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Porque: "A vida é feita de pequenos nadas" -Sergio Godinho - e "Viver é uma das coisas mais difíceis do mundo, a maioria das pessoas limita-se a existir!"
Imagem do Público
“Não aconteceu nada.” Repito e repito a quem liga. Estou intacta, os “meus” estão intactos, suponho que não aconteceu nada.
Mas é um “nada” cheio de pessoas desaparecidas, é um “nada” repleto de cadáveres sujos, é um “nada” com muitas despedidas, com filhos perdidos, com mãos vazias.
E, sim, tenho lama até à cintura e pedregulhos no coração. E à noite, entre sonhos e pesadelos, tenho a casa inundada, filhos a escaparem-me dos braços e gritos maternos ecoam-me no peito e caem no colo saqueado.
E, sim, quando a chuva cai, em gotinhas miudinhas e inofensivas, não consigo respirar, vejo-me presa no carro vazio e sou arrastada para o fim do mundo e nada me prende e morro uma e outra vez.
E, sim, de vez em quando, vou a correr para casa e espero que ela lá esteja, rezo para que ela lá esteja, que as fotos de quem eu era, de quem os avós eram, esses que já cá não estão, lá estejam. Porque tenho medo de não ter mais passado, de sucumbir no meio da lama, da terra, do entulho e de me tornar invisível. Medo de acordar e já não existir.
E, sim, quando ando na rua olho de soslaio a ribeira, que vai murmurando baixinho, e as montanhas imponentes, que recortam o céu, e já não lhes adivinho nenhuma beleza…oiço-as troçar de mim, dos que choram, dos que partiram, dos que ficaram.
E, sim, a cada passo que dou, as pontes e as estradas parecem abrir buracos e as fendas invisíveis atormentam-me e não me surpreenderia cair no vazio e perder-me de mim, dos outros e não mais me encontrar ou ser encontrada.
E, sim, espero que me salvem e admira-me que me vejam a lama até à cintura, os pedregulhos na alma e não chamem ninguém para ajudar, espanta-me que na minha casa, inundada e vazia, não haja bombeiros atarefados, jornalistas curiosos a relatar ao mundo a tragédia que me assolou, que nos assolou a vida.
Parece que as ruas vão ficando limpas, algumas…e parece que decretaram que temos de sorrir e acenar e andar e comer e trabalhar e, de novo, sorrir e até, quem sabe, rir.
“Não, não aconteceu nada.”
Texto escrito e enviado por Lena Câmara Pacheco
Advogada/Madeira
Imagem do Público
O que aconteceu na Madeira é lamentável, é sempre de lamentar quando se perdem vidas humanas, e na Madeira perderam-se muitas vidas humanas em poucos minutos.
É evidente que o nosso planeta está a mudar, podemos achar que as noticias sobre o aquecimento global e as alterações climáticas são mais ou menos exageradas, mas a verdade é que assistimos cada vez mais a fenómenos extremos, fenómenos que cada vez nos afectam de forma mais próxima e violenta.
Tenho estado a acompanhar as noticias através da televisão, hoje estive em casa e as imagens que nos vão chegando são sem duvida impressionantes e brutais. Agora é hora de confortar os afectados, reparar os danos e seguir em frente, porque a vida segue sempre.
É claro que nestes dois dias as opiniões sobre o que aconteceu e sobre as suas causas, são mais que muitas, 99% das opiniões apontam para além da chuva, a incúria de quem decide. O 1% restante vem de uma única voz, alguém que para além de não aceitar as opiniões dos técnicos, diz que não fez nada de mal e que vai continuar a fazer o mesmo.... esta afirmação é para além de irresponsável, criminosa!
Ontem um dos repórteres mostrava uma rua convertida em rio e alguém dizia que aquele era o leito do original do rio, só que alguém o tinha desviado e encanado há uns anos, e no antigo leito do rio havia agora uma rua e muitas casas, que evidentemente foram destruídas pela força das aguas que voltaram ao seu leito natural.
