Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem, os anjos atuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos. Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território. O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.
No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência. O preço dessa narrativa de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades.
Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de toda a história. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos. A Guerra-Fria esfriou mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente.
Para responder às novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação. Precisamos de investimento divino, precisamos de intervenção de poderes que estão para além da força humana. O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder. Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade.
Para enfrentarmos as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”. Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente limiar de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.
Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas incomodas como estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilhão e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia, são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça? Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes.
Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que seja preciso o pretexto da guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo. Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida. É verdade que sobre uma grande parte de nosso planeta pesa uma condenação antecipada pelo fato simples de serem mulheres. A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo.
Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência, nem de ética e nem de legalidade. É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões que realmente aconteceram. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar. Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo, muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós do sul e do norte, do ocidente e do oriente. Eduardo Galeano escreveu sobre o medo global: “Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quando não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras. E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.
Mia Couto
Hoje a meio da tarde, já nem sei a propósito de quê, lembrei-me do gato....e deste texto que escrevi já lá vão uns tempos...
Tinham passado uns meses desde que tínhamos mudado daquela casa quando passei na rua em frente ao edifício, de repente ele saltou do jardim, estava mais gordo... chamei, bichinho, bichinho, parou e olhou para mim, hesitou um momento e voltou a andar, voltei a chamar, bichinho! Olhou para trás e parou, acerquei-me, ia fazer-lhe um carinho na espalda.... afastou-se... saltou o muro e não o voltei a ver. Não sei se os gatos tem memória curta ou se estava chateado comigo, certo é que não quis confianças.
Depois de O Quebra cabeças de arame, de O perfume daquela rosa e de A carta, agora foi a vez de O Caminho dos Medronhos.
Recebi o seguinte email da RDP:
Caro Jorge Soares:
Queria avisá-lo de que, no próximo Domingo, dia 1, vamos ler a história que nos enviou, «O caminho dos medronhos», numa emissão que terá como convidada a guionista e autora Maria João Cruz.
Pode ouvi-la na Antena 1, a partir das 13h.
Para se manter actualizado em relação ao programa, consulte o nosso blogue:ahistoriadevida.blogs.sapo.pt
Cumprimentos, e boas histórias,
Inês Fonseca Santos.
Os 4 textos foram escritos aqui no blog, todos fazem parte das minhas memórias de vida, são histórias reais que por um ou outro motivo me vieram àe memória e que decidi partilhar com vocês, as pessoas que dão vida a este blog.
Obrigado a todos os que dedicam uns segundos da vossa vida a ler o que eu escrevo e obrigado à RDP pela enorme honra de seleccionar os meus humildes textos para partilhar com os seus ouvintes.
O Texto a ler no próximo Domingo dia 1 de Fevereiro, é este:
O caminho dos medronhos... ou a bebedeira!
Nasci num aldeia do distrito de Aveiro, num tempo em que se nascia em casa com uma parteira por obstetra, noutro tempo... agora muito distante.
A minha casa era num lugar donde a escola ficava a Quilometro e meio, mais coisa menos coisa, e desde os seis anos, lá ia eu, a pé para a escola, todos os dias. Acompanhado pela chuva do
Outono, a geada do Inverno ou o calor do verão, uma parte pela estrada, outra pelos atalhos que cruzavam pinhais e campos numa vã tentativa de encurtar caminhos.
Um dia, andaria eu na terceira classe, eu e o Quim Faianca, meu colega de caminho, descobrimos um novo atalho, que passando por entre campos de milho e batatais, encurtava duas ou três curvas ao caminho. A meio, na separação de dois terrenos, havia um medronheiro, naquele dia coberto de flores brancas. Na altura nem reparamos, mas de vez em quando lá passávamos, e pouco a pouco as flores foram passando a pequenas bolinhas verdes, que com o tempo passariam a bolas amarelas já rosáceas a meio da primavera, que mais tarde passariam a um vermelho vivo no inicio do verão e por fim a vermelho escuro, quase cor de vinho... quando as aulas estavam prestes a terminar.
