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Conto, Maria e Maria

por Jorge Soares, em 21.07.12

Conto, Maria e Maria

Imagem de aqui

 

Nasceu uma 92 segundos antes da outra. As gêmeas univitelinas de Raissa e Robledo pagaram todos de surpresa, quem diria uma barriguinha tão murchinha caberem duas crias tão robustas, tudo preparado, um berço, um enxoval, um chocalho, camisinhas de pagão e cueiros para uma que agora são duas. Dos narizes arrebitados à choradeira tudo era absolutamente igual. Sincronizavam hora da fome e arroto, banhavam-se nas mesmas águas mornas da bacia, sorriam simultâneos bilus bilus. Até o cocô vinha na mesma hora, com a mesma coloração e consistência. Para encerrar as confusões, quem é quem, cara de uma focinho da outra, nem uma pintinha para diferenciar,  os pais receberam sinais dos anjos e trataram de obedecer chamando as duas de Maria. 


Maria pra lá, Maria o pra cá. Assim vingaram sem identidade própria, sem vontades próprias, sem desejos próprios.  


Na escola, usavam a mesma carteira, escreviam no mesmo caderno, partilhavam da mesma merenda: 


sanduíche de pão com goiabada, que apesar de um só, tinha o tamanho de dois. 


Cresceram Maria e Maria pulando a mesma corda, ninando a mesma boneca, lambendo o mesmo pirulito. Rezavam o mesmo terço, recitavam as mesmas poesias, contavam as mesmas prosas, cantavam as mesmas modinhas, riam das mesmas piadas. Declamavam os mesmos versos nos saraus familiares, quando o tio beberrão sempre encerrava a salva de palmas com a mesma voz pastosa: “essa menina é um talento, até parece que é duas.” 
Menstruaram no mesmo dia e assim foram mês a mês, um reloginho de precisão suíça de incômodos e tpms, nada que uma só gota de atroveran para aliviar o ardor de duas cólicas. Mocinhas, viram de a mesma janela o amor chegar. E ele bem que chegou de repente: Amaro, garboso forasteiro, elegante nos gestos e no vestir, encantou-se pelas duas, de uma só vez. Com a mesma corte, derrubou Maria e Maria com charme e lábia singulares. Raissa e Robledo faziam gosto. Resolveriam com um único mancebo despachar as meninas predestinadas, sem preocupações de dois genros intrusos 


no dia a dia da casa.  E assim começaram os três a namorar. A calça de tropical inglês roçando as baias das saias rodadas nos encontros no portão fez crescer fantasia que pernoitava na cama das duas. Segredavam-se em duo com sôfregos gemidos, suores dobrados, queimações duplas pelos entre pernas. Tocavam-se irmãmente descobrindo as delícias do fogo divino e não se decepcionaram na noite de núpcias. Depois da cerimônia, onde Robledo conduziu Maria e Maria, uma em cada braço 


aos braços de Amaro, sob a estranheza de dezenas de olhares, o trio nubente enfurnou-se num sexo veemente e compartilhado. O rapaz era um espetáculo. Dava conta das duas com a mesma intensidade, produzindo esplendores sem que ninguém ficasse devendo a ninguém. Pouco a pouco as meninas iam se transformando em sacerdotisas do gozo e da luxuria. Mitos católicos e cartilhas de bons costumes foram se esvaindo entre os lençóis, quando todas as formas de afeto e prazer 


eram experimentadas e descobertas a cada seção. Dedos, línguas, narizes, cotovelos e calcanhares, o que houvesse de extremidades rijas eram bem recebidas por lábios, grandes, pequenos, carnudos, recônditas protuberâncias enrijecidas, úmidas e pulsantes, cavernas aconchegantes, orifícios diversos. Discretos, não proclamavam à vizinhança e à parentada suas proezas, cabendo às maledicentes de plantão duvidar da virilidade de Amaro, esquisito rapaz que se submete a este situação, 


quem tem duas na cama, acaba por ter nenhuma, rezava a corrente da inveja. Mentira desdenhosa. 