Este é o exemplo típico de aquilo que aconteceu na Madeira, leitos de rios desviados ou fechados entre 4 paredes, todo o espaço de cheia ocupado com ruas, casas, rotundas e até edifícios com um rio que os atravessa....
Se isto não é incúria, é o quê? Que o Sr. Alberto João Jardim é arrogante e desbocado nós já sabíamos, o que não sabíamos é que também é cego... sim, porque não há pior cego que o que não quer ver.
Por certo, ontem ao fim do dia havia 40 mortos declarados, durante a amanhã passou para 42, entretanto encontraram mais 5 de uma família que foi esmagada por uma grua...mas a contagem continua em 42..... não foi o Salazar que mandou mentir sobre os mortos das cheias na Lezíria?
Mas o que aconteceu na Madeira deveria de servir-nos a todos de exemplo, porque PDM's desrespeitados e/ou desenhados ao gosto do freguês imobiliário, há em todo o país.... assim como chuva, rios e ribeiras.
Podem ver neste post, como podem ajudar a Madeira.
Jorge Soares
A Distancia não permitia a Caim perceber a violência do furacão soprado pela boca do senhor nem o estrondo dos muros desabando uns após outros, os pilares, as arcadas, as abóbadas, os contrafortes, por isso a torre parecia desmoronar-se em silêncio, como um castelo de cartas, até que tudo acabou numa enorme nuvem de poeira que subia para o céu e não deixava ver o sol. Muitos anos depois se dirá que caiu ali um meteorito, um corpo celeste dos muitos que vagueiam pelo espaço, mas não é verdade, foi a torre de babel, que o orgulho do senhor não consentiu que terminássemos. A História dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.
José Saramago em Caim.
À falta de melhor, hoje na RTP as noticias sobre o Haiti durante longos minutos versaram o religioso, primeiro a missa ao lado do que resta da catedral, depois a visita a um sacerdote Vudú, uma festa evangélica com muita gente e de novo as pessoas na Catedral... O José Rodrigues dos Santos ficou de certeza com tema para mais um ou dois dos seus livros.
Estava a ouvir as pessoas e não pude deixar de dar por mim a pensar em Saramago e no Caim que estou a ler, e não pude deixar de me lembrar de algumas passagens que já li. Quando escrevi o primeiro post sobre a tragédia que assolou este país que há muito tinha sido esquecido pelo mundo, houve uma frase que decidi retirar mesmo antes de carregar em Publicar, a frase dizia:
-Se duvidas houvesse, está visto que deus não existe!
Retirei a frase porque na verdade a mim não me restam dúvidas e era de ajuda que queria falar naquele dia.
A verdade é que se juntarmos a tragédia às palavras sobre deus que ouvi hoje na reportagem, tudo isto podia ser mais um capitulo do livro de Saramago, com José Rodrigues dos Santos no papel de Caim. Porque o livro é assim, um conjunto de reportagens sobre os principais capítulos da bíblia, sobre deus, o homem e a relação entre ambos, uma relação feita de provas, desafios, prémios e castigos.... nada que não tivéssemos visto todos na bíblia, mas raramente com olhos de ver.
Este é um livro bem escrito, eu não sou grande fã da escrita do Saramago, mas reconheço que este é um excelente livro.
Quanto à história, ou às várias historias, a mim que sou ateu não me dizem muito, há muito que olho para a bíblia como um enorme guião para filmes de Hollywood, para quem acredita, talvez deveria ser um livro a ler com alguma atenção, há sempre outras formas de interpretar o livro que para muitos é sagrado.... esta é tão ou mais válida que outra qualquer.
Em suma, um bom livro, que a mim por vezes me fez sorrir pela clareza das conclusões, um livro que polémicas à parte, vale cada cêntimo que pagamos por ele.
Jorge Soares