, que, durante todos estes anos, eu não tenha incluído o sr. D. Duarte, de Bragança, note-se, na escolhida lista dos meus amigos políticos. Não me importo de levar uma bofetada de vez em quando, mas a virtude cristã de oferecer ao agressor a outra face é virtude que não cultivo. Tenho-me desforrado apreciando devidamente as qualidades de humorista involuntário que este neto do senhor D. João V manifesta sempre que tem de abrir a boca. Devo-lhe algumas das mais saborosas gargalhadas da minha vida.
Isso acabou, a monarquia foi restaurada e há que ter muito cuidado com as palavras, não vão aparecer por aí, redivivos, o intendente Pina Manique ou o inspector Rosa Casaco. Como que restaurada a monarquia? perguntarão os meus leitores, estupefactos. Sim senhor, restaurada, afirmou-o quem tem as melhores razões para dizê-lo, o próprio pretendente. Que já não é pretendente, uma vez que a monarquia acaba de ser-nos restituída pelo drapejar da bandeira azul e branca na varanda da Câmara Municipal de Lisboa. Os moços do 31 da Armada (assim os escaladores se designam a si mesmos) têm já o seu lugar assegurado na História de Portugal, ao lado da padeira de Aljubarrota de quem se desconfia que afinal não matou castelhano nenhum. Não é o caso de agora, A bandeira esteve lá durante alguma horas (haverá um monárquico infiltrado na Câmara para ter impedido a retirada imediata?), pretende-se averiguar quem foram os autores da façanha, e isto acabará como sempre, em comédia, em farsa, em chacota. O sr. D. Duarte não tem estaleca para exigir na praça pública, perante a população reunida, que lhe sejam entregues a coroa, o ceptro e o trono.
É pena que uma tão gloriosa acção vá acabar assim. Mas como, no fundo, sou uma pessoa cordata, amiga de ajudar o próximo, deixo aqui uma sugestão para o sr. D. Duarte de Bragança. Crie já uma equipa de futebol, uma equipa toda de jogadores monárquicos, treinador monárquico, massagista monárquico, todos monárquicos e, se possível, de sangue azul. Garanto-lhe que se chega a ganhar a liga, o país, este país que tão bem conhecemos se ajoelhará a seus pés.
Jorge Soares( em contagem decrescente)
Ao que leio nos jornais, parece que para alguma da nossa classe mais cultural, está na moda emigrar, há até quem esteja tão indignado com o nosso país que até ameaça com renunciar à cidadania Portuguesa....
Tudo isto fez-me voltar atrás, faz 30 anos estes dias em que também fiz o mesmo, é claro que na inocência dos meus 10 anos de idade, eu não estava nada chateado com o país e nem a novidade que era andar pela primeira vez de avião, naquele enorme 707 da TAP, me apagou a tristeza de deixar para trás o meu pequeno mundo que não ia muito mais além da minha aldeia.
Como mudam os tempos, há 30 ou 40 anos as pessoas emigravam para poderem ter uma vida, um emprego, ou como no caso dos meus pais, para poderem educar os filhos. Faziam-se enormes sacrifícios para se poder sair do país, e depois durante anos e anos trabalhava-se de sol a sol para poder juntar uns tostões para a casinha na terra.. eram outros tempos e claro, outros emigrantes... no fundo, eram outros portugueses.
Sabem, a mim o discurso da Maria João Pires deu-me vontade de rir, não quero tirar valor ao seu trabalho, mas vamos lá ver: quem planeou o projecto, quem o implementou, quem escolheu a altura e o lugar, foi ela, aquilo correu mal, e a culpa é de quem?, do estado, é claro!!!!!! , o raio do estado não inventou mais dinheiro para lá colocar, vai de aí, a senhora decide desistir de tudo e ir viver para o Brasil.... deixo desde já a promessa que lhe darei o meu aplauso quando souber que ela abriu um novo Belgais numa das favelas do Rio de Janeiro e o fizer funcionar com o dinheiro do estado brasileiro.
Quanto ao Miguel Sousa Tavares.... bom, esse eu percebo, convenhamos que há algumas razões válidas para se ir viver para o Brasil, principalmente quando somos um escritor de sucesso, temos muito dinheiro e algumas amigas que por lá vivem,,, desde que ele não deixe de escrever a coluna na Bola, verdadeira lança colocada por um portista no coração da imprensa benfiquista, ele pode ir viver para onde quiser,, é com o dinheiro dele e do trabalho dele.
Mas já que estou numa de criticar, achei imensa piada ao José Saramago, ele mostrou-se muito preocupado com as palavras da Maria João Pires, é preocupante que ela queira renunciar ao país... ele, que como todos sabemos, mora há anos ali para os lados de .... Lanzarote... ou seja, na Espanha.
Agora, eu achava mesmo piada a toda esta gente, era se eles renunciassem a vender as suas obras, já seja musicais ou poéticas, em Portugal... isso é que era ser coerencia, de resto, podem ir viver para onde bem lhes apeteça... e vai de aí eu ia sentir falta deles, porque gosto dos livros dos senhores e da musica da senhora.. mas lá eles eram capaz de renunciar ao nosso mercado!!!!!!!!
Jorge Soares