Tão logo correu noticia da gravidez simultânea de Maria e Maria, engoliram as Matildes a verdade de que o rapaz numa noite só teria aumentado com duas matrizes a população mundial. Nove meses depois, Maria e Maria pariram trigêmeos cada uma, três meninos, três meninas, para orgulho de Raissa e Robledo. Melhor impossível: criaram duas filhas como se fosse uma e agora a vida em progressão geométrica ofertava três casais de netos numa tacada só. Lembraram do sinal dos anjos quando a gêmeas nasceram, imbuindo o casal da missão de purificar a raça humana, fazendo de duas ovelhas um ícone singular da concórdia. 


Mas nem tudo foi paz na vasta prole. Longe disso. Os anos se passaram e o a população da casa de Amaro, Maria e Maria virou um saco de gatos. Da harmonia desejada surgiu o transtorno opositor. Como anti modelo às duas mães monozigóticas, aos avós obsessivos e a um pai conivente, o sexteto desgovernou-se. Floresceu cada um com suas manias, fé, times de futebol, jeito de falar, caráter, personalidade, fraquezas, caligrafia, paladares, vícios, preferências políticas, musicais e sexuais. 


Rixas de irmãos era pinto diante que os tempos aprontaram: litígios ferozes, brigas severas, ameaças e tentativas de morte. Adolesceram os seis como se estranhos fossem. Mais que isso: inimigos, como inimigos são os radicas étnicos, ideológicos, torcedores, sectários e religiosos mundo afora, como espelho do rosto mais perverso da humanidade. Corroídas de desgosto, Maria e Maria, num pacto sinistro, beberam do mesmo veneno. Estrebuchou uma 92 segundos antes da outra.  


As gêmeas univitelinas de Robledo e Raissa, co-esposas de Amaro, e ungidas com os óleos da extrema fraternidade, foram enterradas num mesmo caixão sob as vistas dos pais devastados e de um marido combalido. Nenhum dos seis filhos compareceu. Dizem que andam pelo mundo disseminando a discórdia, plantando o ódio, promovendo a intriga, cultuando a inveja, espargindo a soberba, o egoísmo, a injustiça, a avareza, o rancor, o ciúme, a barbárie e a crueldade. Foram além 


das fronteiras do bom senso, regente do fato que são as diferenças que movem a existência, e vestiram os capuzes da intolerância.
Robledo e Raissa enlouqueceram nos porões de um manicômio, pregando aos quatro ventos que eram os mentores do apocalipse, arautos do pior dos mundos, logo eles, que tanto fizeram do ideal da igualdade o turbo da vida. E ainda hoje, Amaro, o duplo viúvo, vive correndo atrás da produção do Fantástico para contar sua história estapafúrdia. Só que ninguém acredita.

 

ZÉGUI VEREZA 


Retirado de Samisdat

publicado às 21:04

Conto, Éxtase

por Jorge Soares, em 16.06.12
éxtase
Imagem de aqui

 

Júlio comprou um binóculo. Só para assistir mais de perto o que o edifício em frente ao seu oferecia de tipos e situações. A estreia do binóculo foi desastrosa. Viu uma senhora mudando a roupa e ao perceber que estava sendo observada, a velha abriu-se num exibicionismo agressivo e constrangedor. 


Júlio atirou o binóculo pela janela. Jurou a si mesmo extirpar o vício que colocava remorso, vergonha e fraqueza, juntos, embolados na boca do estômago. O ato impulsivo de puro arrependimento fazia parte de um ritual, que tinha início em palpitações, excitações, ansiedade, clímax e desaguava, sempre, em ânsias indigestas. Aos engulhos, livrou-se da imagem da velha. 


Mas Julio não se emendava.


Passada a ressaca, resgatou o binóculo entre as folhagens do jardim do prédio, sem um arranhão na lente. Sinal de que a qualquer momento, a função poderia recomeçar. Não com a velha na mira, mas com outras atracções. 


Descobriu um paraplégico que gostava de bolinar a enfermeira.


Dessa vez não se tratava de alguém que avançara na idade, mas de um quase quarentão bonitão, condenado pelo destino a rodar pra lá e pra cá com sua cadeira num cubículo pouco mais digno que uma jaula no zoológico. A enfermeira aparecia toda terça-feira, para ajudar nas tarefas básicas, arrumação, refeições, banho e satisfações íntimas sempre indiscretas. Não cuidavam os amantes de preservar a privacidade e cometiam o sexo possível em grandes performances a poucos metros de lentes curiosas. 