Nós íamos passando por lá, um dia sim outro não, até que um dia reparamos que os melros e os pardais começavam a assentar arraiais na árvore em busca de um festim de frutos doces. Nesse dia, decidimos que estava na altura e na volta para casa... paramos lá.
O Quim, muito mais afoito a essas coisas que eu, subiu à pequena árvore, eu fiquei cá em baixo, comi todos os que estavam ao alcance da minha mão..e depois, ele ia atirando dos que estavam lá em cima. Há medida que íamos comendo, íamos ficando mais barulhentos, mais faladores, até que de repente, num movimento mal calculado a um caxo de medronhos mais distante, o Faianca estatelou-se no chão...e eu, após uns segundos de silêncio, desatei ás gargalhadas...... Ri feito doido, sem conseguir parar e a olhar para ele. Ele olhou para mim, levantou-se e riu comigo.
Depois disto, não consigo recordar muito mais, sei que fizemos o restante caminho até casa entre sorrisos e tropeções..e que cheguei a casa e a sentia às voltas, em lugar de ir almoçar, fui directo à casa de banho..... e despejei o estômago até à bilis... E consigo recordar uma enorme dor de cabeça que me acompanhou o resto do dia..e de que só passados quase 20 anos desenjoei dos medronhos e pude voltar a comer um!
Jorge
PS:Imagens retiradas da internet
Quem me costuma ler, de certeza que se recorda de O Perfume daquela rosa, um dos posts que melhor saiu neste blog e um dos que enviei para a RDP para o Programa a História Devida.
Bom, a data de emissão era 20 de Junho, a passada Sexta Feira...... acreditem ou não, não consegui ouvir. Às 17:20, a hora a que o programa costuma ser emitido, chegou a Lisboa o avião da selecção nacional que acabava de ser eliminada no Euro, e a Antena 1, uma rádio de serviço publico, esteve uma hora a relatar a saída dos jogadores da porta do aeroporto e a sua entrada para o autocarro...... um autêntico serviço publico.... e com isso, não deram o programa.
De todos modos, fui ao site da emissora e saquei o programa, que a Flor de Liz, se encarregou de passar para vídeo..... e que eu agora partilho com todos vocês.
O Perfume daquela Rosa - de Jorge Soares
Jorge
PS:Obrigado Flor, muito obrigado
Nasci numa aldeia do distrito de Aveiro, num tempo em que se nascia em casa com uma parteira por obstetra, noutro tempo... agora muito distante.
A minha casa era num lugar donde a escola ficava a um Quilometro e meio, mais coisa menos coisa, e desde os seis anos, lá ia eu, a pé para a escola, todos os dias. Acompanhado pela chuva do Outono, a geada do Inverno ou o calor do verão, uma parte pela estrada, outra pelos atalhos que cruzavam pinhais e campos numa vã tentativa de encurtar caminhos.
Um dia, andaria eu na terceira classe, eu o Quim Faianca, meu colega de caminho, descobrimos um novo atalho, que passando por entre campos de milho e batatais, encurtava duas ou três curvas ao caminho. A meio, na separação de dois terrenos, havia um medronheiro, naquele dia coberto de flores brancas. Na altura nem reparamos, mas de vez em quando lá passávamos, e pouco a pouco as flores foram passando a pequenas bolinhas verdes, que com o tempo passariam a bolas amarelas já rosáceas a meio da primavera, que mais tarde passariam a um vermelho vivo no inicio do verão e por fim a vermelho escuro, quase cor de vinho... quando as aulas estavam prestes a terminar.
Nós íamos passando por lá, um dia sim outro não, até que um dia reparamos que os melros e os pardais começavam a assentar arraiais na árvore em busca de um festim de frutos doces. Nesse dia, decidimos que estava na altura e na volta para casa... paramos lá.
