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Conto - Um conto madrilenho

por Jorge Soares, em 24.01.15

 

Só alguém como ela, nascida em Las Barranquillas, sabia dar valor às acomodações que recebera na casa do Sr. Velásquez. Era grata pelo quarto, pelo emprego, pelo silêncio quase permanente do idoso, que preferia calar-se a ter que se dirigir a ela ou a qualquer outro com a voz arrastada pelo Parkinson.O quarto claro e o pequeno banheiro acoplado cheiravam a alfazema. Ali, Encarnación se lembrava com mais brandura da infância, das roubalheiras do pai, das rezas da mãe, de quem herdara a crença. Desde pequena, sentia-se atraída pelas imagens cuidadosamente limpas dos santos mantidos em um oratório de madeira carcomida. E enquanto os irmãos corriam atrás de uma bola velha, ela brincava com as figuras miúdas de gesso que lhe faziam companhia naquela vida dura.

 

Interrompendo as memórias, prestou atenção ao som irregular que saía da boca do Sr. Velásquez, um arquejar que ela nunca ouvira antes. Acostumada apenas aos tremores sem som que sacudiam o idoso, assustou-se com o ruído incomum. Aproximando-se dele, perguntou-lhe o que estava sentindo. Mas o homem apenas fechou os olhos, sem dizer nada. Pegando o aparelho de pressão ao lado da poltrona, colocou-o gentilmente no braço do idoso.
 
— 17 por 10... Muita alta. Vou ligar para o Dr. Ramirez — disse para si mesma.
Sentiu a mão do Sr. Velásquez agarrando seu braço, fazendo seu corpo tremer junto com o dele.
— Não!
— Como não? O Dr. Ramirez foi claro: se a pressão subir, eu tenho que ligar para ele.
 
Sem soltar-lhe o braço, o velho ergueu com dificuldade a outra mão e apontou para a televisão à sua frente. A reportagem estava no fim, mas Encarnación voltou-se a tempo de ver, na tela, a foto de um menino pequeno, com cerca de cinco anos. 
 
 
“... e se alguém tiver alguma pista do paradeiro do menino Juanito, entre em contato com uma delegacia de polícia ou com a nossa emissora.“
 
 
 
 
 
Cinthia Kriemler

 

Retirado de Samizdat

publicado às 20:44


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