Era tudo tão evidente, que Júlio percebia o ronronar da mulher sentada de cócoras em cada braço da cadeira, movimentando seu pélvis de cima para baixo bem no rosto do homem. Os braços potentes do paraplégico empurravam o corpo da enfermeira já totalmente nua para si, mãos enterradas nos glúteos, como que quisesse se deixar asfixiar e acabar para sempre aquela busca incessante pelo que não existia mais. 


Julio não se contentava em ver o que via. Imaginava.


Classificou o paraplégico como um potencial suicida, que sonhava morrer gloriosamente tentando dar marcha ré à vida, retornando ao lugar de onde nunca deveria ter saído.


Um dia, quem apareceu na porta de Júlio?
A enfermeira.


-Com licença, o senhor não é o sujeito que fica de binóculo espiando o que eu faço com meu cliente


Júlio se encheu de coragem. 
- Sou eu mesmo. Aliás, era eu mesmo. Joguei o binóculo no lixo. Nada acontecia de novo naquelas janelas.
- Pois é. Por causa disso, meu cliente está deprimido. Não se interessa mais por mim...
- Lamento... mas espiar os outros não estava me fazendo bem.
A mulher começou a soluçar.
- Na verdade, não sou enfermeira. Nem ele é meu cliente, nem paraplégico. Somos casados e alugamos de um amigo aquela quitinete, toda terça-feira.


Júlio silenciou. Nem uma pálpebra mexeu.


A mulher se desculpou, agradeceu e saiu enxugando as lágrimas.


Terça seguinte, Júlio comprou outro binóculo.


E diante das suas lentes, viu um casal exuberante, fazendo o amor dos amores, em cima de uma cadeira de rodas.


Com direito a uma cúmplice piscada de olhos da enfermeira. 


Ou melhor, da mulher em êxtase.

 

ZÉGUI VEREZA

 

Retirado de SAMIZDAT

publicado às 21:43

Conto, O homem só

por Jorge Soares, em 02.06.12

O Homem Só

Imagem minha do Momentos e Olhares

 

O homem só não liga por ser só. Acostumou. Casa vazia, cama vazia, peito vazio. 


Não por falta de tentativas ou de oportunidades. Até teve. Marias e Tânias, Beatrizes e Lucianes,Glórias e Janaínas. Não se ajeitou com nenhuma. Todas um chiclete: deliciosas no início,sem graça no fim. Foi cuspindo uma a uma.

O homem só sempre foi só. Menino só. Adolesceu e madurou só. Não que não tivesse tido amigos. Até teve. Geraldinhos e Pingos, Xandes e Inácios, Claudios e Marquinhos, Moreiras e Almeidas. Não plantou amizade com nenhum deles. Todos um porre: divertidos no início, enjoados no fim. Foi vomitando um a um.

O homem só tem manias que só ele. Não dorme de luz apagada, se enxuga com toalha molhada, esquece a televisão ligada, não atende telefone por nada. Deixa o celular morrer de tocar. Muitas vezes nem responde a ligação. Pra quê? Para quem? Só se fala ao homem só somente o indispensável.

O homem só se vira sempre só. Não tem nojo de pia, de cueca usada, de pijama amarelado. Cata farelo do chão, passa pano nas coisas, tira teia dos cantos. Lava roupa, lava louça, limpa ralo, janela e panela. Espana a vida sozinho. Não vê do que se queixar.

O homem só tem dois horrores: gente e cebola. A faca que corta a laranja não pode cortar cebola.Fica o gosto e o desgosto. Lembra da mãe desatenta, da avó sem cuidados, do pai caladão.

O homem só trabalha só. Escreve por encomenda, redige por intuição. Ao som de um piano ao longe, inventa um mundo de gente e gente de todo mundo. Conversa com Joões, conta casos para Marias, discursa para multidões, enche a cara com Gustavos, namora Desirées, tem filhos com Rosanas. Vive instantes intensos rodeado de vidas geradas por palavras e expressões. É amigo e ouvidor, conselheiro e fiador, companheiro e porta-voz, inimigo e desafeto de infinitas criaturas. Assim como as cria, mata todas numa teclada só. Quando o tempo acaba, o saco enche, o piano cansa. Aos primeiros acordes ao longe, ressuscita um a um com o elixir da imaginação. Quando o abstrato se dissipa e a concretude emerge esfregando a verdade no seu nariz, o homem só volta a ser só. Tão absolutamente só que não se dá conta que não é tão somente só no mundo. 