O Quim, muito mais afoito a essas coisas que eu, subiu à pequena árvore, eu fiquei cá em baixo, comi todos os que estavam ao alcance da minha mão... e depois, ele ia atirando dos que estavam lá em cima. Há medida que íamos comendo, íamos ficando mais barulhentos, mais faladores, até que de repente, num movimento mal calculado a um caxo de medronhos mais distante, o Faianca estatelou-se no chão...e eu, após uns segundos de silêncio, desatei ás gargalhadas...... Ri feito doido, sem conseguir parar e a olhar para ele. Ele olhou para mim, levantou-se e riu comigo.
Depois disto, não consigo recordar muito mais, sei que fizemos o restante caminho até casa entre sorrisos e tropeções... e que cheguei a casa e a sentia às voltas, em lugar de ir almoçar, fui directo à casa de banho..... e despejei o estômago até à bílis... E consigo recordar uma enorme dor de cabeça que me acompanhou o resto do dia... e de que só passados quase 20 anos desenjoei dos medronhos e pude voltar a comer um!
Jorge
PS:Imagens retiradas da internet
Hoje recebi este email:
A sua história, «A carta», vai ser lida em antena pelo Miguel Guilherme na segunda-feira, dia 12 de Agosto.
Pode ouvi-la às 17h20, 21h20 ou 03h20, na Antena 1, da RDP.
Cumprimentos, e boas histórias,
Inês Fonseca Santos.
A HISTÓRIA DEVIDA
ahistoriadevida.blogs.sapo.pt
A carta foi um texto que escrevi aqui para o blog, e é o terceiro texto meu que vai ser lido neste programa da RDP.... ou eles andam com falta de textos para lerem... ou eu não escrevo assim tão mal.......
Bom, hoje é um daqueles dias, em que escrevo mal, tenho a meio mais uma daquelas histórias da tradição oral africana que escutei no outro dia... vamos ver quando sai.
Entretanto um vídeo:
4 Non Blondes - What's Up
Jorge
PS:imagem retirada da internet
Existem muitos desafios a circular pela blogosfera, neste momento tenho 2 ou três em atraso, mas este é um desafio diferente, o desafio do Finúrias que ele tem no seu blog Ministério da Soltura. O desafio está lá para quem o queira apanhar, mas a mim ele chegou-me por email. No email vinham três fotografias, eu deveria escolher uma e fazer um texto para a imagem.
É um desafio diferente, um desafio aliciante, tão aliciante que sou capaz de lá voltar.
A imagem é esta que coloco aqui em baixo, eu olhei para ela e vi solidão e vida, se calhar noutra altura, noutra hora, com outro estado de espírito poderia ter visto outra coisa, Paz, silêncio, ou calma, o instrumento musical, e de certeza que o texto seria completamente diferente, porque na realidade, o que escrevemos tem muito a ver com o nosso estado de espírito e pouco com o que está na imagem.
O fim do caminho
É o fim do caminho, um longo e penoso caminho, e agora estou só, mas nem sempre foi assim, já tive uma vida, uma família, amigos, já fui criança inocente e rebelde, já fui jovem impetuoso e inconsequente, já fui irmão, pai, tio, já fui amigo, inimigo, ladrão de beijos e sentimentos honestos.. e desonestos, já fui marido, amante, já trai e fui traído, ... porque eu vivi!
Agora estou só... não, não é verdade, comigo estão as recordações, as vivências, as pessoas, os anos bons e os maus, as dores, as ilusões, as paixões, os amores, os desamores, os enganos, as verdades inconsequentes, as mentiras duras, a dor.... Sim, a dor... no fim, resta a dor.. a dor de aquilo que apesar de tudo, podíamos ter vivido e não vivemos.
Resta a solidão...... e os fantasmas que fomos acumulando ao longo do caminho...... e a certeza que ante esta solidão.. não serei o fantasma de ninguém!
Jorge Soares
PS:Passem por lá, e peçam ao Finúrias para participar no desafio..