O homem só tem uma vizinha. Que também é só. Que não liga por ser só. Acostumou. Casa vazia, cama vazia, peito vazio. Não por falta de tentativa. Até quis Maurícios e Joaquins, Pablos e Melquiades, Reinaldos e Beneditos. Mas as tintas do destino também a pintaram só. E só vive a fazer a vida longe da rua, longe de gente, longe de tudo. Tal e qual seu vizinho, o homem só. 

A vizinha só não escreve. Toca piano. Pelas mãos que passeiam a bailar, viaja porta afora. Conversa com Marias, conta casos para Joões, encanta platéias distintas, toma chás com Enedinas, namora Adamastores, tem filhos com Rafael, vive instantes intensos inebriada de vidas geradas por notas musicas. É amiga e ouvidora, conselheira e faladeira, companheira e porta-voz. Inimiga e desafeto de infinitas criaturas. Quando a música chega ao fim, de duas uma: ou busca outra no ar, para encher a vida de tantas vidas, ou fecha o piano. É neste exato silêncio que a verdade grita. E a vizinha só volta a ser só. Tão absolutamente só que não se dá conta que não é tão somente só no mundo.

Quando pisca duas vezes a luz na varanda ao lado, iluminando a copa do oitizeiro da calçada, as folhas sombreadas dizem que está na hora. O homem só e a vizinha só, sós como são, a sós se dão. 

Não se denominam, mas se desejam. Não se exclamam, mas se beijam. 
Não se perguntam, mas se tocam. Não se falam, mas se despem. Não se dizem, mas se apertam. Não se pronunciam, mas se sugam. Não se anunciam, mas se invadem. 
E se contraem, e se mexem. E se viram, e se desviram. E se sobem, e se descem. E se ondulam, e se tremem. Até que ela emite um aviso gutural crescente e ele responde com uma respiração ofegante, ibidinosa, satisfeita. Chegam onde querem chegar quase que ao mesmo tempo. Explosões silenciosas, jorros secretos, acelerações, 
desacelerações. Altas e baixas de pressões. Restauram-se os dois, pós-gulosos que são. Aceitam-se num carinho breve e infinito, saboreiam um torpor como uma sobremesa dos deuses.Até que se vão. Cada um pro seu canto, cada um para o seu mundo. 
Sem uma palavra, sem um "durma bem, meu bem", sem um sorriso só. 

Bem, assim era como acontecia. 
Mas como tudo que acontece na vida, desaconteceu. 

Um dia, a luz ao lado parou de piscar duas vezes. As sombras das folhas do oitizeiro emudeceram de vez. Foi o sinal derradeiro. Ninguém mais se apareceu. 

Sem o alento do piano ao longe, cansado de tanto não escrever, tomado por uma inquietude curiosa, o homem só debruçou-se na varanda contígua, pescoço de girafa à procura aflita de suas razões e emoções de viver. Antes que despencasse no jardim, caiu num pranto só. Viu nada, nada, nada. Só uma sala vazia, vazia, vazia. 
Sem vida, sem vizinha, sem coisas, nem o piano. 

Pela primeira vez, o homem só sentiu a falta de companhia. 
E sucumbiu de sua verdadeira solidão.

 

ZÉGUI VEREZA  

 

Retirado de Samizdat

publicado às 19:45

Conto, O padre e a tia

por Jorge Soares, em 26.05.12

O padre e a tia

Imagem de aqui

 

Os verões na fazenda da família deixaram a memória de Paulo Cássio entulhada de cheiros, sons e sensações. Até hoje fecha os olhos, sente o aromático feijão no fogão de lenha e o gosto da goiaba vermelha, ouve mugidos longos da vaca Amorosa e a voz aflautada de Tia Antonieta puxando os cânticos na missa, vê a paisagem sem fim de morros sobre morros e o rosto severo do reverendo Batistini, que sempre chegava para o jantar. Era sempre assim. Primeiro jantavam as crianças. Depois, a mesa era reposta para padre agregado e para  a senhora da fazenda. 


Tia Antonieta tinha enviuvado cedo, não tendo tempo para  maternidade. Viu-se, pelas trapaças trágicas do destino, herdeira da propriedade. Nem teve tempo para chorar. Vestiu-se de preto até o pescoço, e embora jovem e de traços bonitos, despiu-se da vaidade. Com mão de ferro dedicou-se a cuidar dos bois, dos cavalos, dos porcos, dos pomares, dos empregados e da penca de sobrinhos, tidos como filhos postiços e temporários, cujos pais os entregavam em custódia à tia durante os quase três meses do verão. Dos quatro aos doze anos, Paulo Cássio não conheceu férias que não fossem de pé no chão, espantando galinhas, montando cavalos em pelo, subindo em árvores, mergulhando no riacho, crescendo junto com primos e assustando o irmão caçula com histórias de assombração.


Na última noite de uma dessas férias, Paulo Cássio teve uma insônia de encharcar os lençóis. Fez de tudo para retomar o sono. Contou buracos na janela, inventou musiquinhas com o ressonar ritmado do irmão ao lado, deu nome às sombras que se projetavam na parede. De tanto esquentar a cabeça, desistiu. Saiu pé ante pé pelo casarão, pisando com cuidado para que as tábuas corridas não rangessem. Olhou bem para os santos em cima da cristaleira, acompanhou com medo os olhos côncavos do Cristo na parede, que seguiam as crianças onde quer que fossem. Apressou-se em alcançar a varanda, por onde desceu lentamente as escadas. Embalado pelo silêncio salpicado de grilos e sapos martelos, prosseguiu seu caminhar curioso, sentindo medo e frisson com o balé das arvores sob e vento e o luar. Rodeou a casa até o lado oposto e estranhou a luz tênue que vinha das frestas de um janelão semi aberto. Lá dentro, o quarto da tia, o misterioso e proibido quarto da tia. 


Aproximou-se com as mãos suadas que seguravam o coração, apertou os olhos e paralisou. Viu um vulto de camisola branca acocorado ao pé da janela.


- Quem é que tá aí? Era a prima Irene, na plenitude de seus treze anos, menina danada em corpo de mulher quase feita, rainha das travessuras.
- Pssiu… fala baixo. A tia Antonieta está se confessando ao reverendo Batistini.  
- Como é que você sabe?
- Eu conheço voz de padre. 
- E você está xeretando a confissão dela? É pecado, menina!
- Não dá para ouvir direito. Eles falam baixinho. Ela parece que chora. Ele tem problemas de respiração. Ouve só.


Os dois encostam o ouvido na parede, bem embaixo da janela. Ouvem sôfregas palavras, indecifráveis excitações, rezas suspirosas, um rosário de gemidos. Irene pega a mão do primo e coloca no seu coração.


- Sente só. Estou com medo.
- Vamos embora, Irene.
- Não. Fica comigo. É um medão gostoso. Vem cá, vem.

 

Paulo sente sua mão ser conduzida por dentro da camisola da prima. Primeiro o coração forte, depois um passeio pelos mamilos, pitombinhas delicadas querendo brotar. E segue a mão seu destino insidioso, encontrando com os dedos a nascente úmida da pequena relva que já se formava entre as pernas de Irene. As bocas se encostam provocando uma pororoca de línguas, não tinham idéia que fosse assim. Sem se descolarem um do outro, entrelaçados pelos cordames dos instintos, a mão da prima vasculha o pijama do primo, descobrindo o que há de mais quente, indócil e pulsante naquela tenra idade. As ditas orações sôfregas vêm das frestas da janela com mais intensidade. Ao mesmo tempo, na tocaia embaixo do parapeito, Irene e Paulo Cássio, aos toques de mãos e esfregações inocentes, entram no mesmo ritmo do padre e da tia, e atingem a uma sensação jamais imaginada. Extasiados, se abraçam apertado quase sem fôlego.


- Que é isso? Sentiu o que eu senti? De onde veio? Para onde foi?
- É o diabo, Irene, vamos embora, tô morrendo de medo. 
- Não, seu burro. Foi um anjo que entrou por dentro da gente.

ZÉGUI VEREZA 

 

Retirado de Samizdat

publicado às 19:16


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